quarta-feira, outubro 26, 2016

Déjà vu...Doo (r)

Mas entretanto, quase cinquenta anos antes....

«Oh, Thérèse, é isso um crime? Pode dar-se este nome ao que serve a Natureza? Tem o homem poder para cometer crimes? E quando, preferindo a sua felicidade à dos outros, destrói tudo o que encontra à sua passagem, acaso fez outra coisa senão servir a Natureza, cujas primeiras e mais seguras inspirações o aconselham a ser feliz, não importa à custa de quem? O sistema do amor pelo próximo é uma quimera que devemos ao cristianismo e não à Natureza (...) Mas o filósofo não admite essas relações gigantescas: não considerando nada no Universo para além de si mesmo, não vendo mais nada, relaciona tudo com a sua pessoa. Se trata bem ou acaricia por instantes os demais, fá-lo sempre em função do proveito que julga poder extrair disso; quando já não necessita deles, domina pela sua força, renuncia então e para sempre a todos esses formosos sistemas de humanidade e de beneficiência aos quais só se submete por política. Não teme dominar tudo, fazer seu tudo o que o rodeia, e sem se preocupar com o que possam custar aos demais os seus prazeres satisfá-los sem reflexão e sem remorso.
- Mas esse homem de que fala é um monstro!
- O homem de que falo é o homem da Natureza!
(...)
Lobos que devoram cordeiros, cordeiros devorados por lobos, o forte que sacrifica o fraco, o fraco vítima do forte, eis aqui a Natureza e estes são os seus desígnios e os seus planos; uma acção e uma reacção perpétuas, uma infinidade de vícios e de virtudes, um perfeito equilíbrio, numa palavra, que resulta da igualdade do bem e do mal sobre a Terra, equilíbrio essencial para a manutenção dos astros e da vegetação e sem o qual tudo seria destruído num instante.»*




Se é certo que Darwin recolheu alguns subsídios de Lamarck, não é menos evidente que quase meio século antes dele, outro francês pensou um mundo exclusivamente material, império puro duma "lei da Natureza", habitat dum homem ferozmente egoísta, enxuto de quaisquer deuses, tabus, sagrados ou superstições metafísicas, mera máquina corporal e desejante. Pensou e expô-lo com minúcia, nos seus retorcidos meandros e consequências, ao longo de páginas onde a magistralidade do estilo só é equiparável, não raras vezes, ao sinistro e arrepiante do conteúdo. E tanto mais arrepiante quanto mais profético, sabemo-lo hoje, testemunhas inquietas ou ufanas que somos duma "moral" cada vez mais próxima dos seus romances. Estou a falar de Donatien Alphonse François, Marquês de Sade.
Por uma daquelas estranhas e misteriosas coincidências em que o mundo é pródigo, a vertiginosa descrição sadeana antecipa que nem uma luva o enredo Darwinista. Sobretudo nas suas derivações e sublimados lógicos. A única diferença é que, ao pé de Sade, Darwin faz figura daquilo que é: um labroste inglês. A quem, por uma clara ironia do destino, os mais insignes franceses do seu tempo desprezaram justamente. Lá bem no fundo, intuíam que tudo aquilo pouco mais era que pobre, involuntário e remendado plágio.

* -Sade, "Justine, ou os Infortúnios da Virtude"


PS: Pareceu-me muito apropriado repor este postal de Abril de 2008, aqui no batel. Afinal, passados oito anos, tudo o que nele vem vertido está ainda mais actual e vicejante.  Serve também para cobrir a minha falta de tempo para novas labaredas. Acontece que não sou funchionário público pelo que não disponho das ociosidades a expensas do contribuinte que toda a espécie de despejos (sobretudo contra o Estado excessivo  - mas claro que excedentários são sempre os outros, especialmente os da seita rival, num Sartrismo de alguidar que só visto...)  subsidiam e permitem.Também, importa dizer, tive o cuidado de mandar apagar os comentários. É que havia neles pessoas entretanto convertidas à lógica S&M (vulgo "pseudo-religião capitalista" - que pouco ou nada tem a ver com o capitalismo enquanto fenómeno estritamente mercantil). Um dia, se estiver para aí virado, explico. Aliás, é garantido que explicarei. Com juros e tudo.

11 comentários:

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  9. Ui! Isto é que foi uma razia, Dragão. Good for you:)

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  10. Não foi ele (o Dragão), fui eu. Até porque ele perdeu (perdeu ou gamaram-lhas, sabe-se lá) as chaves da máquina da arrecadação onde estaciona a máquina de tosquiar labregos.

    Mas estes comentários eram os originais, de 2008 (o postal viajou apenas na máquina do tempo). E parece que lá haviam uns quantos que iriam causar uma certa comichão aos autores, que entretanto viraram a casaca e deram em coninhas (neo-coninhas), para ser mais exacto). Assim, porque não queremos fazer ninguém infeliz, foi pente zero geral.

    :O))

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  11. Ó Sr. Engº Ildefonso Caguinchas, por quem sois, um Dragão nunca perde umas chaves, muito menos as terá em sítio onde possam "gamá-las". Talvez tenha caprichos. Os dragões são assim. às vezes deixam que os outros pensem que têm o controlo só porque cuidam deles, mas não se iludam. Um dragão nunca dorme. Não conheço o rol demencial desta caixa de comentários, mas posso imaginar (sou suspeita), mas, já agora numa "caixa" à parte talvez no-los desse a conhecer. O que tem a perder?

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