Quando, às tantas, tenho que repetir coisas antigas não já de anos mas de meses, alguma coisa vai esquisita na cabeça das pessoas. Dir-se-ia que, na ruminação - chiclética e obessiva - da palha do presente, perderam tanto a capacidade de memória quanto a de projecção. Mas, em todo o caso, e correndo o risco de estar a fornecer água a crivos, aqui fica:
O Homem é escravo em múltiplas dimensões e de múltiplas maneiras; e senhor apenas numa só. Serve ao estômago, serve ao sexo, serve à embalagem de tudo isto e serve, quotidiana e fatalmente, de porteiro na discoteca das sensações ou de guarda-nocturno no beco dos instintos, ali prós lados das escadinhas da vontade, onde moram, entre outros, o Aleive, a Gana e o Capricho; e é, na medida em que se consiga elevar acima destas servidões, senhor do seu pensamento.
O dinheiro não tem nem reconhece senhores: apenas servos, escravos e vítimas.
Duas ilacções logo à partida: a liberdade não pertence à dimensão material do Homem, nem se compra a peso de ouro. Quem pensa que pode adquirir a liberdade por via da finança, não pensa e apenas adquire uma servidão ainda mais profunda, impiedosa e atroz. Não se é mais livre porque se é mais rico; nem se é mais escravo porque se é mais pobre. Quando muito é-se, respectivamente, mais servo ou mais vítima. Do pseudo-pastor neste curral da Necessidade. E o aplicável a pessoas é naturalmente extensível a sociedades e países.
A liberdade também não é objecto do pensamento: é condição para a existência do mesmo. O homem pensa na medida em que se liberta. O pensamento é a liberdade ou, de todo, não é. Fica algures entre o Nada, o Absurdo e a Sumptuosa Ninharia.
Há um valor vulgar e utilitário nas palavras, mas há também uma substância nobre. Dizer o para o que uma coisa serve é distinto do dizer o que uma coisa é. Uma distinção do tamanho duma imensidade. Porém, no nosso tempo, o valor utilitário das coisas não apenas eclipsa a substância das coisas: substitui-a. Usurpa-a. Ora, se as coisas se atrofiam e nanificam numa mera servidão, reduzidas e miniaturizadas a meros utensílios, e entre elas a coisa-homem, então o reflectir, calcular ou elaborar sobre isso não é exactamente da ordem do pensamento, nem, intrinsecamente, da liberdade.Rumina-se bastante, mas pensa-se nada. Vai-se reboque de fezes, fezinhas e fezadas, gasta-se a vida numa odisseia de bosta mais ou menos fertilizante. Não creio sinceramente que buliçosas conferências em torno da rentabilidade, competitividade, teor de gás ou sangue do estrume duma civilização constituam qualquer forma genuína de debate ou nobre demanda. Compensa-se com alarido a ausência de horizonte. A Caverna, pois é, descambou em Curral, portas meias com o açougue. Mas cada tempo tem a Alegoria que merece.
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