Um repto, ó leitores: Tentem lá adivinhar o autor e a data (contento-me já nem digo com o ano, mas a década) do trecho que se segue...
«Desgraçadamente os povos latinos, principalmente de há trinta e tantos anos para cá, basearam os seus sistemas de educação em princípios muito erróneos e, não obstante as observações dos mais eminentes espíritos, persistem em seus lamentáveis erros. Numa das minhas obras tive também ocasião de provar que a nossa educação actual transforma em inimigos da sociedade a maior parte dos que a receberam e recruta numerosos discípulos para as piores fórmulas de socialismo.O que constitui o primeiro perigo desta educação - muito justamente qualificada de latina - é o basear-se num erro fundamental de psicologia, qual é o de aceitar-se que, aprendendo-se de cor os manuais, se desenvolve a inteligência. Por isso tem-se procurado apenas aprender de cor o mais que se possa; e da escola primária à licenciatura e ao doutoramento, o mancebo nada mais faz do que decorar livros sem que o seu raciocínio e a sua iniciativa tenham tido ocasião de se exercer. A instrução consiste para ele recitar e obedecer. "estudar livros, saber de cor uma gramática ou um compêndio, repetir bem, imitar bem, eis", escreveu Jules Simon, antigo ministro da Instrução Pública em França, "uma educação divertida em que todo o esforço é um acto de fé perante a infalibilidade do mestre, educação que termina por nos rebaixar e incapacitar». Se esta educação fosse somente inútil, poder-nos-iamos limitar a compadecer-nos das desgraçadas crianças, as quais, em vez de tantas coisas necessárias que deviam aprender nas escolas, se prefere ensinar a genealogia dos filhos de Clotário, as lutas da Neustíria e da Austrásia, ou classificações zoológicas; mas a verdade é que semelhante educação apresenta um perigo muito mais grave e muito mais para ponderar. Proporciona ao indivíduo que a recebeu um desgosto violento pelas condições em que nasceu e desperta-lhe o desejo intenso de se livrar delas. O operário não quer continuar operário, o camponês nem mais uma hora quer continuar camponês e o mais modesto burguês só deseja para os filhos um salário pago pelo Estado. Em vez de preparar homens para a vida, a escola apenas os prepara para empregos públicos, nos quais se possam obter bons resultados, sem que a pessoa careça de se dirigir por si ou manifestar qualquer parcela de iniciativa. Na parte inferior da escola, a educação de hoje cria os exércitos de proletários descontentes com a sua sorte e sempre prontos a revoltarem-se; na parte superior, sustenta a nossa frívola burguesia simultaneamente céptica e crédula, tendo supersticiosa confiança no Estado-providência do qual contudo incessantemente diz mal, atribuindo sempre ao governo os seus próprios erros e incapaz de empreender qualquer coisa sem intervenção da autoridade.O Estado que, à força de manuais, fabrica todos estes diplomados só pode utilizar um pequeno número deles, deixando todos os outros sem empregos. Tem de resignar-se a alimentar os primeiros e ter por inimigos os segundos. Do vértice para a base da pirâmide social, do simples carteiro ao professor e ao prefeito, a enorme legião dos diplomados assalta hoje todas as carreiras. E ao passo que um negociante só muito dificilmente encontra quem, como agente, queira ir representá-lo nas colónias, são aos milhares os pretendentes aos mais modestos lugares oficiais. Só o departamento do Sena conta vinte mil professores e professoras sem colocação, e todos eles, desprezando o campo e as oficinas, se dirigem ao Estado, solicitando-lhe um emprego de que possam viver. Como o número dos eleitos é restrito, o dos descontentes é forçosamente imenso. Estes estão prontos para todas as revoluções, quaisquer que sejam os chefes e os fins a que se proponham. A aquisição de conhecimentos, para os quais se não encontra aplicação, é o mais seguro meio de fazer do homem um revoltado.»
Cheira a 1880s, no rescaldo da Comuna de 1870, e com os sobressaltos de 1848 na origem "há trinta e tantos anos para cá".
ResponderEliminarMas escavando a 'pedia, o Jules Simon foi primeiro-ministro depois de 1976, tendo sido da instrução pública antes. E só é referido pelo cargo menor.
*1876
ResponderEliminarFriedrich Engels?
ResponderEliminarTambém tenho um pequeno repto.
ResponderEliminarNão deixe de participar, Dragão! A escolha não está fácil.
https://o-tradicionalista.blogspot.com/2022/10/qual-civilizacao-importa-salvar.html
Gustave Le Bon, Psychologie des foules
ResponderEliminarÉ o que estou a ler. Ehehehe!
Quer dizer, estava. Agora ando a rever páginas dos discursos d'El-Rei D. António I, "Salvador da Pátria"...
E também assinalei essa passagem. É gritante.
Repito o repto:
ResponderEliminarSolicitam-se voluntários para ajudar a rever e a passar a texto electrónico os Discursos de Oliveira Salazar, e o que mais se puder, com vista À divulgação livre e integral dos ditos.
É precisa gente para rever o texto que foi automaticamente levantado de digitalizações existentes na Net.
É trabalho que se pode fazer em intervalos curtos e páginas soltas.
Contactem-me aqui ultramaris@yahoo.com
Obrigado, Dragão.
por isso mesmo é que a escolaridade obrigatório nunca deveria passar do 9 ano. muita gente estraga a escola.
ResponderEliminarSe pensarmos que a maior parte dos diplomados universitários deviam estar agarrados a um enxada... O que seria, diga-se, uma forma de granjearem dignidade. E de serem úteis à sociedade. Tanto quanto felizes. :O))
ResponderEliminarPrimeiro prémio para o Muja. Prémio dedução sherlockiana para o Passante, que rondou lá perto...
ResponderEliminarO impressionante em Portugal é os elevados índices de iliteracia e ignorância nas pessoas que possuem o 12º ano, licenciatura, mestrado, ou doutoramento, para além do facto não possuírem perfil nem conhecimento para executar funções nas áreas em que se formaram.
ResponderEliminarAtribui-se graus ou títulos académicos - como quiserem chamar - a pessoas que jamais os obteriam se fossem realmente sujeitass a um plano de estudos rigoroso, exigente, e respectiva avaliação minuciosa.
Estamos a falar de muita gente com licenciatura, mestrado, ou doutoramento, que os obtiveram através do facilitismo que se instalou no Ensino Público ou pagando no Ensino Privado.
A maioria dessa gente se fosse submetida a provas/exames/avaliações como se faziam na 1ª República e no Estado Novo, chumbavam redondamente.
Isto para não falar das fraudes académicas em que parolos(as), que para além disso não valem nada nem têm perfil para o que quer seja, são recrutados num boeiro qualquer pelas sociedades secretas, partidos políticos, ou seitas religiosas, e tornam-se licenciados, mestres, ou doutores; alguns até viram empresários.