«Não há memória de um primeiro-ministro anular um despacho de um ministro», clama a notícia.
Se vamos falar de memória, então é melhor estarmos calados... por pudor. Não há memória de coisa nenhuma e, no que há, mais valia que não houvesse, de tal modo pervertida, distorcida e emporcalhada anda.
Mas também os actuais primeiro-ministros, não só aqui, como nos arredores continentais, constituem um marco inolvidável na degradação política, económica e moral. Portanto, onde mora o espanto?
Parece que o ministro, imbuído dalgum súbito entusiasmo, ou despertando inopinadamente do torpor característico da tribo, tomou uma decisão. Meu Deus, uma decisão!... Boa ou má, é irrelevante. Tal qual o ministro. Qualquer coisa como o novo aeroporto em Alcochete. Também é irrelevante. Em Alcochete, na Moita, no Montijo ou Sarilhos de Baixo, pouco interessa. Podia até ser na Baixa da Banheira. Ou em Alhos Vedros... No Fogueteiro, quiçá. A questão, o busílis não é esse. Não é por aí. O horror, o lesa-imobilidade é que tomou uma decisão e agiu... moveu-se; fez qualquer coisa, além de palrar e responder às perguntas dos jornalistas. Ora, isso, em democracia, nesta dita democracia, não se admite. Os representantes são eleitos para posarem de estado e retrucarem às questões dos media; e do parlamento à boleia dos anteriores... E outra vez dos plumitivos acerca das respostas às anteriores questões. E aos comentários entretanto suscitados pelos respostas iniciais e pelas questões subsequentes. E às reacções geradas, invariavelmente, pelas respostas às questões e aos comentários anexos. E às declarações às reacções. E às interpretações das declarações. E aos desmentidos às extrapolações das declarações. E às contestações às conclusões das comissões. E aos escândalos, entrementes, despoletados pelas nomeações prás comissões. E às manifestações contra as conclusões das comissões. E às remodelações nas nomeações para as comissões. E às investigações subitamente desencadeadas às relações. E à falta de pareceres e informações. E ... Estávamos mesmo a falar do quê?...
Ah, sim, a decisão. Inadmissível está bem de ver. Desplante puro. Nunca se tal tinha visto, diz bem a notícia e o respectivo órgão informativo. Lá de fora, onde se entrincheirou ambulante, o primeiro-ministro foi célere e peremptório: anulou ruidosamente o perigoso e audacioso surto. Desautorização acabada e nunca vista? Mas uma assombração nunca vem só: eis que o ministro, caso dispusesse de coluna, no mínimo bateria com a porta no instante seguinte; mas não, pelo contrário, assume o pecado e fica, roja-se em perdão. Afinal, não se tratara dum acto consciente, ponderado, decidido... Não, tudo não passou dum acesso involuntário, inadvertido, mero exercício de sonambulismo.
PS: Tudo regressou, por conseguinte, ao normal. Com os jornalistas, lautamente, poisados ou a zumbir à volta do governo da república.
PS2: O novo aeroporto, esse, por rescisão unânime, e à velocidade actual, não será, quase seguramente, em Alcochete. Nem no Montijo. Nem em Rio Frio. Se depender do primeiro-ministro, será para aí em...Kiev.
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