sábado, julho 14, 2007

A Sina - IV (ou o Hábito não fez monges).

«A miséria parece uma secreção do progresso, da civilização. Não é nos campos (até em plena crise), onde a vida é simples e sem ambições, que a miséria se torna aflitiva, dramática. A sua tragédia sem remédio desenvolve-se antes nas cidades, nas grandes capitais, tanto mais insensíveis e duras quanto mais civilizadas. A mecanização, o automatismo do progresso que transforma os homens em máquinas, isolam-no brutalmente substituindo os seus gostos e impulsos afectivos por complicadas e frias engrenagens. O homem das cidades, modelado, esculpido na própria luta com os outros que lhe disputam o seu lugar ao sol, é talvez, sem reparar, a encarnação do próprio egoísmo. (...)
Nas cidades, o homem que deixa de trabalhar encontra-se completamente desamparado e arrisca-se, de facto, a morrer de fome. Enquanto há trabalho, não falta dinheiro para o necessário e até para o supérfluo. A falta de calor humano, de solidariedade natural provocada pela ausência da vida familiar, torna a miséria negra quando o trabalho cessa. Assim, os sete milhões de habitantes de Nova Iorque são, pouco mais, pouco menos, para o desgraçado que tem fome, sete milhões de desconhecidos. Por isso fazemos sempre a apologia da vida modesta, familiar, onde não falte o indispensável, e até o que suaviza a vida, mas sem aspirações exessivas, desumanas. (...)
Devemos guerrear, cada vez mais, a concepção materialista que leva o homem à sofreguidão da riqueza, num desporto perigoso e doentio, ainda que o vejamos, por vezes, como na América, distribuir parte da sua fortuna por instituições de que beneficiam os pobres. É mais humano e mais cristão procurar antes aquela mediania colectiva em que não são possíveis nem os miseráveis nem os arquimilionários. É difícil, ou impossível, evidentemente, sufocar por completo a ambição do homem, a sua marcha para o dinheiro, mas o que se pode certamente impedir é que grande parte da riqueza da Nação seja absorvida por mil e um parasitas. Só reduzindo ao mínimo esses parasitas, criando trabalho e estabelecendo maior soma de justiça nas relações económicas e sociais, se conseguirá o desejado equilíbrio.»

- A.O. Salazar, in "Entrevistas de António Ferro a Salazar" (7ª Entrevista, de 1938).

Parece que, segundo fórmula conhecida, Salazar "queria levar os portugueses a viver habitualmente". Ora, se bem que a sabedoria popular ensine que o "hábito faz o monge", entre nós não fez. Entre nós, a tendência sempre foi mais para fazer o frade. O feijão-frade. O bifronte. O que se traduz, por exemplo, em várias duplicidades singulares e maravilhosas: frequentar a missa e o bordel; confessar-se ao prior e à bruxa; pedir a Deus e comprar ao Diabo; vestir do direito e fardar do avesso; comer à mesa e debaixo dela. Tudo isto e muito mais, bem como vice-versa, com a mesmíssima cara ambivalente e bífida.

Poderá parecer contradição atávica apenas a quem não entenda a evidência elementar: um povo destituído de profundidade é imune à contradição. Ao nível da rama, por onde sistematicamente colibriza, pasta e delibera, a necessidade e a possibilidade geminam-se, fluindo ambas ao sabor da aragem. Cumulando que, em matéria de ventos da História, qualquer flato mais estrepitoso, em prenúncio de romarigante foguetório, lhe serve.

Não lembrava ao Diabo impor o monasticismo a uma gente que, claramente, está viciada - até à medula, até à oitava geração, até à segunda natureza! - no meteorismo. Lembrou ao Salazar.

Ciclicamente, com o sentido de humor que só a liberdade verdadeira e absoluta permite, os Deuses, sensibilizados pelo clamor dos batráquios bem pensantes, enviam uma cegonha. Portugal, é certo, merecia outra gente. Mas isso não é só Portugal, é o planeta inteiro. Esta gente que somos, por lei eterna, merece o que semeia e colhe o que cultiva. Abro apenas uma excepção: a nossa esquerda. Essa, sobretodos angélica e insaciável matilha, não merecia, nem hoje nem nunca, um Salazar: merecia um Vlad. O Empalador.

3 comentários:

  1. Excelente "post" caro Dragão.

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  2. Que grande comentário

    " Essa, sobretodos angélica e insaciável matilha, não merecia, nem hoje nem nunca, um Salazar: merecia um Vlad. O Empalador."

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  3. Gostei dessa do "colibriza".Como diria o outro para quê esforço em queimar as pestanas se outros mecanismos estão de tal forma entranhados que levam a que as portas não se abram?
    Mas não acha estranho que quem nos governa consecutivamente quer o regime mude ou não tem sempre os mesmo apelidos?
    Que todos se substituem pelos filhos?
    Que os bons cargos são para a família , mesmo que se tenham que criar?
    O nosso costume judeu das 2 caras compensa...

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