Eu depois explico melhor, - isto é, mais tecnicamente e à bordoada. Mas, para já, fica a apresentação por um inglês insuspeito de qualquer heresia anti-democrática. Um daqueles que tão bem decoram o hall de entrada da "sociedade aberta".
«O pai era puritano e lutou no Parlamento. No tempo de Cromwell, quando Locke estava em Oxford, a Universidade era ainda escolástica em filosofia. (...)Chamo a atenção que o Russell se encontra nos antípodas das minhas simpatias filosóficas. Mas para falar da seita, nada melhor que um membro efectivo. E neste caso o cavalheiro limita-se a descrever o óbvio ululante. Além disso, estas coisas quando proferidas por um anglocoiso ganham logo um valor acrescentado, toda uma mais valia... Mas é verdade, nasceram da mesma punheta: os comunas da treta e os democratas do cuspo. E o litígio é mera rixa entre irmãos... Por causa da herança.
Foi o mais feliz dos filósofos. Completou a obra de filosofia teórica justamente quando o governo do seu país caía na mão de homens que partilhavam das suas opiniões políticas. Na prática e em teoria, as ideias que advogava foram por muitos anos defendidas pelos políticos e filósofos mais vigorosos e influentes. As suas doutrinas políticas, com os desenvolvimentos de Montesquieu, foram insertas na Constituição americana, e podem reconhecer-se sempre que há uma disputa entre o presidente e o Congresso. A Constituição britânica baseava-se nas suas doutrinas até há cerca de cinquenta anos, assim como a francesa de 1871.
Deveu-se a Voltaire a sua imensa influência em França no século XVIII. Voltaire, que em novo passara algum tempo na Inglaterra, interpretou as ideias inglesas aos seus compatriotas nas Lettres Philosophiques. (...)
Os herdeiros de Locke são: primeiro, Berkeley e Hume; segundo, os philosophes franceses que não pertencem à escola de Rousseau; terceiro, Bentham e os radicais filosóficos; quarto, com acrescentos importantes da filosofia continental, Marx e seus discípulos. (...)
«No tempo de Locke os seus maiores contraditores filosóficos eram os cartesianos e Leibnitz. Ilogicamente, a vitória da filosofia de Locke em França e Inglaterra deveu-se em grande parte ao prestígio de Newton. A autoridade de Descartes como filósofo foi acrescida mesmo no seu tempo pela sua obra matemática e de filosofia natural. Mas a sua teoria dos vórtices era claramente inferior à lei da gravitação de Newton como explicação do sistema solar. A vitória da cosmogonia newtoniana enfraqueceu o respeito por Descartes e aumentou o respeito pela Inglaterra. Ambas as causas favoreciam Locke. Na França setecentista, onde os intelectuais estavam revoltados contra o despotismo estéril, corrupto e antiquado, a Inglaterra era considerada pátria da liberdade, predispondo-os em favor da filosofia de Locke pela sua doutrina política. Nos últimos tempos antes da Revolução a influência de Locke foi reforçada pela de Hume, que viveu algum tempo em França e conheceu pessoalmente muitos dos savants orientadores.
A Necessidade do Ateísmo, de Shelley, que o fez ser expulso de Oxford, está cheia da influência de Locke.»
- Bertrand Russell, in "História da Filosofia Ocidental"
A frase "A nation of shopkeepers" é mais certeira do que os nossos donos gostam que se pense.
ResponderEliminarDevemos o romantismo, e muito mais, aos fabricantes de sabão. Limparam-nos o sebo, literalmente.