«a) A guerra nasceu no campo: e o termo [em francês, tanto desiga campo como campanha militar"] manteve-se até aos nossos dias. Mas a partir de 1914 assiste-se à sua urbanização. Para a grande parte das massas de camponeses, a primeira guerra mundial foi um primeiro contacto com a civilização técnica. Uma espécie de visita dirigida à exposição universal das indústrias e artes aplicadas da morte, com demonstrações quotidianas ao vivo.
b) essa colectivização dos meios destrutivos, mecanizados, teve como efeito neutralizar a paixão propriamente bélica dos combatentes. Não se tratava já de violência do sangue mas sim de brutalidade quantitativa, de massas lançadas umas contra as outras, já não pelos movimentos do delírio passional, mas sim pela inteligência calculadora de engenheiros. Agora o homem é apenas o servo do material: ele próprio passa ao estado material, tanto mais eficaz quanto menos humano for nos seus reflexos individuais.
(...)
A política de massas, tal como foi praticada a partir de 1917, mais não é do que a continuação da guerra total por outros meios (para retomar mais uma vez, invertendo-a, a célebre fórmula de Clausewitz). (...) E por outro lado, o Estado totalitário não é mais do que o estado de guerra prolongado ou permanentemente recriado e mantido na nação.»
- Denis de Rougemont, O Amor e o Ocidente
Existem especificidades - algumas únicas, outras comuns - nas duas Guerras mundias do século XX. Ambas constituem manifestações de algo que se inaugura no século XX: a massificação. Mas há uma coisa que é absolutamente original na Segunda: a guerra total, ou seja, o confronto não apenas entre concepções totalitárias de Estado, mas igualmente entre concepções totalitárias de ideologia (que é como quem diz de "propriedade da verdade"). De tal modo, que o emprego de meios maciços de destruição - e destruição não apenas militar como também civil (os aliados inauguram a modalidade do massacre objectivo e estratégico sobre alvos não militares - melhor dizendo, os aliados estendem o conceito de "alvo militar" à própria população) -, é alargado aos meios de propaganda que se pretendem também de destruição maciça. Mais: a guerra total nasce primeiro na propaganda e materializa-se depois no terreno. Trata-se não apenas de destruir por completo o inimigo, em todas as suas estruturas físicas, militares e civis, mas também nas suas estruturas mentais. E o que o pós-guerra irá demonstrar é que essa devastação não termina com as próprias hostilidades bélicas no terreno: prossegue depois, abatendo-se sobre a própria história do conflito, que apagando quer adicionando, diminuindo ou ampliando, eventos de pura conveniência ideogramática. Quer dizer, na propaganda, a desvastação maciça e sistemática não termina com a guerra, porque a guerra continua naquilo a que podemos chamar "campanha de subversão global". E é e continua uma guerra porque persiste um confronto entre concepções não já essencialmente antagónicas (como era, por exemplo, o fascismo e o comunismo), mas concorrenciais, em disputa quase mercantil pela hegemonia à escala global. Trata-se duma guerra não já de intensidade militar aberta, mas, sobretudo, de competição geopolítica. E é até por isso, que, aquando do colapso soviético (que não é militar), o fenómeno surge enunciado e proclamado como um triunfo retumbante e definitivo duma "concepção económica" e respectivo modelo (que se pretende agora, único, definitivo e universal). Porque, na verdade, as duas super-potências da guerra fria traduziam não apenas um super-empório militar, mas, manifestavam-se, sobrexcitadamente, megapolos de exportação ideológica.
Voltando à Segunda Grande Guerra... Se atentarmos friamente nos blocos em confronto, constataremos dum lado as forças de nacionalismos particularmente exacerbados e do outro uma aliança de formas de internacionalismo/imperialismo mais ou menos dissimulados, no seu ímpeto hegemónico e totalitártio. Aliás, em bom rigor, apenas o Império Britânico se batia pela manutenção da Ordem antiga: os outros, embora de formas diversas, pugnavam pela instauração do novos tipos de Ordem. Se analisarmos o resultado do conflito, lá se desvanecem as mitologias posteriormente cultivadas: a Europa auto-destruiu-se, o Império Britânico suicidou-se e os Americanos e os Soviéticos repartiram entre si os despojos e reinaram por cima dos escombros. Como é que o Império Britãnico conseguiu atirar-se para a irrelevância e o museu das antiguidades em seis anos, é caso para estudo atento e deveras arqueológico. No dia em que esse estudo desapaixonado conseguir dessoterrar-se do lixo propagandístico acumulado, talvez o bipolar Churchill passe de bestial a besta. Para Portugal era do seu extremo interesse que duas coisas não acontecessem, ou pelo menos uma: que os britânicos não se imolassem; que a Alemanha saísse derrotada mas não esmagada (aquele primeiro ponto era crucial para os nossos interesses estratégicos ultramarinos; este para a contenção da subversão comunista na Europa). Infelizmente, aconteceram os dois.
Uma primeira nota: o que é que distinguia o regime nacionalista de Salazar de toda esta gente? Na essência, quase tudo. Começando pelo conceito global de nação: Portugal pretendia-se uma nação entre as outras, de pleno direito e recíproco respeito; e até por isso não se meteu naquele caldeirão do diabo, que foi a segunda guerra mundial (onde, reconheça-se, todos os beligerantes, em bom rigor, batalhavam pela imposição ou manutenção de alguma forma de supremacia internacional). Salazar escorava-se na moral e no direito, e sustentava que ambos, a moral e o direito, deviam constituir critério não apenas interno mas internacional. Tinha mesmo plena consciência que uma "imoralidade" reinante no palco internacional acarretaria efeitos perversos e pervasivos no ambiente nacional. O que não apenas profetizou como experimentou posteriormente, com a guerra do Ultramar.
Por outro lado, e retomando agora os nacionalismos europeus, tanto o regime de Hitler quanto o de Mussolini apresentavam na génese algumas semelhanças com o de Salazar: todos eles emergiam como resposta a sociedades subvertidas e desestruturadas e todos eram anti-democratas, anti-paralamentares, anti-liberais e, sobretudo, anti-comunistas, porque, exaustivamente, haviam reconhecido e experimentado nesses tipos de receitas importadas a origem insidiosa da subversão e desagregação nacionais. Naturalmente, as reacções ao mesmo tipo de fenómeno reflectiram, em cada caso, o carácter de cada povo, e tanto a brutalidade germânica como o aparato histriónico italiano são diferentes do modo português, que, na pessoa de Salazar, fruto em larga medida do tomismo ancestral,.demandava, acima de tudo, um equilíbrio e uma ordem tranquila. Afinal, o modelo inspirava-se na própria natureza.
Assim, depara-se-nos uma evidência desde logo gritante: quando emergiram, os nacionalismos europeus - do italiano ao português -, começaram por deparar-se com um conflito subversivo interno. Isto é, para que o país sobrevivesse e emergisse da sua própria dissolução, tinha que enfrentar uma espécie de cancro doméstico sob patrocínio externo. Dessarte, tiveram que encetar uma acção contra-subversiva interna, de modo a libertarem as respectivas nações de guerras civis permanentes. E aqui, mais uma vez, Salazar distinguiu-se: nunca deixando que o ambiente de guerra civil que o precedeu se perpetuasse num clima de guerra interna subsequente. Assim, reduziu o problema a um caso de polícia. Ao contrário, alemães e italianos, sediados num conceito de violência curadora e redentora, desenvolveram uma dinâmica de combate interno intensivo (e militarizado) que culminou com o alastramento desse conflito ao exterior, mais concretamente, e segundo uma logica fatal, aos centros, ou agências, emissoras dessa agitação desagregante. Se repararmos bem, a Segunda Guerra, é um conflito de magnas proporções entre importadores (ou junkies) revoltados e exportadores ideológicos eminentes. Em suma, fascistas e nacional-socialistas entenderam que não bastava combater os consumidores da droga, tinham que ir desmantelar os centros de produção; caso contrário, a droga continuaria e infiltrar-se e e causar os seus malefícios. É evidente que um projecto dessa envergadura desmesurada prometia as maiores dificuldades e os mais previsíveis dissabores. E materializava decerto o lanço entre a prudência e a Hubris. tanto quanto cavava a diferença entre o projecto genuinamente cristão de Salazar e os neo-paganismos exaltados de Mussolini e Hitler.
Tudo isto que venho expondo, para que não restem dúvidas ou costumadas esguelhas, pode ser confrontado com as proprias palavras de Oliveira Salazar, em 1934 (ou seja, em plena ascensão dos nacionalismos europeus e não nas suas múltiplas exéquias oportunistas do pós-guerra):
Tudo isto que venho expondo, para que não restem dúvidas ou costumadas esguelhas, pode ser confrontado com as proprias palavras de Oliveira Salazar, em 1934 (ou seja, em plena ascensão dos nacionalismos europeus e não nas suas múltiplas exéquias oportunistas do pós-guerra):
«Como muito e quase só se tem falado da sua concordância com outros regimes, pretendo hoje não me ocupar do que é semelhante, mas do que é diferente, para que possa ressaltar a todos os olhos a sua bem marcada originalidade.
O nacionalismo do Estado Novo não é e não poderá ser nunca uma doutrina de isolamento agressivo - ideológico ou político - porque se integra como afinal toda a nossa história, na vida e na obra de cooperação amigável com os outros povos. Consideramo-lo tão afastado do liberalismo individualista, nascido no estrangeiro, e do internacionalismo da esquerda como de outros sistemas teóricos e práticos aparecidos lá fora como reacção contra eles. O EStado Novo não empreendeu apenas extinguir os antigos partidos juntamente com o individualismo e o paralamentarismo; oferece também resistência invencível a correntes deles derivadas por força da lógica revolucionária ou que de algum modo representem excesso de ordem pública ou jurídica na reacção que aquelas provocaram. Sem dúvida se encontram, por esse mundo, sistemas políticos com os quais tem semelhanças, pontos de contacto, o nacionalismo português - aliás quase só restritos à ideia corporativa. Mas no processo de realização e sobretudo na concepção do Estado e na organização do apoio político e civil do Governo são bem marcadas as diferenças. Um dia se reconhecerá ser Portugal dirigido por um sistema original, próprio da sua história e da sua geografia, que tão diversas são de todas as outras, e desejávamos se compreendesse bem não termos posto de lado os erros e vícios do falso liberalismo e da falsa democracia para abraçarmos outros que podem ser ainda maiores, mas antes para reorganizar e robustecer o País com princípios de autoridade, de ordem, de tradição nacional, conciliados com aquelas verdades eternas que são, felizmente, património da humanidade e apanágio da civilização. (...) É preciso adfastar de nós o impulso tendente à formação do que poderia chamar-se Estado Totalitário. O Estado que subordinasse tudo sem excepção à ideia de nação ou raça por ele representada, na moral, no direito, na política e na economia, apresentar-se-ia como ser omnipotente, princípio e fim de si mesmo, a que tinham de estar sujeitas todas as manifestações individuais e colectivas, e poderia envolver um absolutismo pior do que aquele que antecedera os regimes liberais, porque ao menos esse outro não se desligara do destino humano. Tal Estado seria essencialmente pagão, incompatível por natureza com o génio da nossa civilização cristã, e cedo ou trarde haveria de conduzir a revoluções semelhantes às que afrontaram os velhos regimes históricos e quem sabe se até a novas guerras religiosas, mais graves que as antigas.» (- A.O.Salazar, em 26 Maio de 1934)
Ainda mais significativo é o facto deste discurso de Salazar surgir em resposta à formação à sua direita do nacional-sindicalismo de Rolão Preto, cujos militantes envergam camisa azul e sinais exteriores próximos do nacional-socialismo alemão. O uso desta espécie de uniforme é rapidamente proibido pelo Governo em manifestações públicas; e uma parte dos nacional-sindicalistas, incluindo o próprio Rolão Preto, tentam derrubar Salazar. Imaginando que Rolão Preto teria substituído Salazar, não custa conceber uma entrada do Portugal na Segunda Guerra, ao lado das forças do Eixo.
Por conseguinte, se o nacionalismo português e os seus congéneres europeus da época coincidiam no ponto de partida (no inimigo e nos problemas originários a combater), já divergiam radicalmente nas metodologias, nas fórmulas organizativas, nas finalidades e no ponto de chegada. O Estado-Novo traduzia uma resposta genuinamente portuguesa e uma situação unicamente portuguesa. Todavia, para a propaganda, a realidade não conta. Ou conta na medida em que lhe interesse, para ampliar, desfocar ou subverter, conforme a conveniência.
Assim, quando a Guerra terminou no terreno das operações militares, com a derrota total e arrasadora das forças nacionalistas, não terminou igualmente na propaganda. Pelo contrário, recrudesceu e intensificou-se. O fascismo e o seu zénite nazi foram demonizados a um paroxismo desvairado e ininterrupto, sempre viçoso e sempre a reciclar.-se, que dura até aos dias de hoje. A coisa atingiu tais níveis de requinte que até investigações ou debates de índole histórica, uma vez que duvidem duma espécie de dogmas instituídos, foram criminalizados. Não pretendo com isto tomar posição nesses fenómenos, mas apenas anotá-los e referi-los como provas evidentes da perpetuação da "guerra aos nazis e fascistas" na propaganda e, mais concretamente, no mercado das ideologias totalitárias.
E para que serve esta "guerra inesgotável da propaganda"?
Essencialmente serve para bloquear uma parte inconveniente do espectro político. E camuflar uma livre alternativa eleitoral que, na realidade, não existe, mantendo sob ameaça e anátema qualquer esboço de genuína independência. Ou seja, qualquer forma de "nacionalismo" - entenda-se de legítima defesa dum qualquer país, economia ou cultura contra o internacionalismo corrosivo e diluente da hegemonia (actualmente sintetizada numa plutocracia global) -, é imediatamente interdito a apostrofado de "fascista", "nazi", "ditatorial", etc. A não aceitação cega do modelo de exportação pseudo-democrata e teomercantileira conduz, inexoravelmente, a todo o tipo de sanções, arbitrariedades e, por fim, caso necessário, a uma cartaginização local. Assim, a guerra de propaganda, além de inesgotável, é preventiva. Exerce-se em permência de modo a evitar surtos indesejáveis. Funciona, pois, à escala global, na criação duma hipnosfera que absorva e determine toda a atmosfera geopolítica planetária. É nessa hipnosfera que se formam e desencadeiam as tais "deslocações de ar" históricas.
Quando em Portugal, no pós-25 de Abril , em nome duma higienização antifascista, se ilegaliza a direita, está-se no fundo, com o retardamento de 30 anos, a implementar o "pós-guerra" no derradeiro espaço europeu onde ele ainda não vigorava. Por pouco, aliás, o rectângulo não se dividiu, à semelhança da Alemanha vencida, numa parte pró-ocidental e noutra pró-leste, o que, a verificar-se, mais não replicaria que as duas modalidades vigentes de "antifascismo": Mas num aspecto, a receita dos Aliados para a Alemanha subjugada foi efectivamente repetida entre nós: a "desnazificação alemã" transpôs-se na "desfascismização portuguesa". A punição e terraplenagem retroactiva seguia o seu curso na campanha propagandística. Assim, quando hoje se conclama, também por interesse de propaganda ou mera mentecaptice, que o antifascismo foi uma estrita criação comunista está-se a querer omitir boa parte do quadro. Os comunistas, também por interesse próprio e de propaganda, eram os mais exacerbados na retórica apenas porque procuravam arvorar-se nos mais antifascistas de todos, com isso pretendendo uma superioridade moral que lhes pavimentasse e facilitasse o acesso ao aparelho de Estado entretanto devoluto. Mas todos os outros, criteriosamente autorizados, da extrema-esquerda ao CDS repetiam caninamente o mantra e eram, com juras públicas diárias, antifascistas compenetrados e democratas puritanos da mais elevada extracção. Basta lembrar a recusa de PSD e CDS em participarem na manifestação da "maioria Silenciosa" (prontamente catalogada de fascista"), para orçar da alegre lavagem cerebral em curso. Lavagem que, de resto, permanece nos dias de hoje. Ainda agora, simplesmente por recapitular o Estado-Novo sem ser em tom asséptico e enojadinho, sou de pronto catalogado de "salazarista", "ultra-salazarista", "fascista" (e a descarga não vem exactamente do lado mais à esquerda, o que só espanta quem não conhece de ginjeira este tipo de faunas e tropagandas).
Por conseguinte, explicar um certo predomínio da esquerda apenas como resultado reiterado da agit/prop marxista-leninista é não querer ver o principal. Basta comparar os meios`de difusão e o acesso desses meios à generalidade da população lusitana (situemo-nos apenas nos anos 60 e 70, para facilitar) entre a propaganda anglo-saxónica e a propaganda soviética. E é confundir um mero expediente oportunistas (como foi o assalto da 5ª coluna soviética) com toda uma predisposição anteriormente cultivada, fomentada e induzida por filmes, folhetins, séries televisivas e até revistas de banda desenhada, como a lendária "Falcão", onde heróis "aliados" como o Major Alvega, o agente Ene 3 ou a intrépida Mamselle X, convertiam as criancinhas desde tenra idade ao antifascismo precoce e à fobia pelas pérfidas suásticas. Para o luso petiz, a certa altura, matar alemães nazis era tão lógico e urgente quanto matar baratas. Além de ignóbeis e péssimos, os alemães (como os japoneses) eram um estúpidos, falhados e perdedores natos. Imagine-se agora o pimpolho, já em plena adolescência, quando um qualquer colega de liceu ou faculdade, devidamente insinuante, lhe segredava que o regime português era fascista, filonazi e mantinha um campo de concentração nas Berlengas... Obstar-me-ão, "credo, Dragão, que exagero! Coitado do Major Alvega..." Pois, e ainda por cima tinha costela lusitana, o antifascista voador. Mas o facto é que muito do despenteamento mental que se verte até hoje acerca de fornicoques antifascistas e anti-salazaristas está ao nível das revistinhas do Major Alvega e traduz apenas um estado perpetuamente cultivado de credulidade infantil e inteligência larvar.
Tudo isto para explicar uma coisa muito simples e elementar: sem a criação e fertilização do terreno com toda uma predisposição antifascista (da qual o regime não se sentia afectado nem ameaçado, porque não era de facto fascista, nem nunca tinha sido), o antifascismo peregrino e depois de choque na pós-golpada dos Cravos jamais teria vicejado com tão inusitada e desarvorada "espontaneidade". A rápida associação do Estado-Novo, quer ao léxico maldito quer a símbolos repugnantes como a suástica, ou figuras fardadas ao mais tenebroso estilo SS, trataram de converter rapidamente a imaginação pública à distorção confeccionada.
Por outro lado, acreditar que as pessoas andavam sofregamente a ler Marx (e derivados) na clandestinidade, porque em sendo proibido, como toda a pornografia, tornava-se mais apetitoso é claramente delirante. A seita comunista nunca se caracterizou por estudar ou conhecer Marx ou Lenine, como os católicos não passam grande cartão à Bíblia Sagrada. Tirando o clero do comité e da nomenklatura pastorais, que lêem vagamente (e em boa parte nem entendem para lá da vulgata evangélica), as hordas militantes não precisam sequer de ser alfabetizadas (aliás, quanto mais analfabetas, melhor). Partilham a fé, cultivam o fanatismo, dispensam a gnose. Cumprem o que o camarada secretário-geral e o comité decretam; escutam os sermões e as prédicas e prestam-se ao martírio, se necessário for, com todas as suas forças. (Não é por acaso que o Partido Comunista sempre confiou mais nos operários do que nos intelectuais aburguesados: estes, com duas chapadas na Pide, borravam-se e abriam-se todos; aqueles enfrentavam monumentais sovas e martírios e resistiam com a devoção dos mártirtes compenetrados). A ideia que prevaleceu na revolucionite subsequente, e ao longo sobretudo do PREC, não teve muito que ver com pré-leituras ou requintes elaborados de propaganda previamente subministrada em saraus culturais na clandestinidade penumbral das catacumbas: foi um simples engodo pelo saque, pelo desforço, pelo amarinhamento social de ocasião. A conspiração nunca excedeu por aí além a patuscada. Nem antes nem depois do 25/74. O fáxista era o patrão, o senhorio, o rico, o proprietário de alguma coisa, o professor, o polícia, o GNR, enfim, tudo o que de alguma forma representasse a ordem anterior e constituísse obstáculo ao saque e subsequente alpinismo dos candidatos desensofridos à exploração económica da nova (des)ordem. Ao nível da burguesa mais letrada ou dada aos quadradinhos, o panorama não variava muito: houve sobretudo arrivismo e reviralho premeditado, ou instantâneo, de quem, a partir de frequentes injecções de estrangeirina, estava mais do que de prevenção para a mudança a qualquer momento. Mudaram rapidamente de casaca os pais, na grande maioria para garantia do património, e dispersaram em várias direcções os filhos, apontando, em bom ritmo e ruído, aos trampolins dos tachos do amanhã que, esses sim, sempre cantam. (contabilizem-se todos aqueles que, oriundos da extrema-esquerda, treparam a posições de relevo no Centrão desgovernativo)... O fenómeno "adesivo" já referido em relação ao 5 de Outubro de 1910, foi ainda mais transbordante no 25 de Abril.. Adaptatóide nato, o vulgar português, percebeu num ápice que se virava uma página e cumpria aderir ou, no menos precipitado dos casos, aguardar para ver para que lado tombava a balança (para então correr a alistar-se, ou ajustar o léxico e o discurso). O que explica, calma e inequivocamente, como, numa noite de Abril, o país acordou de esquerda socialista, e noutra noite de Novembro, o mesmo país, acordou curado e prontíssimo para o parlamentarismo liberal.
Entre nós, basta controlar os megafones, que o resto vai de arrasto. Ora, neste controlo dos bomba-brutos é que a porca torce o rabo. O que nos reenvia à tal "guerra inesgotável da propaganda"... Um dos derivados dessa campanha perpétua é a "ditadura cultural das esquerdas"...
Como se processa, em moldes concretos, a guerra eterna da propaganda? Evidentemente, através dum controlo hermético dos mass-media mais influentes, ou pela saturação desinformativa naqueles cujo controlo não é tão viável (a internet, por exemplo). Mas também através de operações tão bizarras quanto o subsídio a partidos da chamada "extrema-direita", cuja função existencial é precisamente conferir sentido e embrulhar em verosimilhança a "guerra permanente" ao fascismo sempre à espreita e pronto a jugular a humanidade democrática (entenda-se, num perfeito intercâmbio marxista, a "humanidade realmente humana", porque emancipada de todos e quaisquer valores verticais). O programa obsessivo é de tal forma repetitivo que qualquer ameaça que adquira, geralmente por investidura propagandística, carácter global é de pronto revestida sob o labéu fetiche - sendo o islamo-fascismo, a mais recente.
Ora, o islamismo terrorista já é suficientemete execrável por si. No entanto, ao adicionar-se-lhe o apêndice "fascismo" está a perpetuar-se, por um lado, a tal guerra antifascista e, por outro, a agravar e adensar os horrores do fascismo com novas eclosões ainda mais terríficas, repugnantes e desumanas. Quer dizer, o fascismo é conotado com atrocidade, degradando-se a algo que não conspira e porfia apenas contra uma determinada forma de regime imposto, mas, outrossim, algo que atenta contra a própria "humanidade", sendo esta, doravante, restringida àqueles que veneram, professam e cultivam a "democracia liberal". Donde resulta a geminação entre os adeptos da democracia popular com os adeptos da democracia liberal: ambos constituem quintas colunas num processo/projecto de submissão global. Ou melhor, constituíam. Porque agora os segundos, praticamente, exercem sem concorrência.
No entanto, persistem nas super-estruturas (dito gramskianamente) hordas de abencerragens esquerdinolentas, herdadas em parte do granel antepassado, geradas no restante sabe-se lá porque superstição infecto-contagiosa. E continuam a debitar a mesma cassete antifascista, sempre que a ocasião o permite, tanto quanto a mesma sociopatia lexorreica escondida no cavalo de Tróia do "estado social". Como explicar esta persistência epidémica?
Se a memória não me falha, era Maurras que dizia «abrindo a maior parte das folhas socialistas ou anarquistas e informando-nos do nome dos seus suportes económicos, verificamos que as mais violentas tiradas contra os ricos são pagas pela plutocracia dos dois hemisférios». Bem, sem querer por agora abarcar o mundo, atenhamo-nos ao rectângulo da península. Não consta que o Partido Comunista seja proprietário de nenhuma das televisões, jornais de maior tiragem ou revistas semanais. Sabemos aliás que todos eles vivem às sopas de grandes grupos económicos cuja finalidade nesta vida não é exactamente instaurar a democracia popular. E à época de Marcello, nos anos 70, nas vésperas do 25, era o Partido Comunista que mandava nos jornais e na televisão? Podemos até elencar os grupos proprietários das principais folhas de couve (de Lisboa): o "Diário da Manhã" era propriedadde da Companhia Nacional Editora e órgão da União Nacional); a Voz era um diário católico e monárquico; Novidades era o órgão oficioso do Patriarcado de Lisboa; o Diário de Notícias, propriedade da Empresa Nacional de Publicidade (principais accionistas: Caixa Geral de Depósitos e a "Moagem") e era um órgão oficioso da Situação; o Século pertencia à família Pereira da Rosa; o Diário Popular tinha como maior accionista Francisco Balsemão; o Diário de Lisboa, tendo como maiores accionistas a família Ruella Ramos, BNU e o grupo Champalimaud, atrvés do Banco Pinto e Sotto Mayor; o República, que poucos compravam... E por aí fora. A haver uma "ditadura cultural da esquerda" (e há, só que não no sentido restrito em que querem camuflar), sabemos, pois, quem a exerce. E sabemos também quem a paga. Vão-me dizer que quem paga e, cada vez mais, não manda? Ou que o Mercado é masoquista?
Então para que serve e a quem serve a "ditadura cultural da esquerda"?
Fica a resposta para um próximo postal, que este já vai mais que longo. E fica também um facto indesmentível, que lhe servirá de enquadramento:
Desde o Estado-Novo até ao Estado-em-que-isto-está o que é que efectivamente aconteceu? Passámos duma ditadura política portuguesa, suavizada, para uma ditadura económica internacional, duríssima. Para que serviu a "ditadura cultural da esquerda"? Para desagregar e dissolver as estruturas de poder nacionais e terraplenar a área para os implantes externos. Depois de entregarmos as colónias, tornámo-nos algo entre a colónia e o protectorado. Como de resto tem sido regra nesta piolheira, desde a Revolução Francesa, com um único intervalo: o período de tempo do Estado-Novo. Pois, é chato, nada bem, pouco fino, desculpem lá, mas foi a única altura em que os credores não mandaram nisto: Salazar correu com eles.
Não sei, pois, dito com franqueza, qual será mais repugnante, se a sabujice e a cobardia entranhada das nossas elites, pseudo-elites e nelites, se a sua recusa em ver a realidade, cobrindo-a de mitos de ocasião e, mais que tudo, de importação. Continuam à cata dos piolhos dos miúdos do Portugal da infância, como se isso fosse o cúmulo das salazarentices e nem percebem que eles próprios são os piolhos que infestam e presidem à testa dum Portugal com os pés para a cova e a cabeça para o lixo.
Nota: No título do postal "incubadoura" subentende um híbrido entre incubadeira e manjedoura.
Assim, quando a Guerra terminou no terreno das operações militares, com a derrota total e arrasadora das forças nacionalistas, não terminou igualmente na propaganda. Pelo contrário, recrudesceu e intensificou-se. O fascismo e o seu zénite nazi foram demonizados a um paroxismo desvairado e ininterrupto, sempre viçoso e sempre a reciclar.-se, que dura até aos dias de hoje. A coisa atingiu tais níveis de requinte que até investigações ou debates de índole histórica, uma vez que duvidem duma espécie de dogmas instituídos, foram criminalizados. Não pretendo com isto tomar posição nesses fenómenos, mas apenas anotá-los e referi-los como provas evidentes da perpetuação da "guerra aos nazis e fascistas" na propaganda e, mais concretamente, no mercado das ideologias totalitárias.
E para que serve esta "guerra inesgotável da propaganda"?
Essencialmente serve para bloquear uma parte inconveniente do espectro político. E camuflar uma livre alternativa eleitoral que, na realidade, não existe, mantendo sob ameaça e anátema qualquer esboço de genuína independência. Ou seja, qualquer forma de "nacionalismo" - entenda-se de legítima defesa dum qualquer país, economia ou cultura contra o internacionalismo corrosivo e diluente da hegemonia (actualmente sintetizada numa plutocracia global) -, é imediatamente interdito a apostrofado de "fascista", "nazi", "ditatorial", etc. A não aceitação cega do modelo de exportação pseudo-democrata e teomercantileira conduz, inexoravelmente, a todo o tipo de sanções, arbitrariedades e, por fim, caso necessário, a uma cartaginização local. Assim, a guerra de propaganda, além de inesgotável, é preventiva. Exerce-se em permência de modo a evitar surtos indesejáveis. Funciona, pois, à escala global, na criação duma hipnosfera que absorva e determine toda a atmosfera geopolítica planetária. É nessa hipnosfera que se formam e desencadeiam as tais "deslocações de ar" históricas.
Quando em Portugal, no pós-25 de Abril , em nome duma higienização antifascista, se ilegaliza a direita, está-se no fundo, com o retardamento de 30 anos, a implementar o "pós-guerra" no derradeiro espaço europeu onde ele ainda não vigorava. Por pouco, aliás, o rectângulo não se dividiu, à semelhança da Alemanha vencida, numa parte pró-ocidental e noutra pró-leste, o que, a verificar-se, mais não replicaria que as duas modalidades vigentes de "antifascismo": Mas num aspecto, a receita dos Aliados para a Alemanha subjugada foi efectivamente repetida entre nós: a "desnazificação alemã" transpôs-se na "desfascismização portuguesa". A punição e terraplenagem retroactiva seguia o seu curso na campanha propagandística. Assim, quando hoje se conclama, também por interesse de propaganda ou mera mentecaptice, que o antifascismo foi uma estrita criação comunista está-se a querer omitir boa parte do quadro. Os comunistas, também por interesse próprio e de propaganda, eram os mais exacerbados na retórica apenas porque procuravam arvorar-se nos mais antifascistas de todos, com isso pretendendo uma superioridade moral que lhes pavimentasse e facilitasse o acesso ao aparelho de Estado entretanto devoluto. Mas todos os outros, criteriosamente autorizados, da extrema-esquerda ao CDS repetiam caninamente o mantra e eram, com juras públicas diárias, antifascistas compenetrados e democratas puritanos da mais elevada extracção. Basta lembrar a recusa de PSD e CDS em participarem na manifestação da "maioria Silenciosa" (prontamente catalogada de fascista"), para orçar da alegre lavagem cerebral em curso. Lavagem que, de resto, permanece nos dias de hoje. Ainda agora, simplesmente por recapitular o Estado-Novo sem ser em tom asséptico e enojadinho, sou de pronto catalogado de "salazarista", "ultra-salazarista", "fascista" (e a descarga não vem exactamente do lado mais à esquerda, o que só espanta quem não conhece de ginjeira este tipo de faunas e tropagandas).
Por conseguinte, explicar um certo predomínio da esquerda apenas como resultado reiterado da agit/prop marxista-leninista é não querer ver o principal. Basta comparar os meios`de difusão e o acesso desses meios à generalidade da população lusitana (situemo-nos apenas nos anos 60 e 70, para facilitar) entre a propaganda anglo-saxónica e a propaganda soviética. E é confundir um mero expediente oportunistas (como foi o assalto da 5ª coluna soviética) com toda uma predisposição anteriormente cultivada, fomentada e induzida por filmes, folhetins, séries televisivas e até revistas de banda desenhada, como a lendária "Falcão", onde heróis "aliados" como o Major Alvega, o agente Ene 3 ou a intrépida Mamselle X, convertiam as criancinhas desde tenra idade ao antifascismo precoce e à fobia pelas pérfidas suásticas. Para o luso petiz, a certa altura, matar alemães nazis era tão lógico e urgente quanto matar baratas. Além de ignóbeis e péssimos, os alemães (como os japoneses) eram um estúpidos, falhados e perdedores natos. Imagine-se agora o pimpolho, já em plena adolescência, quando um qualquer colega de liceu ou faculdade, devidamente insinuante, lhe segredava que o regime português era fascista, filonazi e mantinha um campo de concentração nas Berlengas... Obstar-me-ão, "credo, Dragão, que exagero! Coitado do Major Alvega..." Pois, e ainda por cima tinha costela lusitana, o antifascista voador. Mas o facto é que muito do despenteamento mental que se verte até hoje acerca de fornicoques antifascistas e anti-salazaristas está ao nível das revistinhas do Major Alvega e traduz apenas um estado perpetuamente cultivado de credulidade infantil e inteligência larvar.
Tudo isto para explicar uma coisa muito simples e elementar: sem a criação e fertilização do terreno com toda uma predisposição antifascista (da qual o regime não se sentia afectado nem ameaçado, porque não era de facto fascista, nem nunca tinha sido), o antifascismo peregrino e depois de choque na pós-golpada dos Cravos jamais teria vicejado com tão inusitada e desarvorada "espontaneidade". A rápida associação do Estado-Novo, quer ao léxico maldito quer a símbolos repugnantes como a suástica, ou figuras fardadas ao mais tenebroso estilo SS, trataram de converter rapidamente a imaginação pública à distorção confeccionada.
Por outro lado, acreditar que as pessoas andavam sofregamente a ler Marx (e derivados) na clandestinidade, porque em sendo proibido, como toda a pornografia, tornava-se mais apetitoso é claramente delirante. A seita comunista nunca se caracterizou por estudar ou conhecer Marx ou Lenine, como os católicos não passam grande cartão à Bíblia Sagrada. Tirando o clero do comité e da nomenklatura pastorais, que lêem vagamente (e em boa parte nem entendem para lá da vulgata evangélica), as hordas militantes não precisam sequer de ser alfabetizadas (aliás, quanto mais analfabetas, melhor). Partilham a fé, cultivam o fanatismo, dispensam a gnose. Cumprem o que o camarada secretário-geral e o comité decretam; escutam os sermões e as prédicas e prestam-se ao martírio, se necessário for, com todas as suas forças. (Não é por acaso que o Partido Comunista sempre confiou mais nos operários do que nos intelectuais aburguesados: estes, com duas chapadas na Pide, borravam-se e abriam-se todos; aqueles enfrentavam monumentais sovas e martírios e resistiam com a devoção dos mártirtes compenetrados). A ideia que prevaleceu na revolucionite subsequente, e ao longo sobretudo do PREC, não teve muito que ver com pré-leituras ou requintes elaborados de propaganda previamente subministrada em saraus culturais na clandestinidade penumbral das catacumbas: foi um simples engodo pelo saque, pelo desforço, pelo amarinhamento social de ocasião. A conspiração nunca excedeu por aí além a patuscada. Nem antes nem depois do 25/74. O fáxista era o patrão, o senhorio, o rico, o proprietário de alguma coisa, o professor, o polícia, o GNR, enfim, tudo o que de alguma forma representasse a ordem anterior e constituísse obstáculo ao saque e subsequente alpinismo dos candidatos desensofridos à exploração económica da nova (des)ordem. Ao nível da burguesa mais letrada ou dada aos quadradinhos, o panorama não variava muito: houve sobretudo arrivismo e reviralho premeditado, ou instantâneo, de quem, a partir de frequentes injecções de estrangeirina, estava mais do que de prevenção para a mudança a qualquer momento. Mudaram rapidamente de casaca os pais, na grande maioria para garantia do património, e dispersaram em várias direcções os filhos, apontando, em bom ritmo e ruído, aos trampolins dos tachos do amanhã que, esses sim, sempre cantam. (contabilizem-se todos aqueles que, oriundos da extrema-esquerda, treparam a posições de relevo no Centrão desgovernativo)... O fenómeno "adesivo" já referido em relação ao 5 de Outubro de 1910, foi ainda mais transbordante no 25 de Abril.. Adaptatóide nato, o vulgar português, percebeu num ápice que se virava uma página e cumpria aderir ou, no menos precipitado dos casos, aguardar para ver para que lado tombava a balança (para então correr a alistar-se, ou ajustar o léxico e o discurso). O que explica, calma e inequivocamente, como, numa noite de Abril, o país acordou de esquerda socialista, e noutra noite de Novembro, o mesmo país, acordou curado e prontíssimo para o parlamentarismo liberal.
Entre nós, basta controlar os megafones, que o resto vai de arrasto. Ora, neste controlo dos bomba-brutos é que a porca torce o rabo. O que nos reenvia à tal "guerra inesgotável da propaganda"... Um dos derivados dessa campanha perpétua é a "ditadura cultural das esquerdas"...
Como se processa, em moldes concretos, a guerra eterna da propaganda? Evidentemente, através dum controlo hermético dos mass-media mais influentes, ou pela saturação desinformativa naqueles cujo controlo não é tão viável (a internet, por exemplo). Mas também através de operações tão bizarras quanto o subsídio a partidos da chamada "extrema-direita", cuja função existencial é precisamente conferir sentido e embrulhar em verosimilhança a "guerra permanente" ao fascismo sempre à espreita e pronto a jugular a humanidade democrática (entenda-se, num perfeito intercâmbio marxista, a "humanidade realmente humana", porque emancipada de todos e quaisquer valores verticais). O programa obsessivo é de tal forma repetitivo que qualquer ameaça que adquira, geralmente por investidura propagandística, carácter global é de pronto revestida sob o labéu fetiche - sendo o islamo-fascismo, a mais recente.
Ora, o islamismo terrorista já é suficientemete execrável por si. No entanto, ao adicionar-se-lhe o apêndice "fascismo" está a perpetuar-se, por um lado, a tal guerra antifascista e, por outro, a agravar e adensar os horrores do fascismo com novas eclosões ainda mais terríficas, repugnantes e desumanas. Quer dizer, o fascismo é conotado com atrocidade, degradando-se a algo que não conspira e porfia apenas contra uma determinada forma de regime imposto, mas, outrossim, algo que atenta contra a própria "humanidade", sendo esta, doravante, restringida àqueles que veneram, professam e cultivam a "democracia liberal". Donde resulta a geminação entre os adeptos da democracia popular com os adeptos da democracia liberal: ambos constituem quintas colunas num processo/projecto de submissão global. Ou melhor, constituíam. Porque agora os segundos, praticamente, exercem sem concorrência.
No entanto, persistem nas super-estruturas (dito gramskianamente) hordas de abencerragens esquerdinolentas, herdadas em parte do granel antepassado, geradas no restante sabe-se lá porque superstição infecto-contagiosa. E continuam a debitar a mesma cassete antifascista, sempre que a ocasião o permite, tanto quanto a mesma sociopatia lexorreica escondida no cavalo de Tróia do "estado social". Como explicar esta persistência epidémica?
Se a memória não me falha, era Maurras que dizia «abrindo a maior parte das folhas socialistas ou anarquistas e informando-nos do nome dos seus suportes económicos, verificamos que as mais violentas tiradas contra os ricos são pagas pela plutocracia dos dois hemisférios». Bem, sem querer por agora abarcar o mundo, atenhamo-nos ao rectângulo da península. Não consta que o Partido Comunista seja proprietário de nenhuma das televisões, jornais de maior tiragem ou revistas semanais. Sabemos aliás que todos eles vivem às sopas de grandes grupos económicos cuja finalidade nesta vida não é exactamente instaurar a democracia popular. E à época de Marcello, nos anos 70, nas vésperas do 25, era o Partido Comunista que mandava nos jornais e na televisão? Podemos até elencar os grupos proprietários das principais folhas de couve (de Lisboa): o "Diário da Manhã" era propriedadde da Companhia Nacional Editora e órgão da União Nacional); a Voz era um diário católico e monárquico; Novidades era o órgão oficioso do Patriarcado de Lisboa; o Diário de Notícias, propriedade da Empresa Nacional de Publicidade (principais accionistas: Caixa Geral de Depósitos e a "Moagem") e era um órgão oficioso da Situação; o Século pertencia à família Pereira da Rosa; o Diário Popular tinha como maior accionista Francisco Balsemão; o Diário de Lisboa, tendo como maiores accionistas a família Ruella Ramos, BNU e o grupo Champalimaud, atrvés do Banco Pinto e Sotto Mayor; o República, que poucos compravam... E por aí fora. A haver uma "ditadura cultural da esquerda" (e há, só que não no sentido restrito em que querem camuflar), sabemos, pois, quem a exerce. E sabemos também quem a paga. Vão-me dizer que quem paga e, cada vez mais, não manda? Ou que o Mercado é masoquista?
Então para que serve e a quem serve a "ditadura cultural da esquerda"?
Fica a resposta para um próximo postal, que este já vai mais que longo. E fica também um facto indesmentível, que lhe servirá de enquadramento:
Desde o Estado-Novo até ao Estado-em-que-isto-está o que é que efectivamente aconteceu? Passámos duma ditadura política portuguesa, suavizada, para uma ditadura económica internacional, duríssima. Para que serviu a "ditadura cultural da esquerda"? Para desagregar e dissolver as estruturas de poder nacionais e terraplenar a área para os implantes externos. Depois de entregarmos as colónias, tornámo-nos algo entre a colónia e o protectorado. Como de resto tem sido regra nesta piolheira, desde a Revolução Francesa, com um único intervalo: o período de tempo do Estado-Novo. Pois, é chato, nada bem, pouco fino, desculpem lá, mas foi a única altura em que os credores não mandaram nisto: Salazar correu com eles.
Não sei, pois, dito com franqueza, qual será mais repugnante, se a sabujice e a cobardia entranhada das nossas elites, pseudo-elites e nelites, se a sua recusa em ver a realidade, cobrindo-a de mitos de ocasião e, mais que tudo, de importação. Continuam à cata dos piolhos dos miúdos do Portugal da infância, como se isso fosse o cúmulo das salazarentices e nem percebem que eles próprios são os piolhos que infestam e presidem à testa dum Portugal com os pés para a cova e a cabeça para o lixo.
Nota: No título do postal "incubadoura" subentende um híbrido entre incubadeira e manjedoura.
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ResponderEliminarE temos a suprema escrita de volta.
ResponderEliminarEstive a almoçar num restaurante encostado à beira mar. Um pormenor saltou-me à vista, na parede havia uma modelagem em alto relevo, um barco típico de pesca com malhas, a representar os peixes e mariscos frescos do nosso mar. Aquele barco de pesca que todos nós conhecemos de estrutura frágil contra as forças do mar, mas no entanto havia algo que o tornava sobrenatural, a Cruz de Cristo.
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ResponderEliminarBrilhante exposição caro Dragão mas... E como se dá novo rumo ao Portugal de Hoje?
ResponderEliminarIsto para sermos pragmáticos...
«E como se dá novo rumo ao Portugal de Hoje?»
ResponderEliminarNem sequer é preciso um novo rumo. Para algo que está sem rumo nenhum, bastava um rumo que fosse e já seria uma conquista.
:O)
E que rumo o Dragão apont ? Por onde começar? Que caminho a percorrer?
ResponderEliminarE que rumo o Dragão apont ? Por onde começar? Que caminho a percorrer?
ResponderEliminarDe como o óbvio pode ser brilhante.
ResponderEliminarQuanto ao "futuro" ( a morte, segundo Camus),já alijámos essa responsabilidade : além - Caia, assim que os habituais "arreglos"terminarem ( espera-se que com a forma e os resultados garantidos pela prática de séculos...)gozaremos fartamente da sua caridosa e filatrópica at atenção...
> algo que se inaugura no século XX: a massificação.
ResponderEliminarO franciu decerto sabe que a "levée en masse" foi ideia jacobina do final do XVIII.
> manifestavam-se, sobrexcitadamente, megapolos de exportação ideológica.
Duas repúblicas em que as oligarquias usavam, uma, a força do dinheiro, outra, o dinheiro da força. Os segundos tinham nitidamente menos jeito que os primeiros, mas serviam-se mutuamente de espantalho para manter o gado na ordem.
> Então para que serve e a quem serve a "ditadura cultural da esquerda"?
Ora, aos nossos donos. Qualquer coisa que pulverize o gado e o reduza a massa amorfa.