«Riche comme Crésus»
«A Lídia não oferece, como outros países, maravilhas dignas de figurarem na história, exceto as palhetas de ouro arrancadas do Tmolus. Vê-se, entretanto, ali, uma obra bem superior às que admiramos em outras partes (salvo, naturalmente, os monumentos do Egito e da Babilônia): o túmulo de Aliata, pai de Creso. A base é composta de grandes pedras, e o resto, de argamassa. Foi construído às expensas de negociantes, artesãos e cortesãs. Cinco placas, colocadas no alto do monumento, subsistiam ainda no meu tempo, assinalando, por inscrições, a contribuição de cada uma das três classes para a ereção do grande monumento. Segundo uma dessas inscrições, a contribuição das cortesãs foi a mais considerável, pois todas as jovens, na Lídia, se entregavam à prostituição. Com isso formavam o dote e continuavam no negócio até casarem-se, cabendo-lhes o direito de escolher o esposo. Ao lado do monumento existe um lago que nunca seca, segundo afirmam os Lídios. É o lago Gigéia, como o denominam.
As leis dos Lídios muito se assemelham às dos Gregos, exceto no tocante à prostituição das jovens. De todos os povos dos quais temos conhecimento, foram os Lídios os primeiros a cunhar moedas de ouro e de prata, e também dos primeiros a se dedicarem à profissão de revendedor. Atribuem-se-lhes a invenção de diversos jogos atualmente em uso, tanto entre os naturais do país como entre os Gregos, afirmando-se que, na ocasião em que tais jogos foram inventados, enviou-se uma expedição à região hoje ocupada pela Tirrênia, para a formação, ali, de uma colônia. Eis como se narra o fato: No reinado de Átis, filho de Manes, toda a Lídia se viu flagelada pela fome, suportada com paciência durante algum tempo. Vendo, porém, que a situação não melhorava, o povo começou a procurar um remédio para minorá-la, cada um imaginando-o à sua maneira. Nessa ocasião foram inventados os dados, o jogo da péla e todas as outras espécies de jogos, exceto o das damas, do qual os Lídios não se consideram os autores. Vejamos o uso que os habitantes fizeram de tais invenções para enganar a fome cada vez mais premente. Jogavam alternadamente durante um dia inteiro, a fim de distrair a vontade de comer, e no dia seguinte comiam e não jogavam. Assim continuaram pelo espaço de oito anos; mas o mal, em vez de atenuar-se, mais se agravava. O rei, então, dividiu os Lídios em dois grupos e mandou-os tirar a sorte; um deveria permanecer, e o outro retirar-se do país. Aquele a quem coube a sorte de ficar tinha por chefe o próprio rei, enquanto que seu filho Tirrênio se pôs à frente dos emigrantes.»
- Heródoto, "Histórias"
Pois parece que, os Lídios, tirando o das damas, inventaram "todos" o outros jogos, e até aquele que se viria a tornar o mais popular o obsessivo da História da Humanidade: o jogo do Dinheiro. Ou seja, segundo Heródoto, inventaram a moeda cunhada e o comércio profissional. Como ele não refere a autoria concreta da cunhagem, uma coisa podemos alvitrar, sem grande margem de erro: na época de Creso (dois séculos adiante), seguramente era Creso. Como pano de fundo importa ainda relevar o enorme tesouro de Creso. Como contribuintes principais, à epoca e respectiva cultura/costumes da cidade (porque as cidades não são todas iguais, muito menos as regiões e os povos), são referidos os negociantes, os artesãos e as putas (comércio, indústria e serviços). Seria pois por aí que circulava mais moeda e fonte de colecta. Como se processaria o "espírito" do saque, isto é, a que título sua senhoria reclamava o tributo?
Há um episódio muito sugestivo, que o mesmo Heródoto conta acerca do mesmo Creso:
“Senhor, — exclamou, dirigindo-se a Ciro — é-me permitido dizer o que penso, ou minha situação obriga-me a calar?”
Ciro disse-lhe que podia falar com franqueza.
“Pois bem, — volveu Creso — essa multidão, que faz ela com tanto ardor?”
“Saqueia tua capital e carrega-lhe as riquezas”.
“Não, senhor, não é, absolutamente, a minha cidade que eles saqueiam; não são as minhas riquezas que eles estão pilhando. Nada disso me pertence mais. Eles agora se apoderam do que é teu”.
Chocado com a observação, Ciro ordena aos presentes que se retirem e pergunta a Creso qual a medida que deveria tomar em semelhante contingência.
“Senhor, — responde-lhe Creso — como os deuses me tornaram teu escravo, julgo-me no dever de advertir-te sobre o que mais vantajoso me pareça, quando o percebo melhor do que tu. Os Persas, indisciplinados por índole, são pobres. Se permites que eles pilhem esta cidade e retenham os despojos, é provável que quem lograr o melhor quinhão se disponha à revolta. Se aprecias meus conselhos, ordena a alguns dos teus guardas que se coloquem à entrada da cidade e exijam de tuas tropas os despojos, sob o pretexto de que é preciso consagrar a décima parte a Zeus. Por esse meio não atrairás o ódio dos soldados, embora privando-os do produto da pilhagem; e quando eles souberem que não queres nada para ti, obedecerão de muito boa vontade.»
* E do artesanato mais ou menos industrial, materialmente, sem dúvida; alguém forja e cunha as moedas. E sem isso, nada feito.
Mas não é bem isso que Heródoto diz, aí mesmo nesse texto.
ResponderEliminarEle diz que foram os primeiros a cunhar moedas de ouro e prata. Não moedas tout court.
De resto, o tal Creso substituiu as moedas existentes, por um sistema bimetálico de moedas de ouro e moedas de prata. Mas já havia moedas lídias anteriores a ele, supostamente, cunhadas em electro (já artificial).
Tendo em conta a notoriedade de Creso parece-me natural que seja a esta inovação que se refere Heródoto.
Tem razão nesse detalhe. E que mais?
ResponderEliminarMas o problema mantém-se: Esse outro dinheiro anterior, em ligas menos nobres,, seria o filho das putas? Ou dos negociantes?... :O)
os cazares ficavam para os lados da Lìdia?
ResponderEliminarFicavam um bocado mais para nordeste... Os Lídios habitavam a Anatólia, actualmente ocupada pela Turquia. Ilegalmente, quanto a mim. :O)
ResponderEliminarAtenção que o dinheiro gasto em putas e vinho verde é um dinheiro gasto com utilidade.
ResponderEliminarE nesta afirmação penso que tenho o Engº Ildefonso do meu lado.
E chamo novamente a atenção para a "eficácia" do tal dinheiro digital que vai ser proposto em breve como exclusivo pelos mestres do dinheiro onde eles e o Estado ficarão a saber onde eu gasto ou deixo de gastar o meu dinheiro, a minha interação humana.
Será o grau zero da liberdade humana.
José Gomes Ferreira fala sobre o fim do dinheiro físico, alegando que existe um Plano de Congelamento Global de Bens. O vídeo tem 3 anos.
ResponderEliminarhttps://www.facebook.com/watch/?v=296658061417590
> o fim do dinheiro físico
ResponderEliminarSobretudo porque é mais difícil seguir-lhe o rasto. Daí a extinção das notas maiores e a obrigação de usar transferências acima de 3000 euros por cá.
Por acaso com a panóplia de tecnologia que há hoje em dia, entre câmaras e computadores também seria possível rastrear notas pelo número de série, desde a saída de uma caixa bancária, saltitando de recibo em recibo, até voltar a um banco.
Em vez do camarada Paço de Arcos escrever umas fictícias Memórias duma Nota de Banco, todas e cada uma das notas teriam biografia pormenorizada, ao dispor da polícia.
Bah, já lá estamos, menos as notas.