Bem, talvez nos encontremos mergulhados neste desastre completo (como ainda há pouco ouvi proclamar ao João Salgueiro)porque, em devido tempo, não soubemos encetar a "reforma educativa" que se impunha e eu venho, há quase dez anos, reclamando no deserto...
Nunca é demais reclamar, pelo que aqui reclamo mais uma vez (e reclamarei as vezes que forem necessárias, até que a morte me tolha)...
Nunca é demais reclamar, pelo que aqui reclamo mais uma vez (e reclamarei as vezes que forem necessárias, até que a morte me tolha)...
Eu pergunto-vos: "que raio de porcarias, que ror de inutilidades e matérias desnecessárias, andam a ensinar nas escolas e universidades deste país?..." A quantidade exacta ninguém sabe, mas o resultado está bem à vista: 40.000 licenciados no desemprego (que entretanto já devem ter duplicado) fora os que andam a monte ou se esconderam em casa, com depressões, envergonhados e cabisbaixos. E também os que trabalham de chófer de táxi, de caixa de hipermermado, de portageiro ou a dar serventia a trolhas gozões (mas agora já nem isso). Pois, uma catástrofe social... e de quem é a culpa?... A culpa, toda a gente sabe, é da falta de preparação para a vida profissional, da inadequação gritante dos curriculos às necessidades laborais e, sobretudo, aos hábitos e critérios empregadores do mercado. Ora, este, o bendito mercado, está cada vez mais esquisito e exigente; arreiga-se encanzinadamente às suas prerrogativas e ninguém o faz arredar pé.
Assim sendo, está mais do que na hora de dizer aquilo que toda a gente pensa mas ninguém diz. E, ao mesmo tempo, iluminar duma vez por todas certas cavalgaduras burocráticas que prometem reformas, mas não mexem uma palha e, ano após ano, deixam tudo na mesma.
Pois bem, esta reestruturação curricular que apresentarei de seguida, é infalível, panaceia mais que garantida (verificada nas mais elevados potências mundias de ponta), e aplica-se universalmente a todo e qualquer curso, seja de letras ou ciências. Introduzam-se as cadeiras que passo a referir, conforme o ano que sugiro, e vereis se não é remédio santo.
1ªAno - Subserviência.
Sem conhecimentos avançados desta disciplina, como é que alguém pode singrar na vida profissional ou almejar a uma carreira de sucesso neste país?!... Impossível, digo-vos eu e sabeis vós melhor que ninguém. Quem não subserve não sobrevive. Se este instrumento mediador supremo, todo e qualquer conceito, técnica ou conhecimento torna-se estéril, inútil. Um tipo é barra em medicina, direito ou arquitectura, mas não tem as noções básicas de subserviência... pra que lhe serve o curso? - pra nada; contempla o diploma e morre de fome.
2º Ano - Bajulação e Graxismo.
Uma vez instruído na "subserviência", o futuro quadro precisa de fórmulas elaboradas para a aplicação da mesma. É aqui que surge a "bajulação e graxismo". Saber bajular e dar graxa ao chefe é fundamental para o aspirante a bons salários e regalias sociais. A capacidade técnica, a competência profissional, sem um bom domínio da "bajulação e graxismo", além de se tornarem inócuas, devêm absolutamente contraproducentes e prejudiciais ao proprietário. Pior que não saber bajular o chefe só há uma coisa: não saber bajulá-lo e ser competente. Invariavelmente, o chefe, a qualquer nível na escala hierárquica, tomará isso como uma ofensa pessoal e ameaça velada ao seu ganha pão e marisco.
3ºAno - Insectomorfismo e Ética.
Dominadas as artes da subserviência e da bajulação, aquele que aspira a altos cargos, sobretudo na administração pública, tem que adquirir uma perfeita moral camaleónica e um estômago à prova de bala. Um adestramento exaustivo na habilidade de se transformar em insecto, de preferência rastejante, torna-se, então, necessário. Esta aptidão tem que devir segunda natureza, avatar sempre pronto a ser exibido. É certo e sabido que, a todo o momento -às vezes, mesmo quando menos se espera -, na vida profissional portuguesa, surgem bruscas mas imperiosas requisições deste desempenho. Nada como o indivíduo estar preparado.
4ºAno - Macaquice transcendental
Na vida adulta e, sobremaneira, na carreira profissional, cá do burgo, ser é ser macaco. O "ser macaco" engloba e sintetisa, numa espécie de concentrado vitamínico, vários princípios de acção fundamentais ao percurso do futuro quadro. A saber: o princípio da imitação (de superlativa importância), o princípio da velhaquice (não menos importante), o princípio do oportunismo (idem, idem) e o princípio da etiqueta e protocolo (o mais transcendente e esotérico de todos). A rapidez na imitação, a predisposição à velhacaria, o sentido oportunista e a perícia no protocolo constituem as metas de todos os finalistas.
Ultrapassado o 4º Ano, eis que se inicia o Estágio. Este será integralmente passado em testes e aulas práticas no Simulador de Trabalho. A razão é simples:
Sendo o verbo "fazer" inconjugável per si no nosso país, onde só aparece transmudado em "fazer de conta" ou "fazer que faz", era mais que evidente que não fazia qualquer sentido mandar os recém-licenciados e candidatos a futuras mordomias estagiarem em locais efectivos de trabalho, dignos apenas de gente desclassificada e analfabeta (como fábricas, empresas transformadoras, centros agro-pecuários, etc). Consciente desse erro tradicional, o meu plano propõe, outrossim, que eles estagiem em "locais virtuais" de trabalho, semelhantes àqueles que ocuparão no futuro. É para isso que serve o Simulador.
Assim, da mesma maneira que um governante actual "faz que governa", mas não governa; ou um director geral "faz que dirige", mas não dirige; ou um deputado "faz que representa" mas não representa; também o futuro governante, director, deputado, etc, tem que aprender esses primores técnicos do "faz que faz mas não faz " e "faz de conta mas não é", enfim, as múltiplas manhas e ardis da simulação laboral. Onde pontifica sobretudo, como requinte mor, o desembaraço na ocupação simultânea de vários cargos e a invisiblidade durante grande parte do mês.
A excepção singela a esta regra do "faz que faz" (e como toda a regra tem que ter a sua excepção) reside estritamente no "sacar" (salários, subsídios, mordomias, etc). Aí, nem os actuais, nem os futuros, "fazem que sacam"...Não, aí, sem dó nem saciedade, escrúpulos ou hesitações, não "fazem que sacam": sacam mesmo!...
PS: Repito e sublinho: quanto às outras disciplinas de cada curso, pouco interessam; bem como a sua aprendizagem ou aproveitamento. Agora estas, que acabo de referir, são nucleares e de transcendente importância.
PS2: Vão-me obstar, vossências, que já há frutos mais que evidentes deste sistema de ensino no próprio governo da república, como já existiam e amarinhavam até nos anteriores. O actual primeiro-Ministro, a coisa Relvas, por exemplo, e mais não sei quantos... Falácia, meus caros, nada mais que falácia! Essa gente não é a prova acabada dum sistema aberto e democrático, mas o resultado de estrita esquemática individual. Estamos assim perante meros autodidactas. Ora, o que se pretende é o acesso geral instituído, a igualdade de oportunidade a todos os cidadãos em idade escolar. O que alvitro é que a possibilidade duma carreira no estado e na generalidade das administrações empresarias se torne possível a qualquer cidadão, por mais destituído de bens, conhecimentos, contactos, escrúpulos e mesmo ideias que seja. De resto, um pouco à semelhança do que já acontece na Presidência da República.
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