terça-feira, maio 02, 2023

Suicídio Assistido

 


«Man reportedly kills himself after artificial intelligence chatbot “encouraged” him to sacrifice himself to stop global warming»

Como se já não bastassem os chatos, agora também temos Chato-botes à descrição.

Mas quero aqui deixar bem expresso o seguinte: é preciso uma época ser muito estúpida para o artificial (ainda por cima chato-bote) se arvorar a inteligência. Isto é, a normalização da próprio oxímoro "inteligência artificial" constitui o maior atestado da imbecilidade metida a oráculo. É preciso que todos nos prostremos em modo rastejante e vermicular para que, subitamente, um anão marreco possa ser considerado - e. não tarda, idolatrado - como um gigante. Poderíamos  falar em lógica artificial, cálculo artificial, ou até, de modo genérico, em pensamento artificial (afinal, o pensamento engloba todas as faculdades e operações, desde as mais básicas às mais elaboradas). Agora inteligência, nem nas próximas cem encarnações!...

O que houve, de facto, e tudo isto atesta num estágio avançado, foi uma terraplenagem mental, massiva e massificada (pelos frita-miolos de serviço) dos "consumidores", "contribuintes", "eleitores" e otários em geral. Para um semi-lobotomizado ou auto-mutilado, qualquer imbecil parece um génio.

No fim do século XIX, um dos profetas visionários do nosso tempo, na literatura, foi um cavalheiro chamado Alfred Jarry. Devemos-lhe o termo "ubesco" (termo que se viria a tornar muito actual durante o século XX e ganha contornos ainda mais inquietantes neste alucinado século XXI). Esse adjectivo decorre do título da sua obra mais conhecida. "Ubu Roi". Há algo de McBeth grotesco e truão no Ubu de Jarry. A figurinha da actualidade que  melhor lhe assenta, até enquanto casal (afinal, o senhor Ubu é todo um tandem/parceria  com a senhora Ubu), é o anão Zellensky mais a anoa Zellenka. E ainda por cima toda a acção (na irrealidade quotidiana) decorre praticamente na mesma região da peça de teatro: a Polónia (onde podemos integrar, historica e etnicamente, a ucrânia ocidental).
Muito sugestivamente, a certa altura do texto, cintilava a "Canção da Desmiolação":

Fui marceneiro -e dos bons! -
Por muitos anos e bons.
A minha esposa exercia
de modista a profissão
e a vida sempre corria
sem qualquer aflição.
Se não chovia, aos domingos,
com os fatos mais janotas
Nós íamos passear,
e era um regalo, um consolo,
ir ver andar a engenhoca
para extracção do miolo.

(Refrão:)
Olha a máquina a girar
olha o miolo a saltar
olha os ricos a chorar

(Coro:) Hurrah! Cornotutu! Viva Mestre Ubu!

Nossos filhos lambusados
de bolos e rebuçados,
a brandir em sobressalto
bonecos de papelão,
trepavam connosco ao alto
do carro, e tudo seguia,
em ruidosa alegria,
para o local da função.
Lugar à cotovelada
nosso grupo disputava,
mas à cautela eu trepava,
sorrateiro como um gato,
a um monte de tijolos,
para não sujar o fato
com o sangue dos miolos.

(Refrão e coro...)

Mal começa a brincadeira,
a mulher e eu ficamos
salpicados, todos brancos
de pasta de mioleira
que os pimpolhos vão comendo,
e pulamos, todos, vendo
a agitação do parolo
De vinóculo na mão
A observar o miolo,
E pulamos, já sem tino,
Com as f'ridas atraentes
E o espectáculo do pino.
Mas que topo, de repente,
Mesmo ao pé da engenhoca?
Parece a fronha dum bode
que guardo na retentiva.
Meu velho -digo- ora viva!
Não esqueci o teu bigode.
Foste tu que me roubaste:
Não vou ter pena dum traste!

(Refrão e coro...)

De repente, a qu'rida esposa,
A puxar-me p'lo casaco,
Diz, raivosa: -ó gordo, vá,
Rápido, agora, entra já,
faz-lhe engolir, que ele gosta,
uma mancheia de bosta!
Aproveita, que o parolo
Está de costas para ti
A ver saltar o miolo!
Ao ouvir este conselho
genial, eu logo faço
muita força da fraqueza,
e atiro sobre o ricaço
um grande bolo de mérdia,
que acerta, mas no nariz
do parolo, ó infeliz!...
(Caprichos tem a matéria...)

(Refrão e coro...)

E logo p'la multidão
sou pisado e despejado
por cima da vedação.
Num desesperado mergulho,
pró porão escancarado
donde ninguém há voltado
p'ra mostrar o seu orgulho.
Acontece cada uma
quando se vai ao domingo
Acompanhado ou sozinho!
Vai-se arejar a pluma,
dar um ou outro tirinho
por interesse ou desenfado,
Sai-se escorreito, vivinho,
E volta-se defundado!

-Alfred Jarry, "Ubu-Roi" (Versão e adaptação de Alexandre O'Neill)

A estupidificação geral e festiva tem consequências.

PS: Mas, no fundo, Deus escreve direito por linhas tortas: se o Chato Bote persuadir estes wokes e anormais todos ao suicídio, já se ganhou qualquer coisa. Abençoadinho seja! Vamos curar a Estupidez cultural com a estupidez artificial.

5 comentários:

  1. Figueiredo12:25 da tarde

    É com enorme satisfação que encontrei outra pessoa - para além de mim - que conhece Alfred Jarry.

    Tenho um exemplar do «Supermacho», em Português do Brasil.

    É por estas e por outras que compensa visitar com regularidade o blogue Dragoscópio.

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  2. Existe uma tradução portuguesa do "Supermacho", pela Luiza Neto Jorge, nas edições Afrodite. Com ilustrações do Nuno Amorim. Fevereiro de 1975.
    Escusado será dizer que é a que eu tenho. :O)

    Existe também o Ubu completo, pela Campo de Letras. trad. de Luísa Costa Gomes.

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  3. Figueiredo4:58 da tarde

    Sim, na época comprei o exemplar mal o vi, e como o Português do Brasil é simplesmente Português, inventado por Portugueses, e a mais bela e doce variante da nossa Língua, nem pensei duas vezes.

    Veja isto:

    - Alfred Jarry | Superfreak (1987)

    https://www.youtube.com/watch?v=tIx6QawBVns

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  4. > a Polónia (onde podemos integrar, historica e etnicamente, a ucrânia ocidental)

    Se calhar os polacos também gostavam de fazer isso, a começar por ter Lvov de volta.

    A Rússia devia-lhes fazer uma proposta.

    Não pode ser sempre só a Polónia a desaparecer do mapa, com o território partilhado entre a Alemanha e a Rússia ...

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  5. A Ucrânia também entrou em modo de suicídio assistido:

    UCRÂNIA SOB A ARMA: LANÇAMENTO OFENSIVO OU OU OU OUTRO?

    Por Mark Wauck no Meaning In History em 02 de maio de 2015
    ·
    Há inúmeros relatos de que os militares ucranianos estão cada vez mais relutantes em lançar a sua ofensiva da Primavera muito magoada, usando o mixtum gatherum de equipamento de despenteado da NATO que foi enviado para a Ucrânia. Diz-se agora que o chefe militar da Ucrânia, o general Zaluzhny, está a tentar adiar a data de lançamento até ao final de Junho, altura em que alguns especulam que um novo atraso será instalado. A razão é simples: os militares profissionais da Ucrânia sabem que a ofensiva seria suicida. As perdas de mão-de-obra ucranianas continuam a ser extremamente pesadas - a Rússia afirma que a Ucrânia perdeu 15.000 homens em abril. As perdas de equipamentos estão a atingir níveis catastróficos também, já que os ataques russos têm visado fortemente áreas de montagem para munições e equipamentos.
    No entanto, por razões políticas, o American Deep State, liderado por Hillary gofers Sullivan e Blinken, está a enviar a mensagem de más notícias para a Ucrânia: Lance a ofensiva ou perca o nosso apoio.

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