domingo, setembro 06, 2015

O Efeito de Tocqueville

«Mencionei um dia ao Xá o nome daqueles que, nos Estados Unidos,, estavam encarregados de tratar da sua saída e da sua substituição.
Estive até presente numa reunião em que um dos assuntos aprecisados foi: "Como é que vamos actuar para obrigar o Xá a partir e por quem o vamos substituir?"
O Xá não me quis acreditar. Disse-me:"Acredito em tudo o que me diz, menos nesse ponto. ~Mas Alteza, porque é que não me acredita também quanto a esse ponto? - Porque seria tão estúpido substituir-me! Eu sou o melhor defendor do Ocidente nesta região do mundo. Possuo o melhor exército. Sou eu quem detém o maior Poder." Acrescentou: "Seria tão absurdo que não posso acreditar!" Após algum silêncio em que reflecti sobre o que lhe ia responder, disse-lhe: "E se os americanos estão enganados?"
Foi o que se passou. Os americanos tomaram a sua decidão. Como sempre, tinham uma visão do país correspondente à dos iranianos com quem conviviam: os que saíam de Harvard, de Stanford ou da Sorbonne e que representavam menos de um por cento da população. (...)
A percepção ocidental do regime do Xá passava com demasiada frequência pelo espelho deformado da S.A.V.A.K, que, para muitos, era uma espécie de super-Gestapo mais a KGB, multiplicado por dez! - o que era falso. A prova foi a sua incapacidade de prever os acontecimentos e, depois, de os enfrentar.»
-  A. Marenches, in "No Segredo dos Deuses"

Existe um visível paralelismo entre a queda do regime do Xá da Pérsia e a do Estado Novo. O mesmo enquadramento que Marenches refere a propósito da Pérsia podia ser dito a respeito de Portugal. A começar pelo "redutio ad oppressio" . O Xá é reduzido à SAVAK, o Estado Novo é reduzido à PIDE/DGS. Depois realça o facto de não serem, ambos, regimes anti-ocidentais, comunistas, ou similares. Bem pelo contrário, são regimes pró-ocidentais, anti-comunistas, claramente aliados da Europa e dos americanos. Todavia, são regimes que não praticam o "credo democrático".   E esse devém o pretexto da ordem para accionar a "primavera". O resultado desta na Pérsia, como em Portugal, como em todos os outros locais onde tem desarvorado, é o caos. E logo a seguir a ascensão ao Poder de forças fundamentalistas, sejam da religião muçulmana ou comunista. Ainda recentemente, no Egipto, outro aliado americano, o presidente Mubarak, foi tratado segundo os mesmos preceitos. A subsequente elevação da Irmandade Islâmica ao Poder reproduz fielmente tanto o caso Persa quanto o Português. 
Ora, é patente que estamos perante uma linha de fenómenos equivalentes. A diferença entre eles não reside nem na metodologia nem na ordem da causa/efeito mas, simplesmente, na panóplia de meios empregues (que vai aumentando consoante o tempo e as evoluções tecnológicas). Na Lisboa de 74, como na Teerão de 79 a internet ainda não actuava. A CIA ainda não estava tão consideravelmente reforçada por NEDs , OSFs e propagadores da peste quejandos. Mas é significativo que, numa primeira fase, quer Lisboa, quer Teerão são induzidos e pressionados a "aberturas". Ao mesmo tempo, os "pressionadores democratas"  investem dólares às camionetes em liberais, dissidentes e, sobretudo, na minagem do exército). Depois, o curso lógico e a dinâmica dos acontecimentos, isto é, da epidemia, sobrepõe-se.
Paul Veyne explica o bizarro fenómeno  nos seguintes termos:
«A elastecidade natural, ou vontade de poder, explica um paradoxo conhecido pelo nome de efeito de Tocqueville: as revoluções rebentam quando um regime opressor começa a liberalizar-se. De facto, as sublevações não são semelhantes a uma marmita que, à força de ferver, faz saltar a tampa; é, pelo contrário, um ligeiro levantamento da tampa, devido a qualquer causa estranha, que faz a marmita entrar em ebulição, o que acaba por derrubar a tampa.»(in "Acreditavam os Gregos nos seus Mitos")
Inúmeras e recorrentes réplicas depois, qual é ainda a dificuldade em perceber a "primavera Portuguesa" de Abril de 1974?

Não fez Marcello como o Xá da Pérsia - não tentaram ambos liberalizar e suavizar o regime (não porque isso obedecesse a uma qualquer premência natural interna, mas por cedência a causas estranhas, como seja a insídia velhaca e premeditada de supostos aliados, tanto por indução/ameaça directa, como por manobra indirecta, sob a máscara da "Comunidade Internacional"?... O que mais não ocasionou senão o descontrolo do surto interno na tentativa ingénua (e suicida) de aplacar o externo.

O "efeito de Tocqueville" tem sido uma constante nas actuais revoluções/sublevações confeccionadas pelas bestas do costume. O movimento é duplo: por um lado aumenta-se a temperatura dentro da marmita; por outro, engoda-se a tampa para que se se levante ligeiramente. A partir do momento que o regime cede à "liberalização" já sabemos qual vai ser o resultado final. Mesmo na Paris de 1789, ou na Moscovo de 1917, foi assim. O que acontece agora é que o efeito é, externa e artificialmente, provocado e empolado. Como, em parte, nessas outras datas também o foi.  

4 comentários:

  1. Euro2cent9:24 da tarde

    As portas do templo de Janus raramente fecham.

    A pacífica república encontra sempre, inexplicavelmente, irracionalmente, implacáveis inimigos. Dizem.

    Até parece que alguém tem algo a lucrar com isso.

    Não devemos ter estes pensamentos. Os donos não gostam.




    ResponderEliminar
  2. Euro2cent9:38 da tarde

    Um outro republicano, mais pobre e admitidamente mais bruto e mal jeitoso na produção de consentimento, alegou que "o Partido reforça-se depurando-se".

    Se tivesse um MBA, podia fazer uma tese correlacionando no tempo inimigos da república contra território e PIB da dita.

    Mas desviemos o olhar destes factos comezinhos, e rejubilemos no maravilhoso manto de liberdade com que a Santa da república generosamente nos cobre, e do qual nos canta os louvores apenas a toda a hora. Aleluia.

    ResponderEliminar
  3. Um indício de que as questões levantadas pelo Draco vão ao cerne da questão tem apenas duas palavras: Arábia Saudita.
    Alguém quer comparar o Irão durante o regime do Xá com o que se passa no regime saudita? E no entanto, nestes ninguém toca. Nem com uma flor...

    Miguel D

    ResponderEliminar
  4. Tanto quanto me recordo o Xá Pahlavi foi amigo de Portugal e esteve do nosso lado na questão das colónias e de Goa.

    Há uns anos morreu mais um Pahlavi. Vão morrendo em mortes duvidosas, diz-se que esta família é como os Kennedy, têm maldição...

    ResponderEliminar

Tire senha e aguarde. Os comentários estarão abertos em horário aleatório.