terça-feira, novembro 30, 2004
Crónica duma Morte Anunciada
Há quatro meses atrás, aquando da fuga do na altura Primeiro-Ministro para a Europa, eu fiz a análise que agora publico de novo. E pespego-vos com ela aqui de novo nas trombas, não por vaidade balofa de áugure triunfante e historicamente corroborado, mas porque, mais que a lotaria dos acontecimentos, do frito e cozido que parece esgotar as cabecinhas iluminadas e pensabundas da toinosfera, releva um quadro envolvente, confrangedor, que se mantém inalterado; um húmus de imbecilidade nacional que potencia todo o lastimável folclore que parece ter montado arraiais entre nós, portugueses, e que, na altura, descrevi. Ora, como se mantém inalterável, escuso de escrever outra vez.
Quanto a acertar nas análises, bem mais jeito me dava acertar no totoloto.
«Ao contrário do Juíz televisivo, Sampaio decidiu, mas nada ficou decidido.O seu veredicto foi simples: Não dissolvo...Por enquanto.
A questão, agora, é: quanto vai durar o "por enquanto"?
Entretanto, uns rejubilam imbecilmente, com o foguetório digno do parolo, e outros esperneiam na poeira, dando urros doloridos e arrancando cabelos às mancheias. De parte a parte, os automatismos adquiridos durante as celebrações e lutos do recente Euro futeboleiro ainda não se dissiparam dos espíritos. À boa maneira de certas substâncias psicotrópicas mais potentes, persistem. Sampaio, se se dignasse perder tempo a ler as pérolas que por todo o lado chovem, havia de dar umas boas gargalhadas. Eu, no lugar dele, acho que me rebolava até às lágrimas. É um panorama, deixem que vos diga, a todos os títulos, histriónico, gaiteiro, quiçá rilhafolesco. A fábula de Régio -da criança, do velho e do burro- tomou conta da realidade. A asneira, essa, não é apenas livre: deveio campeonato. Em cada dia que passa, o débito aumenta, a incontinência opinativa ameaça um dilúvio iminente. Dou comigo, mesmo sem recado do Altíssimo, a projectar uma arca que resista à intempérie.
Entretanto, enquanto não dissolve, o PR vai, certamente, recrear-se. Põe de molho. Reconduzida a actual Maioria, esta, encantada com a sua nova coqueluche e exultante com o súbito hara-kiri do ex-líder da Oposição, vai entregar o leme ao novo Messias. Feliz da vida, acha tudo normalíssimo. É preciso é boiar, manter-se à tona. Um unanimismo ribombante impera já nas arcadas. O beija-mão segue os seus trâmites.
A ensombrar o idílio, apenas uma pequena nuvem tolda o horizonte e o futuro radiante destes novos peregrinos: quanto tempo vai demorar o Dr. Lopes a recrutar um Ministro das Finanças digno sucedâneo da Manuela draconiana (salvo seja!)?
Por outro lado, espécie de trovoada longínqua, como vai reagir a nação ao seu novo jóquei? Estabilizará ou instabilizará? Partirá a "ga-Lopes" ou morderá o freio, empinando-se e tentando cuspir o amazão?De certo, o que se sabe, até agora, é que, na cinantropia, a descida não termina em sabujo. Um degrau mais abaixo já se renconhece, demandado que foi entretanto: o de caniche levado a concurso. Prova disso é um primeiro ministro falhado que aceita ser Presidente pela trela duma Comissão Europeia; e um perpétuo candidato-ao-que-houver que abana a cauda radiante, a babar-se, de língua pendente, com a perspectiva -agora quase certa- de vir ser primeiro ministro pela trela dum PR em claro passatempo.
O resto deixo à vossa imaginação. Se ainda não percebesteis, ide ao Gorge que vos explique. Eu, alma prudente, tenho ali um casco e quilha para construir. Isto da construção naval tem muito que se lhe diga.»
Agora já sabemos quanto durou o "por enquanto".
A desgovernação, como a corrupção e a desmoralização não são a doença. São apenas sintomas. Quem está doente é o país. De alto a baixo. Da mioleira até às entranhas. Querem maquilhar as borbulhas, os eczemas, os furúnculos e acreditar, assim, que mascarando os sinais debelam a epidemia. Confundem a peste com uma alergia passageira. Confundem estertor com soluços.
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