O verdadeiro ouro deste mundo é a amizade. Encontrar um amigo, dos verdadeiros, é encontrar um tesouro.
E os tesouros, se já é difícil encontrá-los, mais difícil é, depois, guardá-los.
Escrevo isto a propósito do dia 29 de Agosto. Um dia muito especial.
Como eu e uma grande amiga minha sabemos.
segunda-feira, agosto 30, 2004
quinta-feira, agosto 26, 2004
Homo-Sopeirus
A economia não é coisa de homens –quer dizer, de machos. Durante séculos, milénios, foi assim. E continua a ser. Foi preciso que o homem se efeminasse, se desterritorializasse, se convertesse à vida fácil e à sopeirice para que, aparentemente, se tornasse coisa de homens. Não se tornou. Deveio apenas coisa de coisas que parecem homens.
A preocupação obsessiva com as compras, com o almoço e jantar, com as dívidas ao merceeiro, são equivalentes às angústias com a maquilhagem, com a cor das unhas ou com o vestido e penteado com que, de manhã, se vai à praça. No duplo sentido que “ir à praça” possa ter.
É caso para dizer que a disfunção desfaz o órgão. Hoje em dia, portento civilizacional, já nascem capados. Algum tratamento hormonal disfarçado de vacina, admirem-se.
E multiplicam-se. Estão por toda a parte. Um exército de sopeiras ao assalto do mundo. As outras queimaram os soutiens. Estes ajeitam o cinto de ligas debaixo do avental.
A preocupação obsessiva com as compras, com o almoço e jantar, com as dívidas ao merceeiro, são equivalentes às angústias com a maquilhagem, com a cor das unhas ou com o vestido e penteado com que, de manhã, se vai à praça. No duplo sentido que “ir à praça” possa ter.
É caso para dizer que a disfunção desfaz o órgão. Hoje em dia, portento civilizacional, já nascem capados. Algum tratamento hormonal disfarçado de vacina, admirem-se.
E multiplicam-se. Estão por toda a parte. Um exército de sopeiras ao assalto do mundo. As outras queimaram os soutiens. Estes ajeitam o cinto de ligas debaixo do avental.
Cleptocracias
Angola é uma cleptocracia. Portugal também. A diferença fundamental é que em Angola são poucos a roubar muito, e em Portugal são muitos a roubar pouco.
Democracias? Não inventem.
Democracias? Não inventem.
quarta-feira, agosto 25, 2004
A Reforma do Ensino. Já!
Abeirando-se perigosamente o início de mais um ano lectivo, eis que a questão do ensino volta à ordem do dia. Não há blogue que lhe resista. Por mim, digo e repito o que já tinha escrito aqui, há uns meses atrás. E foi exactamente o que se segue...
«Eu pergunto-vos: "que raio de porcarias, que ror de inutilidades e matérias desnecessárias, andam a ensinar nas escolas e universidades deste país?..." A quantidade exacta ninguém sabe, mas o resultado está bem à vista: 40.000 licenciados no desemprego, fora os que andam a monte ou se esconderam em casa, com depressões, envergonhados. E também os que trabalham de chofer de táxi, de caixa de hipermermado, de portageiro ou a dar serventia a trolhas gozões. Pois, uma catástrofe social... e de quem é a culpa?... A culpa, toda a gente sabe, é da falta de preparação para a vida profissional, da inadequação gritante dos curriculos às necessidades laborais e, sobretudo, aos hábitos e critérios empregadores do mercado. Ora, este, o bendito mercado, está cada vez mais esquisito e exigente; arreiga-se encanzinadamente às suas prorrogativas e ninguém o faz arredar pé.Assim sendo, está mais do que na hora de dizer aquilo que toda a gente pensa mas ninguém diz. E, ao mesmo tempo, iluminar duma vez por todas certas cavalgaduras burocráticas que prometem reformas, mas não mexem uma palha e, ano após ano, deixam tudo na mesma.Pois bem, esta reestruturação curricular que apresentarei de seguida, é infalível, panaceia garantida, e aplica-se universalmente a todo e qualquer curso, seja de letras ou ciências. Introduzam-se as cadeiras que passo a referir, conforme o ano que sugiro, e vereis se não é remédio santo.
1ªAno - Subserviência.
Sem conhecimentos avançados desta disciplina, como é que alguém pode singrar na vida profissional ou almejar a uma carreira de sucesso neste país?!... Impossível, digo-vos eu e sabeis vós melhor que ninguém. Quem não subserve não sobrevive. Sem este instrumento mediador supremo, todo e qualquer conceito, técnica ou conhecimento torna-se estéril, inútil. Um tipo é barra em medicina, direito ou arquitectura, mas não tem as noções básicas de subserviência... para que lhe serve o curso? - para nada; contempla o diploma e morre de fome.
2º Ano - Bajulação e Graxismo.
Uma vez instruído na "subserviência", o futuro quadro precisa de fórmulas elaboradas para a aplicação da mesma. É aqui que surge a "bajulação e graxismo". Saber bajular e dar graxa ao chefe é fundamental para o aspirante a bons salários e regalias sociais. A capacidade técnica, a competência profissional, sem um bom domínio da "bajulação e graxismo", além de se tornarem inóquas, devêm absolutamente contraproducentes e prejudiciais ao proprietário. Pior que não saber bajular o chefe só há uma coisa: não saber bajulá-lo e ser competente. Invariavelmente, o chefe, a qualquer nível na escala hierárquica, tomará isso como uma ofensa pessoal e ameaça velada ao seu ganha pão e marisco.
3ºAno - Insectomorfismo e Ética.
Dominadas as artes da subserviência e da bajulação, aquele que aspira a altos cargos, sobretudo na administração pública, tem que adquirir uma perfeita moral camaleónica e um estômago à prova de bala. Um adestramento exaustivo na habilidade de se transformar em insecto, de preferência rastejante, torna-se, então, necessário. Esta aptidão tem que devir segunda natureza, avatar sempre pronto a ser exibido. É certo e sabido que, a todo o momento -às vezes, mesmo quando menos se espera -, na vida profissional portuguesa, surgem bruscas mas imperiosas requisições deste desempenho. Nada como o indivíduo estar preparado.
4ºAno - Macaquice transcendental.
Na vida adulta e, sobremaneira, na carreira profissional cá do burgo, ser é ser macaco. O "ser macaco" engloba e sintetisa, numa espécie de concentrado vitamínico, vários princípios de acção fundamentais ao percurso do futuro quadro. A saber: o princípio da imitação (de superlativa importância), o princípio da velhaquice (não menos importante), o princípio do oportunismo (idem, idem) e o princípio da etiqueta e protocolo (o mais transcendente e esotérico de todos). A rapidez na imitação, a predisposição à velhacaria, o sentido oportunista e a perícia no protocolo constituem as metas de todos os finalistas.Ultrapassado o 4º Ano, eis que se inicia o Estágio. Este será integralmente passado em testes e aulas práticas no Simulador de Trabalho. A razão é simples: Sendo o verbo "fazer" inconjugável per si no nosso país, onde só aparece transmudado em "fazer de conta" ou "fazer que faz", era mais que evidente que não fazia qualquer sentido mandar os recém-licenciados e candidatos a futuras mordomias estagiarem em locais efectivos de trabalho, dignos apenas de gente desclassificada e analfabeta (como fábricas, empresas transformadoras, centros agro-pecuários, etc). Consciente desse erro tradicional, o meu plano propõe, outrossim, que eles estagiem em "locais virtuais" de trabalho, semelhantes àqueles que ocuparão no futuro. É pra isso que serve o Simulador. Assim, da mesma maneira que um governante actual "faz que governa", mas não governa; ou um director geral "faz que dirige", mas não dirige; ou um deputado "faz que representa" mas não representa; também o futuro governante, director, deputado, etc, tem que aprender esses primores técnicos do "faz que faz mas não faz " e "faz de conta mas não é", enfim, as múltiplas manhas e ardis da simulação laboral. Onde pontifica sobretudo, como requinte mor, o desembaraço na ocupação simultânea de vários cargos e a invisiblidade durante grande parte do mês. A excepção singela a esta regra do "faz que faz" (e como toda a regra tem que ter a sua excepção) reside estritamente no "sacar" (salários, subsídios, mordomias, etc). Aí, nem os actuais, nem os futuros, "fazem que sacam"...Não, aí, sem dó nem saciedade, escrúpulos ou hesitações, não "fazem que sacam": sacam mesmo!...
PS: Repito e sublinho: quanto às outras disciplinas de cada curso, pouco interessam; bem como a sua aprendizagem ou aproveitamento. Agora estas, que acabo de referir, são nucleares e de transcendente importância.»
«Eu pergunto-vos: "que raio de porcarias, que ror de inutilidades e matérias desnecessárias, andam a ensinar nas escolas e universidades deste país?..." A quantidade exacta ninguém sabe, mas o resultado está bem à vista: 40.000 licenciados no desemprego, fora os que andam a monte ou se esconderam em casa, com depressões, envergonhados. E também os que trabalham de chofer de táxi, de caixa de hipermermado, de portageiro ou a dar serventia a trolhas gozões. Pois, uma catástrofe social... e de quem é a culpa?... A culpa, toda a gente sabe, é da falta de preparação para a vida profissional, da inadequação gritante dos curriculos às necessidades laborais e, sobretudo, aos hábitos e critérios empregadores do mercado. Ora, este, o bendito mercado, está cada vez mais esquisito e exigente; arreiga-se encanzinadamente às suas prorrogativas e ninguém o faz arredar pé.Assim sendo, está mais do que na hora de dizer aquilo que toda a gente pensa mas ninguém diz. E, ao mesmo tempo, iluminar duma vez por todas certas cavalgaduras burocráticas que prometem reformas, mas não mexem uma palha e, ano após ano, deixam tudo na mesma.Pois bem, esta reestruturação curricular que apresentarei de seguida, é infalível, panaceia garantida, e aplica-se universalmente a todo e qualquer curso, seja de letras ou ciências. Introduzam-se as cadeiras que passo a referir, conforme o ano que sugiro, e vereis se não é remédio santo.
1ªAno - Subserviência.
Sem conhecimentos avançados desta disciplina, como é que alguém pode singrar na vida profissional ou almejar a uma carreira de sucesso neste país?!... Impossível, digo-vos eu e sabeis vós melhor que ninguém. Quem não subserve não sobrevive. Sem este instrumento mediador supremo, todo e qualquer conceito, técnica ou conhecimento torna-se estéril, inútil. Um tipo é barra em medicina, direito ou arquitectura, mas não tem as noções básicas de subserviência... para que lhe serve o curso? - para nada; contempla o diploma e morre de fome.
2º Ano - Bajulação e Graxismo.
Uma vez instruído na "subserviência", o futuro quadro precisa de fórmulas elaboradas para a aplicação da mesma. É aqui que surge a "bajulação e graxismo". Saber bajular e dar graxa ao chefe é fundamental para o aspirante a bons salários e regalias sociais. A capacidade técnica, a competência profissional, sem um bom domínio da "bajulação e graxismo", além de se tornarem inóquas, devêm absolutamente contraproducentes e prejudiciais ao proprietário. Pior que não saber bajular o chefe só há uma coisa: não saber bajulá-lo e ser competente. Invariavelmente, o chefe, a qualquer nível na escala hierárquica, tomará isso como uma ofensa pessoal e ameaça velada ao seu ganha pão e marisco.
3ºAno - Insectomorfismo e Ética.
Dominadas as artes da subserviência e da bajulação, aquele que aspira a altos cargos, sobretudo na administração pública, tem que adquirir uma perfeita moral camaleónica e um estômago à prova de bala. Um adestramento exaustivo na habilidade de se transformar em insecto, de preferência rastejante, torna-se, então, necessário. Esta aptidão tem que devir segunda natureza, avatar sempre pronto a ser exibido. É certo e sabido que, a todo o momento -às vezes, mesmo quando menos se espera -, na vida profissional portuguesa, surgem bruscas mas imperiosas requisições deste desempenho. Nada como o indivíduo estar preparado.
4ºAno - Macaquice transcendental.
Na vida adulta e, sobremaneira, na carreira profissional cá do burgo, ser é ser macaco. O "ser macaco" engloba e sintetisa, numa espécie de concentrado vitamínico, vários princípios de acção fundamentais ao percurso do futuro quadro. A saber: o princípio da imitação (de superlativa importância), o princípio da velhaquice (não menos importante), o princípio do oportunismo (idem, idem) e o princípio da etiqueta e protocolo (o mais transcendente e esotérico de todos). A rapidez na imitação, a predisposição à velhacaria, o sentido oportunista e a perícia no protocolo constituem as metas de todos os finalistas.Ultrapassado o 4º Ano, eis que se inicia o Estágio. Este será integralmente passado em testes e aulas práticas no Simulador de Trabalho. A razão é simples: Sendo o verbo "fazer" inconjugável per si no nosso país, onde só aparece transmudado em "fazer de conta" ou "fazer que faz", era mais que evidente que não fazia qualquer sentido mandar os recém-licenciados e candidatos a futuras mordomias estagiarem em locais efectivos de trabalho, dignos apenas de gente desclassificada e analfabeta (como fábricas, empresas transformadoras, centros agro-pecuários, etc). Consciente desse erro tradicional, o meu plano propõe, outrossim, que eles estagiem em "locais virtuais" de trabalho, semelhantes àqueles que ocuparão no futuro. É pra isso que serve o Simulador. Assim, da mesma maneira que um governante actual "faz que governa", mas não governa; ou um director geral "faz que dirige", mas não dirige; ou um deputado "faz que representa" mas não representa; também o futuro governante, director, deputado, etc, tem que aprender esses primores técnicos do "faz que faz mas não faz " e "faz de conta mas não é", enfim, as múltiplas manhas e ardis da simulação laboral. Onde pontifica sobretudo, como requinte mor, o desembaraço na ocupação simultânea de vários cargos e a invisiblidade durante grande parte do mês. A excepção singela a esta regra do "faz que faz" (e como toda a regra tem que ter a sua excepção) reside estritamente no "sacar" (salários, subsídios, mordomias, etc). Aí, nem os actuais, nem os futuros, "fazem que sacam"...Não, aí, sem dó nem saciedade, escrúpulos ou hesitações, não "fazem que sacam": sacam mesmo!...
PS: Repito e sublinho: quanto às outras disciplinas de cada curso, pouco interessam; bem como a sua aprendizagem ou aproveitamento. Agora estas, que acabo de referir, são nucleares e de transcendente importância.»
terça-feira, agosto 24, 2004
O Lobo da Floresta Negra
«Como esta conversa por silêncios, gestos e piscar de olhos não tinha dado resultado, Heidegger propôs-nos uma caminhada a pé sobre a neve, até ao seu chalé de Todtnauberg.
Fazia quase noite (era Dezembro), quando chegámos, sem ter rompido a essência do silêncio dum campo de neve, e Heidegger parou num ponto deste campo. E disse em francês:”Vós ides ver a minha cabana.” Não se via nada. Nenhum chalé, nenhuma árvore; nada, salvo a neve e a noite. E eu dizia para mim vagamente que esta noite e esta neve eram os símbolos do que ele tinha tentado exprimir obscuramente na sua obra O Ser e o Tempo («Sein und Zeigt»).
Então, Heidegger pegou numa pá. E obstinadamente, lentamente, pazada por pazada, pancada por pancada, ele libertou uma chaminé que emergiu da neve, depois o telhado da casota, enfim a porta e a soleira. Conservando sempre a pá na mão, disse-me que o que acabava de fazer perante os meus olhos era o símbolo do seu trabalho em filosofia. »
- Jean Guitton, “Un siècle, une Vie”
Tenho que reconhecer que é uma das melhores e mais genuínas descrições da filosofia de Heidegger que alguma vez li. E se vós, caros leitores, me perguntardes “quem é esse gajo? Para que nos interessa isso?”, eu respondo-vos: “E vós, quem sois vós? E para que me interessa isso?!...”
quinta-feira, agosto 19, 2004
O Caos, as Ideias e os Sistemas
Convencemo-nos que são os sistemas políticos, os regimes, que são maléficos, desviantes, insidiosos. Que são eles que corrompem as mentes e os anjos humanos que delas se servem. Que são eles o demoníacos, os vampiros, os monstros abomináveis. Construímos com eles galerias de horrores, expositórios de crueldade e carnificina, sobretudo intra-específica. Cada qual mais horripilante que a anterior, cada qual mais sórdida e inexplicável. Inexpiável também. E, todavia, invariavelmente, concursivas, espécie de olimpíadas da canalhice. É o inferno na Terra ao despique. A cada episódio ou estação no percurso atribuímos títulos míticos e sugestivos: “comunismo”, “fascismo”, “absolutismo”, “despotismo”, “nazismo”, etc. Um panteão de infâmia, enfim, diante do qual nos vamos persignar e ladrar esconjuros.
Como se esse inventário e essa peregrinação bastassem para nos pôr a salvo dessas infecções, nos vacinassem e imunizassem contra toda a monstruosidade deste mundo. Logro infantil, em muitos casos; hipócrita, nos restantes.
Não é que os sistemas políticos e ideologias arregimentadoras - como, por regra, toda a produção humana-, não sejam uma bela e grandessíssima merda. São, e quanto a isso estamos conversados. Por via das dúvidas, até se indica um critério infalível de taxonomia: quanto mais celebradas forem, mais merdosas são e mais infectas, certamente, se tornarão. É fatal. É o toque de Merda ou da Multidão: não doura, como o de Midas; apenas merdifica.
Ora, a multidão, até o bom Jesus o reconheceu, alimenta-se de porcarias, de lixo e do que não presta. O seu omnivorismo bulímico é, quase exclusivamente, coprofágico. Caga e come; come e caga. Qualquer porcaria lhe serve, poque toda a porcaria é sua. Nesse sentido, é auto-suficiente, funciona em circuito-fechado. Segue, canina, o rasto da sua própria bosta. Maior que a sua produção, só o seu apetite. Mas tanto quanto as porcarias que ingere, com que se refastela alarvemente, fedem as porcarias que promove e arrasta. O cortejo de prostitutas, alcoviteiros e masturbadores activos que a parasitam, que a mimoseiam e lustram. A corte histriónica que a segue por toda a parte, sovando latas e pandeiros, bufando apitos e buzinas.
Pois bem, toda e qualquer tentativa de governo, de regime, é um esforço –entusiasta, a princípio; desesperado, a breve trecho; e condenado ao fracasso, por fim -, contra esta amálgama caótica e ruidosa. É, ainda e sempre, o proto-empreendimento cósmico de levar uma ordem ao caos, de impôr uma luz às trevas, um sentido ao absurdo.
Se esquecermos a proveniência, todos os sistemas políticos são excelentes, todos congregam as melhores das intenções e a nata dos virtuosismos teóricos. Enquanto maquetes, cadernos de encargos, projectos arquitectónicos, chegam a ser deslumbrantes. Anunciam destinos risonhos e Porvires que cantam. O pior vem a seguir. Quando chega a hora da execução. Quando se iniciam os cavoucos e se amontoam os andares; quando se apontam pilares e estendem as vigas. Há sempre um detalhe nada insignificante que fica esquecido; há sempre uma questão essencial que passa por irrelevante. Há mesmo teses sobre essa lacuna estrutural: Os mais pessimistas argumentam que tais edifícios não foram projectados para homens, mas sim para semideuses, super-heróis, anjos; ou que o selvagem de bom não tem nada, portanto, não é de contar com ele para qualquer coisa que exceda em muito o canibalismo primordial ou a selva matriz. Os menos pessimistas, por seu turno, queixam-se dos poderes instalados, da classe empoleirada no topo da pilha de bosta, a esbracejar, erudita, com ares de maestro.
A mim, quer-me parecer que a falha é outra. Nem o projecto é absolutamente sobrehumano, nem os maestros excrementofónicos servem de bastante desculpa. É verdade, não me restam grandes dúvidas que os sistemas, sejam eles quais forem, estão ao alcance de pessoas, tão humanas quanto eu ou a Madre Teresa de Calcutá. Os projectistas não deliravam tão forte e agudamente quanto se pensa. As casas talvez não sejam palácios de Sintra, mas também não são casebres assim tão vergonhosos. Não está em causa a sua habitabilidade. O buzílis, o ponto onde a porca torce o rabo, reside, outrossim, não num delírio, mas num esquecimento - desastroso, por sinal. De facto, todos esses arquitectos peregrinos, pais de soluções sublimes, assoberbados de boas intenções e miragens salvíficas, não esqueceram os homens, as pessoas, até os cidadãos. Quanto a isso é má fé acusá-los (pelo menos, aos principais). Não; esqueceram-se foi dos pulhas, dos sacanas, dos FDPês todos que andam à solta por este mundo, desde o princípio dos tempos. Não há sistema que lhes resista, não há regime que os arrume, nem ácido sulfúrico bastante que os dissolva. Matéria inorgânica pura, plástico amorfo e pegajoso, não reciclável, verlam de prevenção, guardiães do marasmo e da balbúrdia rastejabunda.
Seja em que tempo ou região fôr, são sempre os primeiros a aderir ao sistema, a hospedar-se nele para o instaurar como lhes convém. Ou seja, apenas para o minarem, subverterem e arruinarem por dentro. No fim, invariavelmente, o resultado é desolador. De sistema de governo duma determinada população, descamba em mero sistema de reprodução duma determinada classe. Pois, a dos pulhas, sacanas e filhos da puta. Os únicos mamíferos não-vivíparos que se conhece.
Por conseguinte meus amigos, sistemas de governação já temos que chegue. Agora, o que nos fazia mesmo falta era um sistema de saneamento básico. Um que funcionasse. Pela raíz.
Como se esse inventário e essa peregrinação bastassem para nos pôr a salvo dessas infecções, nos vacinassem e imunizassem contra toda a monstruosidade deste mundo. Logro infantil, em muitos casos; hipócrita, nos restantes.
Não é que os sistemas políticos e ideologias arregimentadoras - como, por regra, toda a produção humana-, não sejam uma bela e grandessíssima merda. São, e quanto a isso estamos conversados. Por via das dúvidas, até se indica um critério infalível de taxonomia: quanto mais celebradas forem, mais merdosas são e mais infectas, certamente, se tornarão. É fatal. É o toque de Merda ou da Multidão: não doura, como o de Midas; apenas merdifica.
Ora, a multidão, até o bom Jesus o reconheceu, alimenta-se de porcarias, de lixo e do que não presta. O seu omnivorismo bulímico é, quase exclusivamente, coprofágico. Caga e come; come e caga. Qualquer porcaria lhe serve, poque toda a porcaria é sua. Nesse sentido, é auto-suficiente, funciona em circuito-fechado. Segue, canina, o rasto da sua própria bosta. Maior que a sua produção, só o seu apetite. Mas tanto quanto as porcarias que ingere, com que se refastela alarvemente, fedem as porcarias que promove e arrasta. O cortejo de prostitutas, alcoviteiros e masturbadores activos que a parasitam, que a mimoseiam e lustram. A corte histriónica que a segue por toda a parte, sovando latas e pandeiros, bufando apitos e buzinas.
Pois bem, toda e qualquer tentativa de governo, de regime, é um esforço –entusiasta, a princípio; desesperado, a breve trecho; e condenado ao fracasso, por fim -, contra esta amálgama caótica e ruidosa. É, ainda e sempre, o proto-empreendimento cósmico de levar uma ordem ao caos, de impôr uma luz às trevas, um sentido ao absurdo.
Se esquecermos a proveniência, todos os sistemas políticos são excelentes, todos congregam as melhores das intenções e a nata dos virtuosismos teóricos. Enquanto maquetes, cadernos de encargos, projectos arquitectónicos, chegam a ser deslumbrantes. Anunciam destinos risonhos e Porvires que cantam. O pior vem a seguir. Quando chega a hora da execução. Quando se iniciam os cavoucos e se amontoam os andares; quando se apontam pilares e estendem as vigas. Há sempre um detalhe nada insignificante que fica esquecido; há sempre uma questão essencial que passa por irrelevante. Há mesmo teses sobre essa lacuna estrutural: Os mais pessimistas argumentam que tais edifícios não foram projectados para homens, mas sim para semideuses, super-heróis, anjos; ou que o selvagem de bom não tem nada, portanto, não é de contar com ele para qualquer coisa que exceda em muito o canibalismo primordial ou a selva matriz. Os menos pessimistas, por seu turno, queixam-se dos poderes instalados, da classe empoleirada no topo da pilha de bosta, a esbracejar, erudita, com ares de maestro.
A mim, quer-me parecer que a falha é outra. Nem o projecto é absolutamente sobrehumano, nem os maestros excrementofónicos servem de bastante desculpa. É verdade, não me restam grandes dúvidas que os sistemas, sejam eles quais forem, estão ao alcance de pessoas, tão humanas quanto eu ou a Madre Teresa de Calcutá. Os projectistas não deliravam tão forte e agudamente quanto se pensa. As casas talvez não sejam palácios de Sintra, mas também não são casebres assim tão vergonhosos. Não está em causa a sua habitabilidade. O buzílis, o ponto onde a porca torce o rabo, reside, outrossim, não num delírio, mas num esquecimento - desastroso, por sinal. De facto, todos esses arquitectos peregrinos, pais de soluções sublimes, assoberbados de boas intenções e miragens salvíficas, não esqueceram os homens, as pessoas, até os cidadãos. Quanto a isso é má fé acusá-los (pelo menos, aos principais). Não; esqueceram-se foi dos pulhas, dos sacanas, dos FDPês todos que andam à solta por este mundo, desde o princípio dos tempos. Não há sistema que lhes resista, não há regime que os arrume, nem ácido sulfúrico bastante que os dissolva. Matéria inorgânica pura, plástico amorfo e pegajoso, não reciclável, verlam de prevenção, guardiães do marasmo e da balbúrdia rastejabunda.
Seja em que tempo ou região fôr, são sempre os primeiros a aderir ao sistema, a hospedar-se nele para o instaurar como lhes convém. Ou seja, apenas para o minarem, subverterem e arruinarem por dentro. No fim, invariavelmente, o resultado é desolador. De sistema de governo duma determinada população, descamba em mero sistema de reprodução duma determinada classe. Pois, a dos pulhas, sacanas e filhos da puta. Os únicos mamíferos não-vivíparos que se conhece.
Por conseguinte meus amigos, sistemas de governação já temos que chegue. Agora, o que nos fazia mesmo falta era um sistema de saneamento básico. Um que funcionasse. Pela raíz.
terça-feira, agosto 17, 2004
O meu primo "Charley"
Daqui, da Ocidental ponta Europeia, o Dragão saúda o seu primo "Charley", em digressão pelos States.
Um Furacão de bom gosto!...
Está ao rubro a "Storming América Tour". O meu primo é melhor que os Rolling Stones.
Um Furacão de bom gosto!...
Está ao rubro a "Storming América Tour". O meu primo é melhor que os Rolling Stones.
O Aroma da Revolução
Não conheço aldrabice mais rançosa que a retórica das revoluções. Fala-nos de longos processos de resistência, de lutas e campanhas heróicas, de estoicismos e tenacidades sobrehumanas. A revolução é só o auge, o climax, o culminar dessa fermentação sublime; é só esse Big-bang final em que se reinicia e refunda o cosmos. Que grande balela! Que cegarrega para embalar meninos!...
Eu, um raio me parta, não acredito em revoluções.
Para não acreditar em revoluções não é preciso uma grande dose de cinismo, desilusão ou cagaço. Basta ter nariz e sentido de olfacto. Os olhos e os ouvidos enganam facilmente, mas o nariz não. Aquilo nunca cheira a perfume, a primavera regeneradora. Ou se cheira é só para mascarar o fedor nauseabundo a organismos em processo terminal de putrescência , a cadáveres em adiantadíssimo estado de decomposição. Quando um prédio desaba podemos concluir que lhe aconteceu uma revolução, porque não? É justo. É assim. É até uma boa analogia. Também acontece às pessoas, aos povos, se calhar até às civilizações. Envelhecem, arruinam-se, perdem o vigor, a vontade, por fim, a verticalidade, o movimento próprio, e deitam-se, a definhar, a mirrar, a apodrecer... e morrem. Curiosamente, à medida que morrem, tornam-se palco duma sobreactividade crescente, frenética, alucinante: uma infinidade de insectos e vermes banqueteia-se, tira a barriga de misérias, empaturra-se, com alarvidade impune. Nada se perde; depenam e petiscam até aos ossos. Regalam-se primeiro nos olhos e vísceras. Revezam-se e acotovelam-se (se cotovelos tivessem), dia e noite. E se o sol lhe dá, se a luz quente não lhes falta e incide de feição, pior um pouco. Chega a ser horripilante. Mas o pior é o cheiro. Capaz de nos pôr aos vómitos, aos arranques de cuspir bílis.
Temos o hábito de enterrar as pessoas, para não termos que assistir a todo este deplorável e macabro processo (e, sobretudo, para não termos que inalar tão inenarráveis odores). Diz-se até que é uma questão de saúde pública. A mesma repugnância, todavia, não nos atormenta, em se tratando, por exemplo, dum país ou civilização.
A única explicação que me ocorre tem a ver com a perspectiva: no primeiro caso é externa, exoscópica; no segundo é de dentro, endoscópica. A distância que vai do assistir ao protagonizar.
Esta teoria nem sequer é minha. Eu limito-me a concordar, em grande parte, com ela.
Nas revoluções, não são heróis que triunfam. Nem nunca foram. São apenas as formigas, as varejeiras e outros micro-necrófagos oportunistas. É por isso que as revoluções não se convocam, nem se planeiam: surgem, irrompem, eclodem. Como corolário não de fermentações regenerativas, redentoras, mas de putrefacções e caruncho, de esclerose e atrofia.
Quereis ver revoluções? Ide aos hipermercados, às grandes superfícies comerciais!...
Vereis lá estampado a última versão do “cogito” cartesiano: “compro, logo existo”. E a liberdade toda do mundo para terdes cada vez mais necessidades. Fora isso, há o cheiro, um fedor subjacente, rarefeito, que vos transportaria à náusea mais profunda, se a hipertrofia, deslumbrada e pacóvia, dos olhos não vos tivesse atrofiado irremediávelmente, e quiçá para todo o sempre, o olfacto e o nariz.
domingo, agosto 15, 2004
Re-Enter the Dragon
Para comemorar esta versão melhorada do apocalipse, com retumbante triunfo do Dragão sobre a Besta (o primeiro, sou eu; a segunda, claro está, é o meu computador), aqui deixo mais um textozinho afável e filantrópico, que assenta que nem uma luva na choldra de incontáveis patos-bravos deste país, com os quais, em rescaldo da refrega homérica destes últimos dias, começo já por implicar.
(E tu, ó Zazie, regala-te. É iconoclastia da pura.)
«Nunca desde os tempos bíblicos tinha caído sobre nós flagelo mais hipócrita, mais obsceno, mais degradante afinal do que a viscosa garra burguesa! Classe mais hipcritamente tirânica, cobiçosa, voraz, tartufa em bloco! Moralizante e aldrabona! Impassível e chorona! Fria diante da desgraça! Mais insaciável? Mais gulosa de privilégios? Não é possível! Mais mesquinha? Mais anemificante? Mais faminta das riquezas mais vazias? Enfim podridão perfeita!
Viva Pedro I! Viva Luís XIV! Viova Fouquet! Viva Genghis Khan! Viva Bonnot! A quadrilha! E todos os outros! Para Landru é que não há desculpas! Todos os burgueses têm o seu quê de Landru. É isso que é triste! Irremediável! 93, cá para mim, é tudo lacaios... lacaios textualmente, lacaios no paleio! Lacaios da pena que uma noite se apoderam do palácio, perdidos de cobiça, delirantes, invejosos, pilham, matam, instalam-se e contam o açúcar e os talheres, os lençóis...Contam tudo!...Continuam...Nunca mais conseguiram parar. A guilhotina é um ghiché...Vão contar açúcar até à morte! Torrão a torrão, fascinados! Pode-se-lhes limpar o sarampo a todos ali mesmo...Continuam lá na cozinha. Nada a perder! Não interessa raspas a sua jogatina de intelectuais, impressionistas, confusionistas de muitas tendências, uns a cambalear para a esquerda, outros para a direita, lá no fundo da puta da alma todos conservadores, doseadores de finas argúcias; todos empaturrados de segundas intenções. Basta mostrar-lhes o rebuçado! Vão para onde se queira; com o cheiro da reles prebenda, com a ideia do poleiro...»
- Céline, "Mea Culpa"
Pois é, o que todos temiam aconteceu: Estou de volta!...
(E tu, ó Zazie, regala-te. É iconoclastia da pura.)
«Nunca desde os tempos bíblicos tinha caído sobre nós flagelo mais hipócrita, mais obsceno, mais degradante afinal do que a viscosa garra burguesa! Classe mais hipcritamente tirânica, cobiçosa, voraz, tartufa em bloco! Moralizante e aldrabona! Impassível e chorona! Fria diante da desgraça! Mais insaciável? Mais gulosa de privilégios? Não é possível! Mais mesquinha? Mais anemificante? Mais faminta das riquezas mais vazias? Enfim podridão perfeita!
Viva Pedro I! Viva Luís XIV! Viova Fouquet! Viva Genghis Khan! Viva Bonnot! A quadrilha! E todos os outros! Para Landru é que não há desculpas! Todos os burgueses têm o seu quê de Landru. É isso que é triste! Irremediável! 93, cá para mim, é tudo lacaios... lacaios textualmente, lacaios no paleio! Lacaios da pena que uma noite se apoderam do palácio, perdidos de cobiça, delirantes, invejosos, pilham, matam, instalam-se e contam o açúcar e os talheres, os lençóis...Contam tudo!...Continuam...Nunca mais conseguiram parar. A guilhotina é um ghiché...Vão contar açúcar até à morte! Torrão a torrão, fascinados! Pode-se-lhes limpar o sarampo a todos ali mesmo...Continuam lá na cozinha. Nada a perder! Não interessa raspas a sua jogatina de intelectuais, impressionistas, confusionistas de muitas tendências, uns a cambalear para a esquerda, outros para a direita, lá no fundo da puta da alma todos conservadores, doseadores de finas argúcias; todos empaturrados de segundas intenções. Basta mostrar-lhes o rebuçado! Vão para onde se queira; com o cheiro da reles prebenda, com a ideia do poleiro...»
- Céline, "Mea Culpa"
Pois é, o que todos temiam aconteceu: Estou de volta!...
Desinfestação
Este blogue continua em desinfestação.
Neste momento, depois de lhe partir a tromba, arrombar as portas e desparasitar as entranhas, submeto o meu computador, esse porco, a uma terapia inquisitorial. Das antigas. Como me ensinou a minha santa mãezinha: ri melhor, quem ri por último.
Neste momento, depois de lhe partir a tromba, arrombar as portas e desparasitar as entranhas, submeto o meu computador, esse porco, a uma terapia inquisitorial. Das antigas. Como me ensinou a minha santa mãezinha: ri melhor, quem ri por último.
quinta-feira, agosto 12, 2004
Esclarecimento editorial
Estimados leitores, estou com problemas com o cabrão do meu computador, essa besta!...É por esse singelo motivo que não tenho postado ultimamente. Imaginem que o grande filho da puta não me deixa entrar no meu próprio blogue. Acrescente-se a este cenário apocalíptico o facto de eu ser uma besta (quase tão grande como o sobredito) em informática, e aí têm o resumo da jornada.
Se alguém me conseguir explicar porque é que as abéculas do blogger me pedem constantemente para eu fazer "log in" (depois de eu acabar de fazê-lo) -uma espécie de "log in" ad eternum-, agradeço. Realço que mudei de casa e de servidor (da "cabovisão" para o "clix"). Se calhar, o melhor mesmo é mudar também de computador!...Digo eu.
Se alguém me conseguir explicar porque é que as abéculas do blogger me pedem constantemente para eu fazer "log in" (depois de eu acabar de fazê-lo) -uma espécie de "log in" ad eternum-, agradeço. Realço que mudei de casa e de servidor (da "cabovisão" para o "clix"). Se calhar, o melhor mesmo é mudar também de computador!...Digo eu.