«Um tempo houve no qual Creonte era digno de inveja, preservara o país dos seus inimigos, tornara-se o seu recto monarca e governava, criando prosperidade para a sua nobre descendência. Agora não existe nada, tudo está perdido.
Quando, por sua culpa, o homem trai a sua própria alegria, já não me parece um ser vivo mas antes um cadáver ambulante. Amealha, se quiseres, grandes riquezas em casa; encerra-te no fausto da tirania: se a isso não juntares a felicidade íntima, não compraria eu todo o resto a troco da sombra dum fumo».
- Sófocles, "Antígona"
Uma antítese constante do pensamento grego é a monarquia versus tirania. Como diria mais tarde um filósofo: "poucos são dignos de inveja, a maioria é digna de pena". Para o grego clássico, no auge da sua civilização, o recto monarca é digno de inveja; o desmedido tirano é digno de lástima. Por uma razão muito simples: porque ao transgredir as regras eternas do equilíbrio cósmico está, inexoravelmente, a convocar sobre si o desastre. A hubris gera necessariamente a athe. Ou seja, a desmesura atrai a ruína, a peste, o desastre, a desgraça, enfim, a retaliação cósmica. Esta noção, para os gregos, não era mera poesia ou estrita religião: era farol ético, resultado de aturada observação empírica. Era, por isso mesmo, cultura. E era, dito com plena propriedade, sabedoria. Em relação a eles, nós só diferimos porque temos mais de dois milénios de comprovação real acrescida daquela regra cósmica. Em tese, deveríamos estar mais sensatos, mais prudentes; mas, na realidade, comportamo-nos como cegos guiados por loucos - como descobridores da pólvora a cada instante, como umbigos recriadores de todo o Universo em cada passagem de moda. Temos olhos cegos de tanta prótese, de tanto óculo, binóculo, telescópio e microscópio. De tanto distorcermos o mundo, de tanto espreitarmos atrás das coisas fomos perdendo a visão para aquilo que temos à frente. Entretidos com pinchavelhos e pentelhices, tornámo-nos míopes e vesgos à plenitude. De tanto embascacarmos diante de tanto novo adereço, já perdemos de vista o sagaz velho que, sob tanta máscara, plástica e maquilhagem, lá no fundo, somos. Por desuso, os olhos de águia devieram olhos de corvo; o legado de Prometeu atrofiou-se a uma tripa palradora e suinocéfala. Da Grécia trágica viemos dar a esta anti-grécia grotesca e sórdida. Esta civilização de aviário e pechisbeque. Este egódromo da algazarra e do chinfrim. Este viveiro de tiranias e tiranetes. Desde a tirania do bandulho à tirania dos bandalhos e das turbas.
Mas não nos podemos queixar que não nos avisaram, lá, desde as raízes. A tirania, que pode ser exercida por um em nome de muitos ou por muitos em nome de um, é sempre uma excreção da mesma glândula: a oclocracia. Seja na forma de despotismo (mais ou menos desenfreado), seja na aparente democracia (menos ou mais envaselinada), é sempre a mesma derivação da massa desordenada e confusa, a mesma desorientação colectiva - a balbúrdia sistematizada. E, tão certo como o nascer o o pôr do sol, será sempre, por decreto eterno, a desagregação desmedida que precederá a catástrofe.
A melhor lição é, pois, a mais antiga: resguardemo-nos da turba, dos seu jóqueis e, sobretudo, das suas infatigáveis aleivosias.
A maior parte das tiradas contra "a tirania" são para atingir a monarquia.
ResponderEliminarAos oligarcas não interessa a justiça, apenas a forma. Querem assegurar-se do exclusivo de serem a forma aprovada de exercer poder.
É curioso, a oligarquia mais famosa da história da Grécia clássica ficou conhecida como a "Tirania dos 30".
ResponderEliminarDepois, dado que o caro euro2cento me pespega com isso nas trombas, deve considerar, presumo, que eu faço parte duma conspiração oligárquica para maltratar a turba. Lamento desiludi-lo, mas a turba, para ser maltratada não requer qualquer tipo de conspiração: basta ser deixada à vontadinha, aos zurros e pinotes. Desses despropósitos, como a história está cansada de apresentar, a oligarquia decorre automaticamente. Os piores de entre eles arvoram-se em caciques e assumem a ordenha do conjunto. É como as formigas a acorreram a cadáveres ou as varejeiras a coroarem excrementos.
Mas estar eu a dizer isto a alguém que tem um visão hagiomorfa e pasteurizada do "Povo", como se os riquinhos, ricões, (em exercício, trampolim e lista de espera) os oligajos e e toda a vasta pirâmide de filhos-da-puta, do gigante ao anão, do activo à potência não fizessem parte do povo...
Já agora eu também poderia retribuir-lhe a amabilidade: as tiradas (e as dores espalhafatosas) em nome do povo servem para camuflar as piores tiranias. Basta lembrar os jacobinos. Gostou?
traduzo : quando alguns se poem a discursar contra tiranias teem um rei qualquer , ou todos , na mira . associam monarquia a tirania , para tirarmos de ai o sentido.
ResponderEliminare eh optimo o castigo reservado aos q conseguiram "legitimidade "para governar atraves de voto pela graça da sagrada democracia ser apenas nas urnas e nao com urnas :)
ruido na comunicaçao..
EHEH
ResponderEliminarSimples, claro e bem traduzido.
> Basta lembrar os jacobinos.
ResponderEliminarOs que mataram o rei para instaurar uma república com liberdade, igualdade, fraternidade?
"Sic semper tyrannis", etc.?
Não sei qual é a excitação: os republicanos andam há séculos a semear o chão com sal, mentiras e vénias à santa liberdade, para garantir que qualquer forma não republicana de estado é imediatamente tomada intrinsecamente como uma tirania.
Subtilezas como as versões justas e injustas de cada forma de governo, de que falaram Aristoteles e Polibio, podem ficar à porta. Era só a isso que me referia. Como falou em oclocracia, pensei que entenderia.
(Eu, para espelhar a atitude, considero qualquer forma de república uma oligarquia. "Turnabout is fair play", como dizem os gauleses, "n'est-ce pas"?)
> traduzo :
ResponderEliminarConciso e correcto. Obrigado.
«Os que mataram o rei para instaurar uma república com liberdade, igualdade, fraternidade?»
ResponderEliminarSim, cortaram a cabeça ao rei para, em nome de - e para colocar em seu putativo lugar - o "povo" sem cabeça. Ou com eles à cabeça, vai dar ao mesmo.
Quanto à tradução, que, como sempre, agradeço à estimada marina, era desnecessária. Todos concordamos nisso. Não serão apenas alguns, mas muitos. Só que não me parece que eu seja um deles. E como quem não se sente não é filho de boa gente, convém, às vezes sob risco de melindre, cortar certas equivocidades bem rentes. Ou, como diz o vulgo, poisar bem os pontos nos is.
E há aqui uma questão de base que não é subtil: é que a tirania em exercício - que é a tirania não sei de quantos (chame-se-lhe república, democracia, ou liberdadália - porque é um malefício difuso, profuso e confuso) passa a vida a erguer barricadas contra as horríveis tiranias que nos ameaçam do passado e do futuro. Mas esta mistificação, este chutzpah (como diriam os tais), não nos deve inibir de definir e apurar bem o que é a tirania e denunciá-la na realidade, com todas as forças. Caso contrário, estamos nós a ceder à propaganda e a aceitar que os verdadeiros tiranos nos inibam de lhes revelarmos a dinâmica essencial.
Tudo aquilo que se exime às fundações de um povo (comunidade de língua, território, cultura, religião e afectos) e não se norteia pela virtude e o bem comum (ou interesse geral, se preferirem), degenera numa tirania (seja esta exercida na forma técnica de república, oligarquia, democracia ou democracia popular), porque o que se impõe despoticamente é o mal do Todo em nome do benefício de algumas partes, geralmente estrangeiras ou ao serviço destas. Já a "tirania dos 30" decorria em Atenas ao serviço de Esparta...
Porém, o mal não está só nos outros. A própria monarquia, em cedendo ao absolutismo (ou seja, ao desligamento - é isso que significa "absolto) pode degenerar em tirania. Se um homem diz que o Estado é ele, então o próprio Estado um dia dirá "O estado sou eu e não preciso deste homem para nada". 1789 traduziu-o tragicamente.
«Eu, para espelhar a atitude, considero qualquer forma de república uma oligarquia.»
Eu também, embora a fórmula de expressão fosse mais "qualquer república degenera numa "democracia". Infelizmente, também a monarquia, em sendo desvirtuada, também "degenera numa oligarquia (partidária, por exemplo). E pode comparar a monarquia portuguesa pós 1820, por exemplo, com o consulado republicano do Dr. Oliveira Salazar e verificar qual era mais "monárquico", no sentido de supra-oligárquico e da defesa do bem comum.
Portanto, isto não vai lá com puritanismos.
Um Rei, nem fraco nem tirano. Eis a fórmula.
ResponderEliminarTirania é tomar o poder pela força militar. Qualquer melro q negoceie bem com militares é um ditador. Normalmente os ditadores são velhacos, egoístas, mal formados e perfeitos imbecis.
ResponderEliminarMonarquia é tomar o poder pela própria força intrínseca do Rei. Pela capacidade, sagacidade, inteligência, coragem q se salienta dos demais, portanto.
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O primeiro submete o próprio povo. O segundo é aclamado pelo povo. O primeiro está a cagar-se para o povo. O segundo cuida dele.
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As excepções são mesmo isso: excepções.
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No nosso caso, Salazar foi uma excepção. Se bem q o tempo transforma as pessoas e a certa altura julgam-se donos de quem governam.
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Rb
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