Hoje é feriado. Comemora-se, segundo reza o calendário, a Restauração. A generalidade dos portugueses actuais, e quanto mais jovens mais piamente, acreditam que isso significa um dia dedicado aos restaurantes. Em conformidade, aproveitam para almoçar e jantar fora.
Da mesma forma, daqui a vinte e cinco dias, quase todos eles celebrarão um dia de opípara comezaina que sabiamente interpretarão como dia de trocarem prendas e mercadorias, e não como o dia em que há muito, muito tempo, nasceu um menino chamado Jesus que fez aquilo que todos os meninos fazem quando nascem: acendeu uma centelha de esperança no mundo. A dele era só um bocadinho maior que a de cada um de nós. Porque era a de todos.
Ao contrário da esperança –que é, por concessão titânica, imortal –, Portugal morreu em Alcácer-Quibir. Morreu de pé, como morre tudo o que é vertical e nobre. Morreu porque aquela lhe pareceu uma boa hora para morrer. Morreu porque acima do império dos homens, por melhores que sejam, vigora o império do Destino.
Desde então resta-nos um simulacro, uma espécie de sonho brumoso onde vagamos, como um navio fantasma, entre ilhas de fortuita coragem ou dignidade, e oceanos de torpe infâmia e cobardia. Há quase quatro séculos atrás, no dia 1 de Dezembro de 1640, ocorreu algo que exemplifica o primeiro caso. É pena que, desde então, só excepcionalmente tenhamos sido dignos, quase sempre graças a meia dúzia de indivíduos foras-de-série, raramente como povo.
Dir-me-ão: "Vade retro, Dragão! Que pessimismo anti-patriota, que exagero!..."
Dir-vos-ei: De Portugal, ajuntando os destroços que deram à costa, refizeram a aparência, recuperaram o bandulho –improvisaram um espantalho animado, em cima da cruz do defunto, com farpela comprada em saldos na estranja, cabeça de palha, verbo de encher e chapéu de fancaria. Mas a coluna vertebral, e a alma que a sustentava, essas, ficaram lá.
De Portugal, hoje, restam sombras. Como na caverna de Platão, no Hades de Homero e no canto de cisne de Camões.
Sombras no nevoeiro.
«Já esconjurei mil ciladas,
esgota-se-me o esconjuro.
Sigo as minhas pegadas
e não encontro quem procuro.»
Apesar de morto, é um sonho que merece ser vivido pelos futuros! Mais uma vez incisivo...
ResponderEliminaro melhor post que o Dragão já nos ofereceu.para mim, ganhou a imortalidade.
ResponderEliminar++++++++++++++++++
Quase 400 anos de big sleep?! Humm...e, se estivesse acordado, o que faria este nobre povo e nação valente? Teria passado outra vez além da Taprobana? Não podia- a água do rio só passa uma vez debaixo da ponte! Teria descoberto a fusão nuclear a frio? Reinventado a roda, através do teletransporte? Temo que não lhe interessasse.
ResponderEliminarNã! Isto é povo de séculos! Faz comércio como sempre fez. TInha sobreiros e oliveiras e inventou uns Oliveiras da Figueira. TInha pastorícia e lavradura intensiva e dava-lhe para comer bem, numa coerência de ciclos seculares: semear/plantar;tratar e podar; colher e guardar.
O problema começou com Taylor e o Ford T, saxónicos de uma figa que não se ficaram pala pastorícia e a lavradura e aprenderam a sair da idade do carvão para a da electricidade. Aí, massificou-se o gosto pelo "bem-estar", a comodidade e o conforto. COmeçaram as viagens em carroças sem cavalos, mais rápidas e mas baratas. E começou o ciclo infernal do ferro, do aço e do betão. Para esta guerra de gostos, nós contamos pouco. Os Silvas não são Thyssen. E nem sequer arranjámos um Pereira para ganhar e rapear aos Rockefellers.
Assim, o que temos hoje em dia, para continuarmos a ter orgulho enquanto povo saído da pastorícia e da lavradura?
Epá! Temos um José Bento dos Santos, por exemplo! Não há por aí fora, nessa Europa de Thyssens e Bourbons, muitos como ele. E pouca gente sabe disso, o que acrescenta valor.
É um gajo que sabe da poda. Literalmente. E disso não há por aí aos pontapés. Que se fodam os Thyssen. Vivam os artesãos da cultura milenar que nos amparou a identidade durante séculos.
Não desesperemos- porque há mais. Hoje só me lembrei deste, porque li ontem a Visão Gourmet...