sexta-feira, novembro 30, 2012

Fórum Descolhonização - 5. Autópsia duma Golpada



«Se alguém quisesse acusar os portugueses de cobardes, destituídos de dignidade ou de qualquer forma de brio, de inconscientes e de rufias, encontraria um bom argumento nos acontecimentos desencadeados pelo 25 de Abril.

Na perspectiva de então havia dois problemas principais a resolver com urgência. Eram eles a descolonização e a liquidação do antigo regime.

Quanto à descolonização havia trunfos para a realizar em boa ordem e com a vantagem para ambas as partes: o exército português não fora batido em campo de batalha; não havia ódio generalizado das populações nativas contra os colonos; os chefes dos movimentos de guerrilha eram em grande parte homens de cultura portuguesa; havia uma doutrina, a exposta no livro Portugal e o Futuro do general Spínola, que tivera a aceitação nacional, e poderia servir de ponto de partida para uma base maleável de negociações. As possibilidades eram ou um acordo entre as duas partes, ou, no caso de este não se concretizar, uma retirada em boa ordem, isto é, escalonada e honrosa.

Todavia, o acordo não se realizou, e retirada não houve, mas sim uma debandada em pânico, um salve-se-quem-puder. Os militares portugueses, sem nenhum motivo para isso, fugiram como pardais, largando armas e calçado, abandonando os portugueses e africanos que confiavam neles. Foi a maior vergonha de que há memória desde Alcácer Quibir. Pelo que agora se conhece, este comportamento inesquecível e inqualificável deve-se a duas causas. Uma foi que o PCP, infiltrado no exército, não estava interessado num acordo nem numa retirada em ordem, mas num colapso imediato que fizesse cair esta parte da África na zona soviética. O essencial era não dar tempo de resposta às potências ocidentais. De facto, o que aconteceu nas antigas colónias portuguesas insere-se na estratégia africana da URSS, como os acontecimentos subsequentes vieram mostrar. Outra causa foi a desintegração da hierarquia militar a que a insurreição dos capitães deu início e que o MFA explorou ao máximo, quer por cálculo partidário, quer por demagogia, para recrutar adeptos no interior das Forças Armadas. Era natural que os capitães quisessem voltar depressa para casa. Os agentes do MFA exploraram e deram cobertura ideológica a esse instinto das tripas, justificaram honrosamente a cobardia que se lhe seguiu. Um bando de lebres espantadas recebeu o nome respeitável de «revolucionários». E nisso foram ajudados por homens políticos altamente responsáveis, que lançaram palavras de ordem de capitulação e desmobilização num momento em que era indispensável manter a coesão e o moral do exército para que a retirada em ordem ou o acordo fossem possíveis. A operação militar mais difícil é a retirada; exige em grau elevadíssimo o moral da tropa. Neste caso a tropa foi atraiçoada pelo seu próprio comando e por um certo número de políticos inconscientes ou fanáticos, e em qualquer caso destituídos de sentimento nacional. Não é ao soldadinho que se deve imputar esta fuga vergonhosa, mas dos que desorganizaram conscientemente a cadeia de comando, aos que lançaram palavras de ordem que nas circunstâncias do momento eram puramente criminosas.

Isto quanto à descolonização, que na realidade não houve. O outro problema era da liquidação do regime deposto. Os políticos aceitaram e aplaudiram a insurreição dos capitães, que vinha derrubar um governo, que segundo eles, era um pântano de corrupção e que se mantinha graças ao terror policial: impunha-se, portanto, fazer o seu julgamento, determinar as responsabilidades, discriminar entre o são e o podre, para que a nação pudesse começar uma vida nova. Julgamento dentro das normas justas, segundo um critério rigoroso e valores definidos.

Quanto aos escândalos da corrupção, de que tanto se falava, o julgamento simplesmente não foi feito. O povo português ficou sem saber se as acusações que se faziam nos comícios e nos jornais correspondiam a factos ou eram simplesmente atoardas. O princípio da corrupção não foi responsavelmente denunciado, nem na consciência pública se instituiu o seu repúdio. Não admira por isso que alguns homens políticos se sentissem encorajados a seguir pelo mesmo caminho, como se a corrupção impune tivesse tido a consagração oficial. Em qualquer caso já hoje não é possível fazer a condenação dos escândalos do antigo regime, porque outras talvez piores os vieram desculpar.

Quanto ao terror policial, estabeleceu-se uma confusão total. Durante longos meses, esperou-se uma lei que permitisse levar a tribunal a PIDE-DGS. Ela chegou, enfim, quando uma parte dos eventuais acusados tinha desaparecido e estabelecia um número surpreendentemente longo de atenuantes, que se aplicavam praticamente a todos os casos. A maior parte dos julgados saiu em liberdade. O público não chegou a saber, claramente; as responsabilidades que cabiam a cada um. Nem os acusadores ficaram livres da suspeita de conluio com os acusados, antes e depois do 25 de Abril.

Havia, também, um malefício imputado ao antigo regímen, que era o dos crimes de guerra, cometidos nas operações militares do Ultramar. Sobre isto lançou-se um véu de esquecimento. As Forças Armadas Portuguesas foram alvo de suspeitas que ninguém quis esclarecer e que, por isso, se transformaram em pensamentos recalcados. Em resumo, não se fez a liquidação do antigo regímen, como não se fez a descolonização. Uns homens substituíram outros, quando os homens não substituíram os mesmos; a um regímen onopartidário substituiu-se um regímen pluripartidário. Mas não se estabeleceu uma fronteira entre o passado e o presente. Os nossos homens públicos contentaram-se com uma figura de retórica: «a longa noite fascista». Com estes começos e fundamentos, falta ao regime que nasceu do 25 de Abril um mínimo de credibilidade moral. A cobardia, a traição, a irresponsabilidade, a confusão, foram as taras que presidiram ao seu parto e, com esses fundamentos, nada é possível edificar. O actual estado de coisas, em Portugal, nasceu podre nas suas raízes. Herdou todos os podres da anterior; mais a vergonha da deserção. E com este começo tudo foi possível depois, como num exército em debandada: vieram as passagens administrativas, sob capa de democratização do ensino; vieram «saneamentos» oportunistas e iníquos, a substituir o julgamento das responsabilidades; vieram os bandos militares, resultado da traição do comando, no campo das operações; vieram os contrabandistas e os falsificadores de moeda em lugares de confiança política ou administrativa; veio o compadrio quase declarado, nos partidos e no Governo; veio o controlo da Imprensa e da Radiotelevisão, pelo Governo e pelos partidos, depois de se ter declarado a abolição da censura; veio a impossibilidade de se distinguir o interesse geral dos interesses dos grupos de pressão, chamados partidos, a impossibilidade de esclarecer um critério que joeirasse os patriotas e os oportunistas, a verdade e a mentira; veio o considerar-se o endividamento como um meio honesto de viver. Os cravos do 25 de Abril, que muitos, candidamente, tomaram por símbolo de uma primavera, fanaram-se sobre um monte de esterco.

Ao contrário das esperanças de alguns, não se começou vida nova, mas rasgou-se um véu que encubria uma realidade insuportável. Para começar, escreveu-se na nossa história uma página ignominiosa de cobardia e irresponsabilidade, página que, se não for resgatada, anula, por si só todo o heroísmo e altura moral que possa ter havido noutros momentos da nossa história e que nos classifica como um bando de rufias indignos do nome de nação. Está escrita e não pode ser arrancada do livro. É preciso lê-la com lágrimas de raiva e tirar dela as conclusões, por mais que nos custe. Começa por aí o nosso resgate. Portugal está hipotecado por esse débito moral, enquanto não demonstrar que não é aquilo que o 25 de Abril revelou. As nossas dificuldades presentes, que vão agravar-se no futuro próximo, merecemo-las, moralmente Mas elas são uma prova e uma oportunidade. Se formos capazes do sacrifício necessário para as superar, então poderemos considerar-nos desipotecados e dignos do nome de povo livre e de nação independente.»

- António José Saraiva

Nós não temos resgate económico que nos salve enquanto não nos resgatarmos moralmente. O resto nem sequer é conversa: é grunhido.


quinta-feira, novembro 29, 2012

Fórum Descolhonização - 4. As Estrepitosas Ventosidades Históricas


Abril de 1961
«Todo o país está vergastado por um temporalpolítico que deve ser raro na sua história. Compreendem-se agora melhor os tumultos, os morticínios, o terrorismo que lavram no Norte de Angola desde há um mês. Há um propósito internacional claro, delioberado, de fazer ajoelhar o governo de Lisboa e de vergar, pelo medo e pelo desvairo, o povo português. Se esta pressão se mantém, e apesar do gesto de Oliveira Salazar, por quanto tempo será suportável esta atmosfera? firmeza, tenacidade, espírito de sacrifício e luta são coisas que desconhecemos entre nós.»

Fevereiro de 1963.
«Registo palavras de Salazar, conversando hoje sobre políticaexterna: "Os americanos, ou conseguem matar-me, oueu morro, Caso contrário, terão de lutar anos parac conseguirem deitar-me abaixo.»

Junho de 1963.
«De manhã, soube-se a notícia da eleição do novo Papa: é o Cardeal Montini, que toma o nome de Paulo VI. (...) José Nosolini veio célere com informações: conheceu Monsehor Montini em Roma, é homem muito inteligente, considera-o um progressista com a obsessão das reformas, pode tentar conduzir o Concílio num pendor esquerdista. Que mais teremos de enfrentar?»

Setembro de 1965
«Uma última noite em Bona antes do avião para Frankfurt e Lisboa. Encontro de novo num jantar privado o homem da indústria alemã, Fritz berg: "Em África, vocês, a Rodésia e a África do Sul já ganharam a partida. Sobretudo vocês, portugueses. Agora é uma questão de jeito e paciência". Pergunto aos meus botões: acaso temos nós paciência? Por outras palavras: temos nós visão e vontade?»

Novembro de 1966.
«Marcelo Caetano terá dito ao Rebelo de Sousa, que o relatou a Salazar, que se considerava um salazarista aposentado, e que, embora salazarista, discordava de quase tudo o que se tem feito. Comenta Salazar: "Estou farto de críticas e discordâncias que não apresentem ao mesmo tempo sugestões concretas sobre o que se deveria fazer para substituir o que está mal. Dizem por aí que os ministros são umas bestas, que eu não compreendo já nada e estou velho, que só faço disparates, que sou tonto em pensar que nos deixam ficar em África; mas ninguém me diz o que se deve fazer em vez do que se tem feito. Estou pronto a seguir outra ideia se me disserem qual, e se me provarem que é melhor para os interesses nacionais do que aquela que temos seguindo". havia amargura clara no tom de Salazar, e como que resignação perente um destino; e muita calma e tranquilidade. "E acredite", continuou, "que há pessoas, altamente colocadas e que são pessoas nossas, que defendem o ponto de vista de que o melhor é entregar o Ultramar, não acreditando que isso equivale a entregar Angola e Moçambique às forças imperiais»:

- Franco Nogueira,  "Um Político Confessa-se (Diário: 1960-1968)


É um dos mitos mentirológicos mais roncantes: Que Portugal tinha que sair de África porque os ventos da história o obrigavam. Porque os outros já tinham saído. Porque as potências frito cozido e coiso e tal.
Bem, se os países andam ao sabor das ventosidades históricas (que significam algo entre nada e coisa nenhuma), então Portugal nunca teria, em primeiro lugar, saído da Europa, nem ido a lado nenhum. Os outros também não teriam ido, atrás de Portugal. pelo que todos estariam dispensados, mais tarde, dos cuidados e trabalheiras do retorno.
Ora, se Portugal não foi para lá atrás dos outros porque haveria agora de regressar de lá atrás deles? Hoje, temos condições para aquilatar do resultado das políticas "maria vai com as outras ou maria quer ser com as outras", e do buraco descomunal onde conduzem. Aqueles que não querem ver, a realidade, cada vez mais atroz, há-de acabar por obrigá-los. E depois, aquilo que não fazemos em liberdade e na defesa dela, acabamos por ter que fazer forçados - pela necessidade.
Quando fomos grandes na história foi precisamente quando não andámos atrás dos outros, mas à frente. E se algo sempre nos distinguiu, no auge da nossa epopeia marítima, foi o ser capaz de navegar à bolina, ou seja, de singrar contra o vento. O vento da realidade e dos mares, o vento concreto e imenso, e não apenas as ventosidades estrepitosas dos títeres do instante a ferver. Mas claro, para qualquer liliputo embasbacado, um peido de gigante faz as vezes dum ciclone devastador.

terça-feira, novembro 27, 2012

Descolhonização - 3. A Pesada herança




«A cana sacarina e o açúcar foram, afinal, a grande fonte de financiamento dos Descobrimentos, pelo menos até se dobrar o Cabo da Boa Esperança.»
- José Mendes Ferrão, "A Aventura das Plantas e os Descobrimentos Portugueses"

Antes de falar do mosaico étnico vastíssimo que constitui o Ultramar Português, falemos da alimentação desses povos, à altura da Guerra do Ultramar (ou Colonial, para os amigos do alheio); e a mesma, que, de resto, se mantém até hoje. É essencial para confrontar com o mito que andámos lá quinhentos anos a pilhar e a molestar os bons selvagens deste mundo.

Em Angola, as duas bases da alimentação são, a centro/sul, o milho; a centro/norte, a mandioca. Quem já não ouviu falar no fungi ou no pirão? Coisas indígenas? Negativo. O cultivo de ambos, mandioca e milho, foi introduzido pelos portugueses, que para lá levaram as plantas, nas suas naus, vindas da América do Sul (Brasil, pois). O café? Foram os portugueses. A cana-do-açúcar. idem.  A manga, o ananás, o tomateiro, a batata doce, a batata, os citrinos, o feijão, o coqueiro, o caju, o abacate, o cacau, a papaia/mamão, a fruta-pinha, a bananeira, o tabaco, o amendoim, também, imagine-se. Foram os portugueses. Que gente malfazeja! A famosa rainha Ginga, símbolo  da história africana da actual Angola de pechisbeque e heroína nacional dum país da tanga era a feroz rainha dos Jagos. Uns tipos bestialmente autênticos, que grassavam ali pelas áreas de Malange e abominavam saladas: eram canibais. E os maiores  caçadores e traficantes de escravos da região. Mais um caso típico da opressão hedionda dos portugueses: obrigarem aqueles bons selvagens ao vegetarianismo! As criancinhas da escola rainha Ginga em Luanda, ou os transeuntes da Avenida Rainha Ginga na mesma urbe, regozijam-se hoje com a redenção fetiche do seu heróico  passado, em estado puro,  não poluído nem contaminado pelos tugas abomináveis.

Mas mesmo as galinhas, os porcos e as cabras, enfim, os chamados animais domésticos, suspeito que não apareceram lá por geração espontãnea... Hum, até os cavalos dos Cuanhamas, não sei não.

Na Guiné, refiro apenas as duas principais fontes de alimentação e comércio: o arroz e o caju. Imaginem quem quem lhes forneceu a droguinha...

Em Moçambique... O chá, calculem, o chá! Até o chá!... Miseráveis traficantes. Mais toda aquela panóplia comum a Angola e à Guiné!... Que infâmia!...

Afinal, diz-me o que comes, dir-te-ei donde vens. Ainda hoje, nas capitais das nossas ex-províncias ultramarinas, as elites locais, se as quereis ver felizes e contentes, é apresentar-lhes bacalhau e sardinha assada. Imaginem quais são os restaurantes (e ementas) mais requisitados lá nas neo-nacinhas efémeras: portugueses, calculem.

Independentes? Sim, sim... Continuam colonizados pela barriga..






Fórum Descolhonização - 2. Resistência

A trecho que se segue, como outros subsequentes, pertence a um escrito dum jornalista americano, em visita a Angola em 1966. Antes tinha estado no Katanga (leste do Zaire) e conhecia bem África.

«Primeiramente, penso que o português, ao contráiro de todos os outros Europeus, vive em África da mesma maneira como vivia em Portugal. Se veio a Angola, com a ideia de uma vida melhor, o seu carácter modesto, a sua frugalidade, impediram-no de fazer fortuna. O plantador inglês não se contenta com uma vida medíocre e nunca lhe passaria pela cabeça trabalhar a terra com as suas próprias mãos, como o fazem muitas vezes os Portugueses. Os Belgas, os Franceses, os Ingleses, se não enriquecem todos adquirem pelo menos um certo bem-estar e mesmo economias suficientes para alguns meses de férias luxuosas naEuropa. O Português, em África, desempenha todos os ofícios; é pedreiro, trabalhador agrícola, criado de café, motorista de táxi. vendedor de lotaria até. Nas ruas, crianças portuguesas, ao lado de negros, engraxam os sapatos dos transeuntes ou vendem sorvetes, jornais e artigos de retrosaria. Percorri a África em todos os sentidos mas nunca, em parte alguma, encontrei espectáculo igual. Os Portugueses não têm nada da atitude de grande senhor dos Britãnicos; sem qualquer arrogãncia, contemtam-se com modesto salário que lhes permite viver. (...)
(...)penso também que os Portugueses, quando da revolta de 1961, pegaram em armas não só para defender essa vida modesta mas também por não saberem para onde ir. Deixar Angola, de barco ou de avião, voltar para Portugal, custa dinheiro e este dinheiro, a maioria não o possuía. A explicação não agradará certamente ao amor próprio dos Portugueses, mas continuo porém a acreditar que o seu melhor trunfo é justamente essa modéstia, que os impede de explorar para enriquecer. Em geral, vieram para a África na esperança de uma vida melhor, mas que, na realidade, acaba por ser sempre sem pretensões, simples e frugal.
Enfim, se eles se bateram em Angola, antes mesmo que a Metrópole tivesse tomado uma decisão, é também porque a maioria ignorava muitas coisas, tanto no plano internacional como no plano local. Por falta de informação, não viram provavelmente que estavam a dois passos da catástrofe, que a pressão exterior era considerável e que os negros os haviam surpreendido desarmados. (...)
Julgo que a resistência teimosa no Norte, esse combate desesperado e quase anacrónico, desconcertou os terroristas, revelando-lhes ao mesmo tempo o carácter português. Entre os Negros, encontravam-se muitos exilados que, no Congo belga, haviam assistido ao fácil despegar dos Brancos, à sua resignação. Tinham visto os Belgas abandonar os seus estabelecimentos e lares, senão ao primeiro tiro, pelo menos após alguns assassinatos e violações. Quando, em Angola, defrontaram estes Brancos que, como espingardas de caça ou catanas, defendiam uma cubata como se fosse a sua própria casa, perderam a coragem. Os terroristas tiveram que resignar-se a admitir que os Poprtugueses não eram iguais aos outros Brancos, visto que, mortos ou vivos, queriam permanecer em África.»

 - in "Angola, Chave de África", de Mugur Valahu


«Durante um mês, Portugal e Angola pareceram paralisados e incapazes de agir. Do mesmo modo, os insurrectos foram incapazes de sustentar o compromisso militar. Formaram-se milícias civis e armaram-se africanos leais. Foi esta miscelânea de defesa civil-militar e a sua actividade frenática que refreou o ímpeto da UPA.»
-  Jonh P. Cann , "Contra-Insurreição em África"

Salazar esperou um mês, prudentemente, para ver o que os portugueses no terreno decidiam. Como eles decidiram resistir e ficar, nas circunstâncias horríveis em que outros povos haviam desistido, Salazar fez o que lhe competia: decidiu apoiá-los com tudo o que tinha. Militar e diplomaticamente. Em linguagem simples e militar: não borregou.

segunda-feira, novembro 26, 2012

Narcisocracia (r)


Somos uma nacinha em banho-maria. A derreter em lume brando. Mergulhados numa democracia a todos os títulos engenhosa e notável: temos governos que desgovernam e oposições que se desopõem. Que regime, afinal, será este? Se é democracia, escapa a todos os paradigmas conhecidos: não é popular, nem liberal. Muito menos grega. A chamar-lhe alguma coisa, fora o palavrão que geralmente merece, teremos, por simples amor à realidade, que chamar-lhe democracia autista ou narcisocracia. Um regime em que os governantes se governam e os opositores não se opõem ao governo porque estão muito ocupados a oporem-se uns aos outros. Quer dizer, o governo governa-se a si mesmo e as oposições opõem-se a si próprias.
E o mais espantoso é que em redor deste colossal vulcão de coisa nenhuma, alucinados com a mais diversa ordem de micro-roedores enfezados que a montanha, a cada minuto - pelos interstícios do vácuo - ameaça parir, zumbem e abivacam, todos os dias, sem pausa nem fastio, enxames de jornalistas, comentaristas e blogadeiros, cardumes de politólogos, sociólogos, psicanalhistas e outras excelsas tricotadeiras da palha, cada qual mais buliçosa e compenetrada, na análise convulsiva do Chico, do Manel (agora também Manela) e do Francisco, traduzidos directamente do angolinglês das respectivas eructações, babas e demais decantações, estalactites e alambicagens do momento. Mais que espantoso, é fantástico!
Dir-me-ão que gastar o dia de roda de futebóis é estúpido. Sem dúvida. Se bem que gastá-lo de volta deste circo de abortos, toucinhos e carcaças não é apenas estúpido: é macabro, imundo, necrófago... e grotesco.

domingo, novembro 25, 2012

O 25 de Nevoembro



«O Thermidor de Novembro trouxe de volta os brandos costumes; a extrema-esquerda pagou algumas das contas; o PC ficou, mais discreto, mas onde estava; Ramalho eanes foi o Bonaparte de um Mário Soares girondino, que simbolizaria mais que ninguém, a transição e a III República; Cavaco Silva veio depois desta história (a que já não pertence), para arrumar as contas e os cantos à casa. E foi ficando até Janeiro de 1995...»

- Jaime Nogueira Pinto, "O Fim do Estado Novo e as Origens do 25 de Abril" (Prefácio à 2ª edição)

O PREC durou enquanto tinha que durar. E o 25 de Novembro aconteceu, tarde, mas quando tinha que acontecer. O PC, a troco da impunidade negociada pelo não obstaculizar os acontecimentos, pode retirar-se para uma plácida aposentação parlamentar. Afinal, a sua missão estava concluída. Desde 11 de Novembro que já não havia mais motivo para agitação, efervescência, nem tumultos. Pois;  fora declarada a independência de Angola.
Os "brandos costumes", como diz, e bem, Jaime Nogueira Pinto, regressaram de facto. A extrema-esquerda desmobilizou e aderiu à pastagem  nos partidos do "arco do poder". O PPD pôde largar o marxismo. O PS tratou de meter sossegadamente o socialismo na gaveta. E o intrépido  Eanes tratou de montar plantão a qualquer recaída, digamos assim, menos branda. Sá Carneiro e a espinha dorsal da AD foram pelos ares, curiosamente, no auge duma campanha em que apoiavam um candidato descentrado. Contra Eanes.
Chegou pois tarde demais, o 25 de Novembro, e terminou cedo demais. A ideia entre os "Comandos" não era exactamente assim tão branda.  Pouco tempo depois, Jaime Neves teve a recompensa pelo resgate nacinhal: a título de lhe imporem o curso de generais (subida honra que ele mandou enfiar num certo sítio ao então Garcia dos Santos, CEMGFA (e outra das figurinhas do brando presépio subsequente), foi afastado do comando do regimento perigoso e mandado para a prateleira, digo, reforma. O próprio Regimento de Comandos, antro suspeito e reaccionário, foi também ele sendo vilipendiado e denegrido por toda a espécie de imprensa gaiteira, até à sua extinção nos anos 90.
E assim, todos, com a diluição europédica pelo meio, vivemos muito felizes e contentes até à bancarrota actual. A parede no fim do beco. Ou a luz do comboio ao fundo do túnel. É só escolher consoante a preferência for de índole mais estática ou dinâmica.

Ou pensavam que da árvore da traição frutificava o quê, cornucópias?  Bem, frutificar, até frutificam, mas não são para todos. É só para quem tem a agilidade e afoiteza de trepar.







Fórum Descolhonização - 1. A antestória




Recordo um postal, intitulado a "peste Vermelha". que reflecte uma das pragas que alastrou pelo mundo e influiu fortemente em determinados fenómenos. A nossa descolhonização foi um deles.



«No rescaldo amargo da Primeira Grande Guerra, Max Hoffmann, para alguns o mais brilhante general alemão da época, carpia significativamente nas suas memórias :

«Transportando Lenine para a Rússia, animava-nos o firme propósito de inocular a peste no exército russo; mas não pensámos em como esta praga contaminaria também as nossas tropas, arruinando-as.»

Isto vem de encontro à ideia que, pessoalmente, mantenho do comunismo: uma espécie de sida mental. Uma sida, aliás, em múltiplos sentidos: homicida, genocida, logocida, patricida, historicida, mnemocida, democida e infanticida, especialmente. Foi coisa peganhenta que sempre me causou uma natural e visceral repugnância, o comunismo. Aquilo tresanda a milhas a seita religiosa, daquelas particularmente fanáticas. Eu diria até que o comunismo me lembra invariavelmente aquele filme macabro (não me recordo se do Capra, se de quem) em que um cangalheiro à beira da falência tratava de ir pessoalmente, durante a noite, angariar clientela. Que é como quem diz, ia dar uma mãozinha à mão invisível. Em analogia, o comunismo afigura-se-me como a agência nocturna e tenebrosa do capitalismo. É o seu golem, não duvidem. A sua máquina sinistra, terraplenante. A patorra colectivista que prepara e surriba o terreno para a mão colectora. E um raio me caia já aqui em cima se me equivoco por um milímetro que seja neste diagnóstico... Estão a ver? Não caiu. Ergo...
O caso de Lenine, ademais, é flagrante e paradigmático. Reflecte o método da aranha-lobo: o envenamento corolado de liquefacção como método de conquista. Ou, melhor dizendo, de absorção.
O capitalismo de estado é só o país em anteparo e pousio para o capitalismo da seita.»

Agora reparem, a guerra de subversão que foi instrumental nas diversas "descolhonizações " europeias por esse mundo fora, cumpria uma estratégia. Que pode ser sintetizada em três momentos:
a) A declarada intenção de Lenine de "contornar, isolar e arruinar a Europa pela perda de África";
b) A garantia de Stalin (1947) de existirem "as esperanças e condições para se aproveitarem as possibilidades que as lutas e movimentos nacionais oferecem para a sua libertação do jugo colonial, de tal modo que este smovimentos transformem os países colonizados e dependentes, em reserva da revolução proletária em vez de reservas do imperialismo burguês";
c) A previsão de Mao Tse Tung (1953) "de uma vaga de revoluções varrerá todo o continente africano e os imperialistas e colonialistas serão rapidamente lançados ao mar... uma vez a Ásia e a África separados dos países capitalistas, o continente europeu desmoronar-se-á por completo do ponto de vista económico".

Posto isto, recomendo um exercíciozinho muito simples e nada retórico: constatem em que estado está África e em que estado anuncia estar muito brevemente a Europa.

sábado, novembro 24, 2012

Frases Assassinas - XVI

«Já lá vai o tempo em que estes tipos vendiam rapidamente a alma. Agora, catecúmenos da economia, descobriram que prostituí-la é mais rentável. Devotam-se ao psicoproxenetismo.»

Frases Assassinas XV

Ao contrário do poder, o pudor diminui na proporção inversa do armamento.

In camera caritatis



Num qualquer parque jurássimo, na realidade pré-história ou meramente blogosférica (passe a redundância analógica), o Tiranossauro Rex é um sujeito, não direi benfazejo  nem o contrário, mas seguramente saudável da cabeça. Mais satisfeito e descontraído, será seguramente difícil de encontrar. Em primeiro lugar, porque não guarda ressentimentos contra qualquer outro fulano, herbívoro, carnívoro, omnívoro ou mesmo egovoro.. Afinal, não tem razões para isso. Nem ressentimentos, nem invejas, nem raivinhas impotentes ou quaisquer outros ranços neurasténicos. Nenhuns. Como poderia experimentá-los? Está permanentemente absorvido a recrear-se com a vida e a fauna abundante.  Infelizmente, esta nobreza cristalina, álacre e tranquila do T. Rex não é retribuída pelos outros, com especial destaque para aqueles em que tropeça, pisa ou a quem, ocasionalmente, brinda com a surpresa, sempre jovial, das suas epifanias. Isso, essa não reciprocidade oblíqua tem um nome. Mas não pensem que se chama ingratidão, mau perder, cagufa, ofensa, ronha, ranho, trauma, rancor, ódio mesquinho, ou, enfim, qualquer um desses conceitos e propriedades de carácter menos elevados, tão típicos das reses ultrajadas. Não; chama-se Natureza. 
E  não é democrática... Graças a Deus.


É verdade, meus amigos. Estou de bem com todos. Ninguém me fez mal e não tenho razão de queixa nem doesto de quem quer que seja. E todos os dias louvo a Deus pela variedade, prodigalidade e exuberância da sua Criação.  Mesmo as larvas e os insectos, que já mal diviso nem distingo, mas ainda recordo: que cores, que ruídos, que azáfama buliçosa e agenciadeira!...  Peguem vossemecês num detonador, umas quantas toneladas de trotil, e tentem fazer melhor!...




Mijar-nos-Finados


Caro Ricciardi,

A sua malevolência capciosa  em relação ao Ultramar português é directamente proporcional à sua benevolência ululante e fanzine com o Rinoparaíso da palestina. Às tantas, até parece uma tentativa desesperada de limpar o presente imundo do seu país de afeição ao passado indefeso do seu país de natureza.
Não chega a chutzpah: é mais chuto-no-puto. (o "puto" é como chamam em Angola, desde antes da descolonização, a "Portugal continental")

Mas eu compreendo-o. Como bom contentorista, sente-se no dever de passar manteiga aos hospedeiros.  É um expediente proveitoso que os homens aprendem com alguns insectos hemofagos.

Ninguém aqui se surpreende. Nem leva a mal. Todos sabemos que o "a bem do negócio" pairará sempre nos antípodas do "a bem da nação".

Só coloco uma condição:
os contentores de banha venda-lhos a eles, não nos venha impingi-los a nós.


PS: Já de seguida, e em prelúdio à efeméride do 25 de Novembro, vamos lá então iniciar aqui o Fórum Descolhonização. Começo a estar cansado dum certo Boletim Mentirológico, onde mais que o tempo presente ou futuro, se pretende nebular e deprimir o tempo passado. Já basta de Mentirologia Retroactiva.
E para quem não admite que belisquem ou revisem o passado deles, sob pena legal, é muita a prontidão e desfaçatez em largar bosta e lápis azul no passado alheio. "Mija-nos-Finados", definia lapidarmente mestre Gil Vicente.



sexta-feira, novembro 23, 2012

Frases Assassinas - XIV

Os mesmos que se contentam em ter por nação uma nacinha, também aceitam por explicação qualquer explicacinha.

quinta-feira, novembro 22, 2012

Explicação sucinta do regime

Um tipo que tem vários cargos ou empregos, necessariamente tende a ter também igual número de carros, de amantes para passear nos carros, de viagens e mariscadas onde se refastelar com as/os amantes. É uma reacção em cadeia, pois é; ou efeito dominó, se preferirem. 
Concomitantemente, as férias, período essencial para tais folguedos, obedecem a matemáticas similares: se um gajo com um emprego, em regra, tem direito a vinte dias úteis de férias por ano, ou coisa que o valha, um outro mamífero que aufira de dois empregos tem direito a quarenta; e um papa-tachos de grande envergadura, com dez cargos/empregos em simultâneo e outros em stand-by, goza, pelo menos, duzentos dias em cada ano, fora os feriados, domingos e baixas por doença fictícia. Quer dizer, um tipo com dez empregos, pura e simplesmente não trabalha nem produz. Ou seja, quanto mais cargos/empregos tem, menos faz. Sendo certo que quanto menos faz, melhor vive, mais considerado, condecorado e invejado é  O que nos recambia ao primado necessário e suficiente da nossa economia: Entre nós só trabalha e produz alguma coisa quem não tem nada de inútil ou supérfluo para fazer.

quarta-feira, novembro 21, 2012

Mutualismos (ex)terminantes

Em zaragatas entre tribos árabes, como aquela que decorre sempreviçosa ali para as bandas da Palestina, decidi adoptar rigorosa neutralidade. Como é universalmente sabido, aquela gente - entenda-se os Autóctones (assim denominados porque acusam os outros de alienígenas) e os Autoclismos (assim denominados porque pretendem limpar nódoas no seu mapa) não diferem nem na qualidade, nem na vontade, nem na finalidade - diferem apenas nos meios. Matam-se uns aos outros, recorrendo a todo o ódio, brutalidade e  terrorismo de que são capazes.  Simplesmente, aqueles que têm mais meios, matam mais. Como a desproporção é gigantesca, o balanço final é invariavelmente desiquilibrado. Se por algum acaso do destino, houvesse equivalência de meios, não tenho dúvidas que se entregariam de corpo e alma ao extermínio mútuo. Empreendimento que consumariam em três tempos, caso ninguém os detivesse. Da forma como as coisas estão, só os Autoclismos pensam seriamente em formas sofisticadas e engenhosas de exterminar os outros; estes, por enquanto, estão numa fase bastante mais atrasada: envidam ainda denodados esforços para conseguirem meios e engenhos que, por seu lado, lhes permitam começar também a pensar   seriamente no extermínio alheio.
Atá chegaram ao olho por olho ainda vai demorar. Por enquanto ainda vão no olho por família inteira, habitação e quintal..
Isto, ao contrário do que a superficialidade julga, favorece os Autóctones. Vão endurecendo cada vez mais. Ao contrário dos Autoclismos: viciam-se a bater em desgraçadinhos, isto é, a degradar meios militares em acções de polícia interna, pelo que um dia destes (como, aliás, já se viu da última vez contra o Hezbollah) quando tiverem que enfrentar exércitos a sério correm o sério risco de estar minados e amolecidos pela facilidade, a arrogância e a poltranice.
Mas como entre aquela gente parece que a hubris, vulgo chutzpah, é entendida como uma virtude, só hão-de parar dentro do abismo.


terça-feira, novembro 20, 2012

A Odisseia da Demagogia



Falemos agora de demagogia. Actualmente, a palavra tem uma cotação extremamente negativa. Taxar um adversário de demagogo" é desqualificá-lo perante a "academia" (entendendo-se aqui "academia"como o círculo de fazedores profissionais da opinião publicada). Os dicionários também não são meigos. O de sinónimos, por exemplo, nem vai de modas e a demagogia justapõe anarquia. Dum modo geral, a demagogia, conforme nos dias de hoje é arremessada, subentende "facilitismo", "embuste" ou"bajulação do povo".
Todavia, na origem, que é a mesma de democracia, ou seja, na grécia antiga, demagogia significa "condução do povo"; tal qual democracia corresponde a "poder ou decisão" do mesmo sujeito. Demagogos famosos foram Péricles, o seu rival Tucídides, e Demóstenes, entre outros. A descrição da fórmula de governo de Péricles por Tucídides, segundo Plutarco, é sugestiva: "uma espécie de aristocracia, à qual se dava o nome de governo democrático, mas que, de facto, era uma verdadeira monarquia na qual só o primeiro dos cidadãos exercia a autoridade". É mais que evidente,  mesmo para o leitor mais distraído, que qualquer semelhança disto com os nossos actuais primeiros-ministros não é pura coincidência: estamos de facto perante pseudo-monarquiazinhas a prazo.
Ora, os atenienses, sobretodas as paixões, estimavam a oratória (cuja ciência, a retórica, já que falamos nisto, anda tão mal vista nos dias de hoje quanto a demagogiia; não raras vezes, circulam mesmo geminadas). Daí a seu gosto colectiva pelos tribunais e pelo teatro, locais, por excelência, do rhetwr - o orador público, o homem de estado, o esgrimista da eloquência. Antes da sua capacidade comprovada de administrador dos negócios da polis, a Péricles, foi a sua eloquência que lhe permitiu conquistar a primazia política e as prerrogativas do demagogo. Claro que a eloquência sem posterior, prévia ou acompanhante solércia prática não bastava. Diz o mesmo Plutarco que de modo a restringir o poder  do Areópago, Péricles terá conquistado os favores do povo "distribuindo dinheiro aos cidadãos pobres para assistirem aos espectáculos e aos tribunais, fazendo-lhes muitas outras concessões à custa do tesouro público". É evidente que também nada disto é estranho aos dias de hoje. Pelas categorias actuais, Péricles teria sido mesmo, neste particular, uma espécie de demagogo proto-socialista. Mas quem nos dera que todos os nossos demagogos eleitos, juntos e por atado, chegassem aos calcanhares de Péricles.
Em todo o caso, tudo isto para apenas expor como mesmo naquele tempo a demagogia não consistia própriamente numa virtude angélica. O que não havia era a sonsice, a hipocrisia e (como adiante veremos) a manhosice retórica que há hoje. Os vícios já existiam, salvas as devidas proporções - ao acto de distribuição de dinheiro do tesouro público pelos cidadãos chama Plutarco de "corrupção da multidão";. Platão e Aristóteles perdurarão pelos tempos em denúncia desta perversão oclocrática da democracia, ou seja, desta oportunidade de manipulação das multidões como um dos perigos inerentes ao governo democrático ( e donde o próprio Platão extrairá até o famoso aforismo: "A tirania é filha da democracia" -, mas a demagogia não era propriamente um kit descartável conforme a conveniência, que se usa e abusa, durante a época eleitoral, como trampolim desenfreado e, uma vez no poder, como tabu hermético às negociatas de estado, labéu inibidor à critica externa e, em geral, estratagema 32 para todos os efeitos. Quer dizer, Péricles foi sempre um demagogo. Antes do Poder e durante o seu exercício. Era ele o condutor do demos e nem por sombra, ou chicana, abdicar dessa responsabilidade, dessa fama e honra. Tal qual Demóstenes, que,  depois dele, personificará o demagogo em combate pela independência e dignidade de Atenas contra Filipe da Macedónia. Mais que vícios e virtudes, há, assim, uma dignidade superior e simbólica no demagogo antigo: ele é o porta-estandarte da polis, sendo que a bandeira maior desta é a palavra. Por isso ele é o porta-palavra, o primeiro e o mais proeminente nas fileiras da língua grega e, por inerência, da Civilização (esta, em contraposição à barbárie - por essência, tudo o que não pertence à Hélade, isto é, tudo o que não enfileira sob o estandarte da língua grega). Tanto que Filipe receava mais a palavra de Demóstenes do que o exército ateniense própriamente dito - afinal, é a palavra que acende a alma de um povo e é a alma deste que o transporta ou não à superação na batalha. Ou à resistência contra o invasor. É a palavra que conduz. Que congrega, Que inflama e encoraja.
Ora, a nossa sórdida actualidade rasteja nos antípodas disto. A eloquência do demagogo, além de sórdida, raquítica e invariavelmente de aluguer, obedece a épocas de abertura e fecho, como a caça. Em período eleitoral, vale toda a demagogia possível e imaginária. Os candidatos ostentam-se e proclamam-se como os ecos vivos, os pimpolhos dilectos, os enfermeiros de serviço, os condutores pressurosos, encartados e diplomados da multidão, do demos em apuros. Ei-los que prometem, assumem, contratam, juram, afagam, bajulam, adivinham, radiografam, anestesiam, profetizam e lambuzam. Mas logo que trepam ao poder, à assembleia, ao cargo, eis que renegam, esquecem, sacodem, ignoram, desprezam e repudiam para longe de si, para imensamente abaixo de si, essa turba suja, acéfala e desqualificada que é o povo, a plebe doravante destituída, com severidade, de todas as sumptuosas dignidades do eleitorado. Pouco confiança nessa turba!  Vade retro, porca res! Completamente incapaz para decisões importantes acerca do seu destino. A demagogia serve apenas de rampa de saltos; uma vez no pseudo-troninho a prazo, os eleitos não são mais demagogos: são semideuses. Nenhuma responsabilidade os liga mais aos governados, nenhuma solidariedade, nenhuma comunidade, nenhuma honra especial e, sobretudo, nenhuma espécie de simpatia. Agora, não lhes compete conduzí-los, mas mandá-los (às urtigas, especialmente). Representá-los? Nem a brincar!... Sobrevoá-los, isso sim. Sobrevoá-los, descartá-los, desconhecê-los  e, quando muito, borrifá-los a partir dos céus olímpicos, com raios fiscais e decretos trovejantes. 
Referendo sobre a entrada para a CEE? Demagogia!... Referendo sobre a assumpção do Euro e abandono do escudo? Demagogia barata!... Referendo sobre os tratados da União europeia? Demagogia imunda!... Referendo para o pedido de resgate externo, vulgo Troika? Aqui d'el rei, demagogia!...
Toda a clarividência, excelência e quintessência legítima do povo termina na hora da contagem dos votos. No minuto seguinte, olhai o milagre, mirai a relampejante magia: toda ela se transfere, inefavel, para os demagogos eleitos. Por troca, e descompensação, estes, ao assumirem a soberania semidivina, abandonam às massas incautas toda sua precária humanidade e, de brinde junto com ela, toda a sua prévia e excitante demagogia proomotora. De tal ordem, que qualquer expectativa  de condução da coisa pública fica confinada aos governados, enquanto nenhuma perspectiva, vontade efectiva ou responsabilidade disso cabe os governantes. Pelo que qualquer reclamação daquele pressuposto perante estes é descartada através de que fórmula universal? Demagogia, evidentemente. Por exemplo, actualmente, o povo português reclamar pela sua soberania, independência ou futuro extra-hades é demagogia. Como antes reclamar contra os fenómenos , decisões e estratégias que conduziram situação actual, também era, calculem, demagogia.
Notem pois o requinte: Péricles foi demagogo toda a vida. Com erros e glórias, foi sempre ele o indubitável condutor do seu povo. Estes nossos demagogos de ocasião e campanha, só conduzem o povo até às urnas. Depois, a condução do povo (a demagogia) fica toda com o povo - ele que se conduza sozinho e assuma as responsabilidades e sobretudo os défices  até às vésperas do próximo sufrágio. Os eleitos, esses, mal ascendem, passam de imediato à autogogia... Que é como quem diz, à condução, estrita e exclusiva, deles próprios através do néctar e da ambrósia que constitui o dinheiro dos outros e a propriedade de todos. Autogogia, aliás, tanto mais urgente quanto menos vitalícia. Precários possidónimos, enfim.
Quanto à eloquência, nestes nossos vis e apagados tempos, quem pode surpreender-se ainda que descompareça das palavras e da própria língua, e transpareça cada vez mais, embora perversamente, nos actos? Eloquentes, mesmo, só já a miséria, a vacuidade e a traição!...

segunda-feira, novembro 19, 2012

Estratégias e estratagemas (r)

Prosseguirei, brevemente, com um postal sobre "demagogia", que é uma palavrinha, - e ainda mais um conceito - muito interessante (há, pelos menos, 25 séculos)..
Mas antes, convém recordar, de modo a ter sempre  bem presente, uns certos estratagemas...

Segundo Shopenhauer, "a Dialéctica Erística é a arte de disputar, e isto de tal forma que se tenha sempre razão -por qualquer meio".
Ora, para se ter sempre razão, por qualquer meio, o grande filósofo pessimista expõe uma série de estratagemas - trinta e oito, mais precisamente. É para o "estratagema 32" que chamo a vossa especial atenção. Passo a enunciá-lo:

«Uma alegação adversa do oponente pode ser rapidamente eliminada, ou pelo menos tornada suspeita, colocando-a numa categoria execrável, ainda que tal ligação seja somente aparente, ou mesmo vaga: por exemplo, "Isso é maniqueísmo, é arianismo; isso é pelagianismo; isso é idealismo; isso é espinosismo; isso é panteísmo; isso é brownianismo; isso é naturalismo; isso é ateísmo; isso é racionalismo; isso é espiritualismo, isso é misticismo", etc. Ao fazer isso, assumimos: 1) que a alegação em causa é efectivamente idênctica a tal categoria, ou está pelo menos contida nela, e bradamos então: "Oh! Já se sabia!", e 2) que tal categoria está totalmente refutada e não pode conter um único termo verdadeiro.»
Este estratagema, escrito em 1830, é, como já devem ter reparado, muito requisitado nos nossos dias. Mais concretamente, vê-se esgrimido ad nausea, a maior parte das vezes sem qualquer pudor ou honestidade. Basta actualizar a lista de "ismos" e adicionar-lhe o "fascismo", "comunismo", "nazismo", "catolicismo", "salazarismo", "nacionalismo", "machismo", "anti-semitismo", etc, etc, e algumas "palavras terminadas em "fobia". As novas minorias iluminadas e totalitárias, à semelhança das antigas, apoderam-se do aparato da propaganda e lançam-no, ferozmente, em campanhas ininterruptas de extermínio de qualquer crítica ou, sequer, dúvida.


A ideia de que o mundo progride é ilusão das mais delirantes. O mundo não progride: chafurda. Geralmente, nos mesmos erros, vícios e filha-da-putices atávicas; e soberanas.


domingo, novembro 18, 2012

A Omnipotência da tripa




Em 74, todo o passado era mau. havia que terraplenar e construir tudo de novo. Inventou-se um Fascismo que nunca tinha existido e um "fascismo nunca mais" que serviu de protodetergente para a lavagem cerebral subsequente.
Em 2011, todo o passado estava inçado de vícios e quistos tumefactos. Havia (e há) que arrasar e construir tudo de novo. Inventou-se um Socialismo - que, de todo, durou os 17 meses necessários à liquidação ultra-rápida do Império e ao assalto partidário à economia, (assalto que prosseguiu nos anos seguintes até à presente data) -  e nunca mais se viu, sendo substituído por um mercantilismo empolgado, um olimpismo gestor e um consumismo desenfreado, a crédito e a subsídio externos, para não dar muito trabalho. Do "fascismo nunca mais" dos anteriores antifascistas de imitação, temos agora  o"socialismo nem vê-lo", dos neo anti-qualquer coisa de conveniência.
À presente data o socialismo é uma coisa tão vulgar e opressiva que o único partido que ainda o defende, o Partido Comunista, é taxado por todos os outros, e respectivas resmas de apaniguados, de "fóssil", "dinossauro", "jurássico", etc. Dá para orçar da influência e pregnância socialista na direcção dos negócios da nacinha.

Toda esta gente, bem no fundo, padece apenas dum mal das tripas -dado que neles o aparelho digestivo é mais complexo que nas pessoas normais, fazendo o cérebro parte crucial dele, na forma de tripa superior, ou intestino grosseiro -, que se resume num nome simples:: estrangeirite. Se o resto da europa tinha tido, nós também tínhamos que ter. Fascismo, claro. Se os outros partidos comunistas se tinham coberto de glória na luta contra a besta fascista, era imprescindível que eles não ficassem à parte na hora do desfile triunfal. E assim, da noite para o dia, em patrocínio da farinha Amparo, o país amanheceu não apenas inundado de socialistas, comunistas e social-democratas efervescentes,  aos molhos e aos saltos, mas, todos eles, com kit  e curso anexo de antifascismo instantâneo e, em muitos casos, por correspondência. Ou mera osmose manifestante.
Este antifascismo de alguidar continua presente nos actuais anticoisos, só que reforçado agora dum anti-socialismo belicoso de ocasião. Porquê? Porque pertence ao passado, o putativo socialismo, e como lhes compete varrer e romper com todo o passado, urge obliterá-lo sem dó nem piedade. E mesmo que já não exista enquanto realidade, mas apenas enquanto fantasma, trauma ou resquício, isso só amplifica a urgência e o alarido extirpador.  Em nome de quê? Já nem se percebe bem. Qualquer coisa que há lá fora, qualquer receita estrangeira. Tanto melhor quanto agora, mais que copiada estupidamente, até é imposta e administrada pelos próprios estrangeiros. E  nem já a crédito, ou engodo, como a desbunda anterior, mas a descrédito, e por castigo de todos os pecados colectivistas, como manda a boa prática sado-masoquista. Do Portugal SA, passamos assim, sem transição nem anestesia, ao Portugal S&M.
Mas o paralelismo destes anticoisos, tudo o indica, tanto quanto perversamente emulador, é retardado: se lá fora tiveram a queda do muro, nós também temos que ter. Toca pois de inventar um muro cá dentro. Para quê? Ora, para derrubar o muro! O muro de betão e asfalto em que delapidámos fundos, abichámos comissões e esfalfámos orçamoentos? Não, o muro do socialismo imaginário e requentado que nos sitia; o muro de fantasia que nos bloqueia; o muro da independência frágil que resta. E se, a pretexto do muro, vai o que resta da economia, isso, como aos seus antecessores a pretexto do fascismo, não os aflige nem minimamente incomoda. Bem pelo contrário, inebria-os e fortalece-os... Arruinados poderemos sempre viver, atrasados é que não. Nunca!
Quanto ao resto, a mesmíssima coisa: Os antifascistas da farinha Amparo, adiantados mentais de 74, consideravam que a a destruição do Portugal Ultramarino era excelente para a economia, maravilhoso para o povo e apaziguador para o estrangeiro (no fundo fazer parecer-nos bem ao estrangeiro é sempre o mandamento principal, senão único, destas dispepsias peregrinas). A ideia dum estrangeiro camarada, solidário, logo depois recauchutada num estrangeiro comunitário, prodigalizante, financiador nunca mais deixou de presidir à mentalidade vigente e, por encharcamento, à grande maioria da populacinha.
Os anticoisos esquisitos, avançados mentais da hora presente, também estão imbuídos da convicção plena que para fazer a economia crescer é imprescindível primeiro reduzi-la a quase nada. (É consabido que crescer a partir de quase nada é bem mais fácil e provável do que crescer a partir do que quer que seja em dimensão apreciável. Do nada fez Deus o universo, e do zero qualquer unidadezinha que seja bota figura. Aliás, quando o crescimento no 1º mundo se torna proplemático ou periclitante, nada como regredir o país ao terceiro para vê-lo ganhar balanço e trampolim). E também arvoram a sublime credulidade toinarenga de considerar o FMI como amiguinho  a Troika como instituição benemérita de índole angelical, cuja única e solene preocupação é a nossa recuperação, saúde e bem estar. De modo que obedecer-lhes cegamente não chega: há que transcendê-los e surpreendê-los com toda a panóplia abracadabrante da nossa própria auto-flagelação, subserviência e capachismo. Todo o país deve assim fervilhar de assimilados fervorosos,  compenetrados e prontos para a redentora assimilação externa, desta vez, reza-se e espera-se, final  e definitiva. Isto lembra um pouco um tipo cercado de canibais que entende que barrar-se de manteiga, limão e molho picante, acrescido duma maçazinha na boca, é a melhor forma (mais: a única!) de apaziguá-los e concitá-los à fraternidade humana. E é o resultado da infantilização e da efeminação - ou seja, da imbecilização-, da política nos últimos cinquenta anos. O espaço sensível em que a visão do mundo foi usurpada pela televisão do mundo.
Ora, tudo isto implica mais uma consideração óbvia: é que esta gentinha iluminada, do Prec I como do Prec II, (chamem eles ao "r" o que quiserem: revolucionário, reformador, refundador, a real PQP!), partilham igualmente de outra idiossincrassia exuberante: ao mesmo tempo que idolatram qualquer nuvem no Além-fronteiras, esse acto nunca excede uma idealização e fantasia suas. É invariavelmente a cegueira mais clamorosa à realidade desse modelo estrangeiro - ontem, das uniões soviéticas e paraísos socialistas, onde, por exemplo, Staline matou mais comunistas do que o próprio Hitler, que fazia disso imperativo categórico -, e hoje, dos FMIs, Agências de rating, Alemanhas, Américas e até, pasme-se, já das próprias Angolas. De repente - aliás, por tradição, isso sim -, o mundo está replecto de santidade, perfeição e melhor das intenções, desígnios e oportunidades: basta passar a fronteira. Mas o mais indecoroso, e patético, é que estes adoradores do longínquo, estes amázios manteúdos do Outlook, tanto quanto duma cegueira selectiva, são acometidos e avassalados por uma amnésia histórica. Da mesma forma que usam de implacável, esbirra e histérica severidade para com a  histórica do seu próprio páis, votam uma desmemória ou lexívia branqueante absolutas à história do estrangeiro de apetite, cobiça ou afeição. Porque, no fundo, não têm país próprio. As tripas inferiores não deixam, e a superior age em conformidade. Nem país próprio, nem sequer de adopção: apenas de conveniência. A prazo.
É por isso que, ontem como hoje, e acima de tudo, estes despaisanos, estes expatriados a juros,  a quem a tripa serve, simultanemante, de alma, de ego e de cordel para irem a reboque da caravana circense da moda, outra vocação, ocupação e desplante não exibem senão o rosnar, ladrar e, por qualquer outra forma arrotante e pesporrente, desvalorizar, despromover ou menoscabar Portugal e os portugueses. 
O Prec I (e o Pós-Prec) serviram para desmantelar o Império e arruinar a Nação. Este Prec II, se o deixarem, vai liquidar o país.. E não se iludam nem se auto-embrumem: como o anterior, não está apenas na rua: está, sobretudo, no poder.
É que a tripa de suíno não induz apenas ao omnivorismo: induz mais ainda à omnipotência.


sábado, novembro 17, 2012

Os Representantes do povo



Por enquanto é só a escumalha-infra a atirar pedras à polícia de intervenção, e a polícia de Intervenção, como lhe compete, a varrer à cacetada a excursão lapidadeira. O episódio encheu de satisfação a escumalha-supra. De dentro dos edifícios guardados pela polícia, vai sentir-se (auto)estimulada a continuar a catapultar pedregulhos e baldes de excremento sobre toda a gente, a polícia incluída.
Chegará o tempo em que a polícia hesitará. Não em carregar sobre a escumalha-infra, que isso é sempre algo que faz por prazer; mas em subdividir-se e carregar stambém sobra a escumalha-supra, bem mais criminosa e reincidente que a sua projecção infra. Ou seja, virá o dia em que a polícia ponderará se ao prazer não competirá também adicionar o dever.
 É que há os que querem destruir as instituições a partir do exterior e os que as vêm minando, carcomendo e desacreditanto por dentro. Na verdade, trabalham em conjunto: os de fora acolitando e sacristando os de dentro. 
Neste recente episódio, ficou cruamente patente todo o regime de falsa-representação que impera e estrangula o país: os representantes do povo não estavam no hemiciclo nem, tão pouco, nas farisaicas transumâncias sindicais - estavam sob a farda da polícia.

E nunca esqueçam. as escumalhas-infra de hoje serão sempre as escumalhas-supra do amanhã. Pensem no Durão barroso, por exemplo.
Pelo que não adianta espancá-los na sua fase juvenil se depois, na fase adulta, acabam a venerá-los e entronizá-los, com todos os regalos e mordomias. 

sexta-feira, novembro 16, 2012

Uma Questão de Sobrevivência

Há um ano atrás, dizia eu do actual governo aquilo que mantenho, transcrevo e culminarei hoje apenas duma pequena adenda (como se verá)...


A demissão do actual governo não é, em bom rigor, um caso de política, como se pretende fazer crer: é um caso de polícia. Mas não apenas do actual - o precedente, mais o precedente do precedente, a somar ao seu antecessor e a culminar, em retroactivo, ao Kavaquistão (já para não falar nos anteriores) - todos eles foram casos de polícia. O estado actual das contas públicas atesta-o soberanamente. O estado actual do património nacional revela-o às escâncaras. O estado actual comatoso do ex-Estado português brada-o aos quatro ventos!
Aliás, nem caso, nem crise - política? Rigorosamente nenhuma. Apenas de polícia.


De resto, os putativos políticos outra coisa não fazem, nem têm feito ao longo destes anos, que convocar a polícia. Esta, porém, assim como a política genuína, séria, consequente, não se avista nem comparece. A nossa desgraça, por isso germina e floresce dessa dupla ausência: de política e de polícia. Tanto quanto do excesso galopante, triunfante e imperador dos seus contrários. Se apenas nos faltasse a política, mas nos acudisse a polícia, ao menos ainda haveria esperança. Ou se nos desfalcasse a polícia, mas nos valesse a política, sempre se poderia emendar o desfalque. Mas assim não. Sem política nem polícia, penamos sem esperança nem emenda. Sem política nem polícia, ficamos à mercê da contrafacção mixordeira de ambas, reféns sob inapelável sequestro do capricho, do apetite, em suma, da venalidade aleivosa de falsos políticos e falsos polícias. Falsos políticos que não nos representam por inteiro, mas apenas nos nossos defeitos e desqualificações; que não nos estimulam para nada, a não ser naquilo que temos de mais baixo e desprezível; que não nos guiam a lado nenhum, a não ser no caminho para o estrangeiro, para a servidão e para a penúria. Falsos polícias que não nos defendem, nem protegem; que não guardam nem investigam. Mas apenas defendem, e protegem, e guardam pretorianamente a falsa política. Mas apenas acolitam à missa negra onde o erário e a fazenda pública são imolados, sem dó nem piedade, aos ídolos tenebrosos da situação. Mas apenas zelam pela tranquilidade do latrocínio instituído e pela segurança comilona do cancro transplantado. Da falsa democracia, da falsa política e da falsa administração, que não servem à polis nem aos seus cidadãos, mas apenas se servem - abusiva e ferozmente - deles. Donde resulta um estado hipertrofiado e autofágico que devora o país; administrações burgessas e africanizadas que se locupletam e refastelam nas empresas; militares castrados e obedientes com mais amor à promoção do que à Pátria; e uma miríade de palradores, mais ou menos escritos, publicados e embrulhados, desatados e untados numa vaselina multiusos de importação, para lubrificar o mega-supositório (mais ou menos instantâneo, mais ou menos recorrente) com que se auto-empalam e, simultaneamente, com o maior escarcéu e espavento possíveis, se expõem à curiosidade pública e à estupefacção do incauto. Afinal, nada como o enxame da falsa informação para nos atestar dos poderes estupefacientes da contrafacção.


Em resumo, não nos promove nem melhora a falsa política: esbulha-nos, desanima-nos e confisca-nos sòmente; como não nos defende a falsa polícia: vigia-nos e ameaça-nos apenas. Não sendo política, de todo, a crise, é, sobretudo e até mais que moral, existencial. A questão íntima que se coloca doravante a Portugal, depois da abdicação forçada de império, é saber se se resigna a esta Liliput rilhafolesca em que pretendem interná-lo.


Seremos, infelizmente, tudo isto que nos torpedeia, intoxica e auto-mutila; mas não somos apenas isto. Nem podemos consentir que nos reduzam a tal. Sob pena de mais valer um maremoto ou super-furacão que nos varra duma vez por todas da face do planeta. Sempre era mais digno e meritório ser varrido pelo Mãe Natureza do que por uma chusma coleoptérica e concertada de burocratas, moços de frete, macacos de imitação e parasitas profissionais. Disse.

E apenas acrescento, ou melhor, reforço, passado que está mais este ano: A remoção deste desgoverno já não se trata apenas duma questão de polícia, de higiene ou, tudo bem ponderado, de justiça: é já uma questão de sobrevivência.
Parafraseando Sexby: "aquele que se arma contra todos, arma todos contra si".



quinta-feira, novembro 15, 2012

Efeito Relvas



O Pseudo-primeiro Passos proclamou hoje aos perplexos  que Portugal é um país de sucesso. E um dos mais eloquentes e empolgantes sinais disso terá sido a proeza maior e recordista do actual governo (vá, não riam):  Conseguiu  perfazer em ano e meio aquilo que a Troika julgava apenas possível em seis anos. É o chamado Efeito Relvas. Só pode. Um catalizador pantaficiente e ultracondensador que permite ganhos de tempo inauditos. E ainda há quem duvide da mais valia que é ter um verdadeiro Ministro knorr-knorr destes ao serviço da república!...
País de ingratos e míopes!

Grândola Vila Mulata



Os alemães metem dinheiro no (des)governo e respectivos funcionários de mão. Os angolanas, tudo o indica, andam a meter dinheiro no PC e satélites (eventualmente até andarão de concílio com os anafados e grotescos capitinhos de Abril,em neo-conselho da revolucinha). O desgoverno instalado, na essência e fito, não diverge do desgoverno reclamado nas ruas Ambos apostam na degradação e desarticulação final deste país, de modo a uma aquisição e controlo facilitados daquilo que interessa e que ainda resta com interesse estratégico. Os manifestantes que, na rua, por masoquismo, contumácia, amnésia ou mera adolescência, insistem em cantalgar o "Grândola Vila Morena" deviam pensar nisto, nesta joint-desventure sob patrocínio externo. Depois, se ainda lhe apetecesse a cantiguinha, ao menos em atenção ao congresso Angogermano actualizavam a coisa e cantavam "Grândola Vila Mulata".

Entretanto, as pessoas de bem deste país deviam pensar seriamente em ultrapassar esta armadilha do esquero/direito op dois. Essa ordem unida do desastre já todos temos mais que obrigação de ter visto onde conduz  - a lado nenhum, ou seja, à catástrofe, à miséria e, finalmente, à extinção do próprio país enquanto nação independente.
As pessoas de bem deste país não são as pessoas desta ou daquela classe, deste ou daquele partido, desta ou daquela facção, regime, região ou extracto. As pessoas de bem, dito muito simplesmente, são todas aquelas que estão fartas e cansadas deste mal maior que se tem instalado, ininterrupta e viciosamente, a conberto dum mal menor. 
O povo unido é pesado, embrulhado e vendido, quanto mais vencido. 
Portugal unido é que jamais será vencido!
Portugal unido jamais será vencido! - Gritem isto e ajam de acordo a isto. Duma vez por todas.  Porque a hora está a chegar!

Ou então calem-se, chorem, deixem-se morrer, ou cantem o "Grândola Vila Mulata, morena, loira oxigenada, ruiva, ou o que à cabeleireira da moda aprouver". É irrelevante.

quarta-feira, novembro 14, 2012

Sinopse de um editorial



Um  escriba mandado do pasquim oficial do MPLA traveste-se de Aquiles e arremete, de cabeça baixa, contra os corruptos tugas por falta de solidariedade e cortesia para com os seus congéneres tropicais em casta e metropolitana peregrinação. Demandavam, ao que parece, Fátima, onde seriam canonizados, e alguém - preboste, táxista ou procurador - lhes fanou, ou tentou fanar os terços. as condecorações e o relógio. Tudo isto num obscuro vão de escada, onde teriam sido conduzidos ao engodo e a pretexto duma cachupa maçónica.
  
Frases a reter:
1. «Inveja foi o combustível que alimentou os beneficiários da guerra colonial.» Sim, e petróleo e diamantes são o combustível que empanturra os cleptocratas jactantes  da Angola neo-colonial.
2. «Nós somos Aquiles! » - Modéstia do avilo. Qual Aquiles, qual carapuça: são Zeus! Zédu prós amigos.

Moral da história: o furúnculo tanto incha, que um dia destes rebenta!...

O verdadeiro Défice





Não sei se já repararam, mas a moral, para certas pessoas sofisticadas cá da paróquia oscila entre a doença bipolar e a erupção cutânea. Fases de euforia e borbulha inflamada cedem lugar a períodos indolentes de prostração mortiça e pele cremosa e macia. Inesperadamente (ou nem tanto), o gafanhoto exaltado e ribombástico transforma-se em baba senil balbuciante. Baluartes da moral e dos bons princípios da governação que atroavam as ciber-avenidas com furores, anátemas e abrenúncios anti-corrupção, anti-desgoverno e zurze-venalidade das massas pouco sensíveis aos delíquios das óperas, surgem subitamente metamorfoseados em ténias ministeriais, recolhidas e aconchegadas a uma qualquer nova vaga comilhonária de esperança, propriedade alheia e orçamentos. Razão tinha quem  afirmava: "Os anti de hoje são sempre os neos de amanhã". Senão, em que é que divergem os anti-abrantes de ontem dos neo-abrantes de hoje?

Meditando nisto, e na figura inerme de certos assessores, clareou-se-me o problema da política em Portugal. É uma fatalidade em tudo gémea da economia: uma genuína questão de poupança. Quando na oposição, esbanja, gasta e esgota toda a moral. Devia poupar alguma para quando ascende ao poder.



terça-feira, novembro 13, 2012

Exibicionistas & mirones. Lda



Neste país ressaltam dois tipos de indignados militantes: os que se indignam com tudo; e os que se indignam com nada. Os que se indignam com tudo, qualquer coisa lhes serve, não são esquisitos, a mínima pentelhice  os acende - são os chamados tipos de indignação fácil. Estão sempre em prontidão indignativa, à espreita de qualquer ninharia crocante. Já os que se indignam com nada, geralmente nenhuma coisa concreta os indigna (o país podia ser até invadido por marcianoss em metódica chacina de criancinhas e velhotes só por mero capricho tecnológico, que isso não lhes causaria o minimo espanto, nenhuma revolta e, nem por sombras qualquer  esboço de indignação; afinal, os marcianos eram mais ricos e evoluídos...) - são as criaturas de indignação difícil. E não digo impossível porque, na verdade, há um caso excepcional e único em que se indignam e barafustam ruidosamente: é com as indignações dos anteriores. Estão sempre de plantão, à coca deles, e quando os detectam a indignar-se com qualquer ninharia crocante, rompem de imediato a indignar-se com essa indignação fácil,  ab nihil. Não sei se além de difícil, não será também ciumenta dessa potenciazinha demiúrgica.. Requentada é, invariavelmente.
Há realmente, entre nós, uma direita de conveniência intrinsecamente mirone: passa a vida a espreitar a esquerda. A excitar-se muito com ela. Há nisto qualquer coisa de perverso... Eventualmente, nem se indigna: onaniza-se.


PS: Outra fórmula de definição seria os disentéricos da indignação versus os dispépticos.

segunda-feira, novembro 12, 2012

President' Eco




Ao mesmo tempo que «exorta jovens a recusarem a "resignação e conformismo"», Cavaco Silva, insufla-lhes no espírito uma séria dúvida: "mas temos um presidente ou um eco?"
Um eco duma descomunal cripta tumular. Ainda por cima online...

(...)
No musgo que esverdece
da coluna que não tem;
Malhas que a república tece.
Jaz morto e apodrece
o presente de sua mãe.

É o Blitz, estúpido!...

A chancelera Merkl andou por aí, segundo a imprensa, numa visita -relâmpago. Queriam o quê? Uma visita de trincheiras?... É a chancelera, que diabo! Não é a kaiserina.

Da passagem naturalmente meteórica ficou, todavia, um legado sumarento... A chancelera teve oportunidade de fazer mais um revelação empolgante: que metade da política económica é psicologia. Isto é formidável. Já sabíamos que a outra metade era astrologia, pelo que, conhecedores agora da ciência completa, começamos, por um lado, a perceber porque é que o gasparzinho não acerta uma, e por outro, a não perceber de que raio está á espera o primeiro-Ministro (vá, não riam) para convocar o professor Karamba com o Júlio Murcon Vaz às cavalitas; ou num sofá de rodas, para não ferir susceptibilidades nem causar indignações. 

Mas como é que nunca nos tínhamos lembrado disto? Na verdade, eu até já tinha. Em tempos, estampei aqui que os economistas são bons para criar depressões; mas para rentabilizá-las, para pô-las, enfim, a dar lucro, não há como os psicólogos (psiquiatras, psicanalistas, astrólogos, cartomantes, videntes e assim).

domingo, novembro 11, 2012

Levantai hoje de novo...







As Forças Armadas também  reduzidas ao queixume. Queixam-se que o governo está a colocá-las num beco. Se pensarmos que são as primeiras responsáveis pela colocação do país em hasta, depois a saque e, finalmente, em liquidação geral, de que se queixam, afinal, as Forças Armadas? De estarem a ser conduzidas ao beco? Deviam queixar-se de si próprias. Afinal, até são uns privilegiados, auferem dum certo tratamento deferencial: o restante país está a ser conduzido ao matadouro. Para já, da esperança; depois, logo se vê.
Há uma diferença entre as Forças Armadas (e todos aqueles que passaram pelas fileiras) e o resto da população civil, dos doutorecos às madames-a-dias: é que aqueles, ao contrário destes, juraram a bandeira, juraram defender a soberania nacional e, se necessário, dar a vida pela pátria dos seus filhos e dos seus antepassados. Portanto quando sabotam, quando colaboram, quando desertam do seu dever, a infâmia da cobardia diante do inimigo é agravada da ignomínia da traição e do estigma do perjúrio. Por alturas de 74 ainda existia, e justamente, a pena de morte na lei portuguesa: no código de Justiça Militar. Pelo crime de Alta-Traição. Claro que foi imediatamente abolida. Afinal, a alta-traição tornava-se a ocupação principal da oficialada em obediência doravante, como lapidarmente timbrou António José saraiva, às vísceras e não à bandeira. A Alta, a Baixa, a Média e todas quantas estivessem ao dispor da conveniência do momento e do capricho peludo.
Escutam-se histórias verídicas de timorenses exilados na Austrália, após a invasão Indonésia, que respeitavam a bandeira portuguesa hasteada à porta das suas casas ao ponto de não pisarem a sua sombra. Se a possuissem, os militares portugueses, deviam experimentar o zénite da  vergonha perante esta gente longínqua mas digna. No tempo e na história. Porque a verdade é que a desonra duma bandeira é tanto maior quando é canibalmente perpretada por aqueles que juraram defendê-la. Mas pedir vergonha a quem abjurou a honra   é pedir água a um penedo.
Não compete às Forças Armadas servir Governos - compete a ambos, Forças Armas e Governo servir a Pátria, nesta se consolidando os vivos e os mortos; o presente, o passado e o futuro. Mas o que aconteceu nestes últimos anos foi a perversão mais rasteira e desprezível disso: foi as Forças armadas e os Governos, em regime de necrófagos, a servirem-se do corpo mutilado, exangue e prostituído da Pátria. 
Proclamam agora, em repenicado assomo corporativo, que as Forças Armadas não servem o governo, mas a Soberania Nacional. A última vez que arvoraram assomos destes, varreram, duma assentada, o governo e a Soberania. Agora, se varrerem, varrem o quê? Governo não se avista, apenas desgoverno recalcitrante e revezado; Soberania também não; por conseguinte as Forças Armadas, das duas uma: ou se varrem a si próprias, e não será pouca a mancha conspurcante que varrem (e a valente poupança prós contribuintes); ou varrem coisa nenhuma, que é a soma exacta do desgoverno e da suja subserviência financeira actuais.
Situação absurda e atroz? Sem dúvida. E de quem a principal responsabilidade por este sórdido desenlace? De quem, em primeira instância, o desencadeou: as Forças Armadas, nem mais.
Quem escreve estas duras linhas é um fascista, um retrógado? Fascista é essa  estupidez que vos oprime! Fascista, mesmo, é essa  cobardia que vos tolhe e despotiza! Fascista, absolutamente fascista, é essa irresponsabilidade soberaníssima, essa frivolidade venal, esse bandulho cruel que vos arrastam e escravizam! E retrógado é quem recambia um país de oitocentos anos ao caos, à balbúrdia, ao neo-feudalismo, ao tribalismo sectário, à partidarite devorista e, por fim, à insolvência e à esmola internacional.
Mas já que ostentam a soberania Nacional deviam então saber que a nação está acima de regimes, governos e partidos. E que a patrulha dessa fronteira, a defesa desse imperativo competiam às Forças Armadas. Não, exactamente, dando tiros, mas exercendo a firmeza e influência que evitam esses extremos, tanto quanto golpadas e revolucinhas. Mas que portentos nobres e elevados desarrincaram as Força armadas, no seu momento MFA? Apearam um mau governo e instalaram o governo nenhum, logo seguido do desgoverno crónico. A título da descolonização, a debandanda pusilânime e criminosa. A título de democracia, umas ditadurazinhas a prazo, uma Desunião nacional aos molhos e aos votos, uma demofagia sectóide, um neofeudalismo insaciável! De tal modo que em vez do tão vituperado colonialismo imperial, passámos ao neo-colonialismo doméstico. A título de desenvolvcimento, betão e asfalto,  shoppings e telenovelas, publicidade e propaganda, extermínio da indústria, da agricultura, das pescas, exportação desenfreada de Dívida e,  para condecoração na história, três bancarrotas exuberantes, a últimas das quais e presente, anunciadora da extinção, pura e simples, do país, sem honra, sem dignidade, sem coluna,  sem independência e sem moeda.
Nestes últimos trinta anos a Soberania foi esquartejada, pesada e vendida a retalho como numa loja de secos e molhados. Tudo à revelia do próprio povo - inimputável encartado fora as periódicas, inócuas e cada vez mais despovoadas peregrinaçãos fúnebres (às urnas); pior, à revelia do próprio Interesee Nacional e do Futuro das gerações. E o que fizeram as Forças Armadas nesse tempo todo? Assistiram zombificadas ao comércio. Coadjuvaram pachorrentamnte nos fretes. Serviram a Pátria? Não; serviram de moço de mercearia. Viajaram pelo mundo, do Kosovo ao Afganistão, a entregar cestos de enlatados anglo-saxónicos e, tão pouco, bacalhaus: hamburgueres, hot-dogs, pizzas!... Fugiram da defesa do Império Português para descambarem em cipaios do Império Americano. E nem sequer necessários, apenas folclóricos!...
Pelo que agora aflige-vos o quê? O beco sem saída da vossa insustabilidade? Mas aonde julgáveis que conduzia a alameda festiva da vossa inconsequência, da vossa impostura e da vossa deserção - ao parque de diversões da  sempiterna vida fácil?  
Acordais, finalmente? Retirais  a cabeça avestruza do buraco maravilhoso, onde visões fascinantes vos entretinham, e que fazeis? Cantais "Grandola. Vila Morena". Mais ainda? Não chega? Não basta? Está aí a terra prometida da fraternidade. Dentro do buraco, caras aves corredoras, provavelmente avistáveis o próspero país dos cangurus, lá nos antípodas. Mas aqui fora, à superfície, são trinta e tal anos de fraterndade grandula, ou seja, prosperidade para alguns e a conta do regabofe para os outros todos. Tínhamos ainda alguma esperança que despertásseis alterados, que a ave corredora desse lugar ao homem firme. Que cantasseis o hino, as vezes que fossem precisas, bem alto, até à rouquidão. Sempre o hino! Até que as palavras não fossem meras palavras, mas convocatória aos vivos e aos mortos, ao passado e ao futuro, à vida contra a morte, ao levantamente contra a submissão, à coragem contra o medo, a Portugal, todo, inteiro, justo, para que se erga da lama e do lixo onde foram despejá-lo, para que se levante da vala imunda onde o planeiam sepultado!
Esta, parece-me, não é coisa nem ocasião de somenos. É a ultima oportunidade que tendes, e a mais dramática, para lavardes a honra da instituição militar, entretanto convertida em tapete de estrebaria, na antecâmara de um albergue espanhol. O povo sempre foi capaz de sacrificar-se para que o Pátria viva; o que não está disposto é a deixar-se enterrar junto com ela. E é mil vezes preferível que as armas acudam ao povo antes que o povo se veja obrigado a pegar em armas.







sábado, novembro 10, 2012

Hodiernidades típicas

O motorista Silvino, mais conhecido pelo Bibi (da Casa Pia, nada de confusões com  Israel); veio agora declarar em tribunal que tudo quanto declarara anteriormente não passara de mentiras e falsidades forçadas.
Esta paixão pelo impossível, esta vertigem mitómana, só podia mesmo ser portuguesa:  numa primeira fase, o sujeito jura ter cometido uma acto de todo imraticável no nosso país - a pedofilia; numa segunda fase, e para reforço da primeira, garante ter perppretado em lugar daquele, um outro tão ou ainda mais irrealizável na nossa nacinha: a mentira.
Assombroso? Pérfido? Bem pelo contrário, típico. Estaremos mesmo perante o modelo chapado  do português actual: a vontade cega e obstinada de superar a ausência através da reincidência.

PS: Esta fórmula extraordimária funciona por toda a parte e a todos os níveis, mas tem na própria "governação" o seu zénite emblemático: confrontados com a ausência de governo, desde 1974 ( a ideia, se bem me lembro, na altura, era substituir um governo casmurro por um governo razoável, e não por governo nenhum ou desgoverno, como se tornou regra), os portugueses reincidiram (e tornarão a reincidir se os deixarem) na condução de desgovernos por cima de desgovernos, empilhando desastres sobre desastres, e défices sobre défices, acreditando assim, e piamente, que pela repetição do nada acabarão por vencer, quiçá por cansaço, o próprio vazio.


Condenados à Desgraça



A juntar à ausência mais completa (e até um tanto embaraçosa) da corrupção entre nós, veio agora a senhora do Banco Alimentar revelar-nos que também a miséria não se avista em parte alguma. Escusam pois os portugueses de porfiar desalmadamente com mais eleições e eleicinhas, votações e votacinhas, sufrágios e naufrágios, que jamais conseguirão ficar miseráveis. Todo este denodado empreendimento, todo este ártduo e compenetrado esforço dos últimos quarenta anos, toda esta república do esbanjamento em série, choremos, foi, snif!, completamente em vão. Demanda mais baldada é difícil lobrigar na história da humanidade. Não havendo miséria, como explica e estabelece Platão na sua teoria das ideias (recomendo o Fedro para um consulta mais elaborada),  impossível constituir-se o miserável. Sequer habilitar-se! Impregna-se como? Prostra-se onde? Participa em quê?
O facto é que nós, os portugueses, por razões insondáveis mas imperiosas, adoraríamos ser miseráveis (e, verdade se diga, tudo temos arquitectado e burilado nesse sentido). Mas também, já agora, convém afirmá-lo sem meias tintas , porque, sobremaneira, gramamos à brava ter muita pena de nós próprios e, à falta de novas ilhas e costas, demos  em descobrir bodes expiatórios de empreitada. Que,acrescente-se, passeamos depois pela trela, com desgarbo e lassitude, onde quer que nos desloquemos ou nos convoquem. Dessarte, a lamúria, entre nós, ganhou mesmo foros de música clássica e assim como outros cultivaram o canto gregoriano, nós desenvolvemos, a requintes de sinfonia gósmica, o queixume. Quer isto dizer que o queixume, cá no burgo, não é individual: é colectivo. Todos se queixam....  De todos e de ninguém em concreto. No fundo: de tudo. O tudo fez-nos mal. A todos. Dispepsia por empanzinamento.  Impossível individualizar. Porque até quando aparentemente se individualiza é só aparentemente: na realidade, o sujeito representa apenas o todo e o tudo. É um condensado universal, ou seja, é o Universo inteiro personificado num sujeito de conveniência.  Num bode. Populacinha mais holofrénica não se conhece. Daí que ou somos todos miseráveis, ou não é ninguém. Ora, o que a senhora Jonet atesta, é que nem somos todos, nem algum indivíduo que quisesse, digamos à revelia,,  tornar-se miserável, não o conseguiria. E porquê? Exactamente, porque a miséria não se digna honrar-nos (e muito menos banhar-nos) com  a sua presença.  Trocariamos de bom grado todo o Atlântico por ela, (em desespero, abandonámos até  a pesca), mas debalde o apregoamos e bradamos aos quatro ventos e às assembleias e cimeiras internacionais. Desertou destas paragens. Abandonou-nos aqui, neste ermo inócuo, triste e definitivamente deserdados.. Ora, nós sem dinheiro ainda conseguimos exercitar  todos os vícios, mas sem miséria não conseguimos ainda ser miseráveis. Esse desmilagre, o da divisão das migalhas ainda não alcançamos (temos o surripianço do pão na massa do sangue; e do Estado) Daí que os portugueses mais tenazes e compenetrados a procurem noutras paragens. É tremendamente injusto dizer que há portugueses a emigrar para  fugir à miséria. Pelo contrário, partem em busca dela. Para Angola, por exemplo, onde podem contemplá-la em abundância e nela refocilarem com volúpia..  Vão destemidos, estugados, mas também solidários, altruístas, benfeitores: na esperança de nos trazerem um pouco dessa essência longínqua e preciosa..  Como outrora se partiu na demanda da pimenta, da canela, do açafrão, zarpa-se agora na senda da miséria, essa especiaria rara e valiosa sobretodas. Inimagináveis os requintes, as exuberãncias miserabilistas que o desmbarque providencial de tão exótica fragrância nos concederia.
 Adivinho alguns murmúrios de incredulidade na audiência. Objectam-me, em surdina, com a miséria moral, pois,  esse substracto que campeia e viceja como nunca antes na nossa história  Não posso  negá-lo. Ninguém pode. É mais que evidente que em matéria de ânimo, aprumo e  moral teremos, nestes últimos anos, alcançado um nível interessante, prodigioso até.. Descemos mesmo abaixo da miséria, à sub-cave da cobardia subterrânia mais invertebrada. As minhocas, aquelas  que ainda nos conseguem encarar sem vómito, já nos olham com ares superiores e desdenhosos. As lesmas ignoram-nos, a grande altitude; e mesmo os persevejos, que acamaradam loquazmente com fungos, até esses snobam de nós. A fraternidade, se é que se pode chamar fraternidade a um bivaque clandestino nas fímbrias duma suinicultura, só já a encontramos junto de certas seitas microscópicas de bacilos e criaturas unicelulares.. Mas esse tipo de miséria (moral, come-se isso da moral?...) não conta nem merece qualquer tipo de consideração. A senhora Jonet refere-se, obviamente, à miséria que interessa para as estatísticas e eurísticas... aquela que, enfim, pode caucionar e alavancar lamúrias, lágrimas e pedidos de socorro, resgate, subsídio! ao universo: a miséria material. Ah, se não é material, não vale nada! Não presta! Direi mais: não existe! Porque só esta, ao contrário da outra que geralmente dignifica, enriquece e causa inveja, excepto naturalmente aos genuínos insectos,  só esta, repito e registem, mete dó. Só ela desfruta desse poder de desencadeamento daquele coro ninfónico (porque, na verdade, nem não nem sim: nin) de lamúria que tanto nos fascina, tripula e preenche.
Podemos ainda assim ser pobres? A pobreza, a irmã penúria ainda velam e aguardam, languidamente, nas margens e recessos das cidades...  Bah, magra compensação, fraca contrapartida.. Um pobre não mete dó: mete nojo! Dá asco. Pede limpeza, não pede auxílio. A pobreza é a lepra moderna; o gafo ignominioso, abominável... a fobia suprema da nossa esquerda auto-beatificada. A pobreza é interdita - não se pode ver, tem que ser escondida, varrida, trancafiada, mascarada, insuflada de silicones e botoques, armazenada em bairros sociais, em ghetos dos subúrbios, em galinheiros a crédito ou coelheiras a prazo. Onde deve marinar e fermentar até - por arte da levedura usurária, da culinária burocrática e do vapor dos mercados - incubar a miséria. Este, pelo menos, era o plano. Foi o plano. E a senhora Jonet vem agora revelar-nos que o plano falhou. Que o sonho ruiu... Que a miséria não veio.  Estamos desgraçados! Duma desgraça, ainda por cima e para cúmulo, inconsequente. Gora, estéril, improfícua... Inútil. Eternamente pobre.
Falta-nos a corrupção, desamparou-nos a mentira, abandonou-nos, ainda mais, a miséria. Avantaja-se e constrange-me uma dura e amarga conclusão: também a estupidez já não é possível - nem se avista - em Portugal.