O poema que se segue foi aqui postado em 2005, sob o título "A sangue frio". Mas a verdade é que foi escrito em 1987, constituindo então a letra duma canção intitulada "Inferno 87". Na altura, "Inferno 87" transmitia aquela que era a minha visão, assaz sombria, do fenómeno principal da época cá na paróquia: a nossa fresca adesão à CEE. Respiravam-se então os entusiasmos primaveris da recente lua de mel. A mim, todavia, o futuro não me parecia nada brilhante, nem o presente desse tempo nada auspicioso. Mandam histórias antigas que se desconfie dos presentes oferecidos por estrangeiros - e se o cavalinho de pau de cada homem é coisas sagrada, já os cavalos de pau gigantes nunca foram hipismo recomendável.
Filhos da campa-berço
a caminho da masmorra ginásio
Olhos virados do avesso
sistema de rega por naufrágio;
Bar-restaurante de venenos
a dentadura-bisturi
O feto-camisa de Vénus
máquinas de suplício ao Ralenti...
Um açougue-infantário
um antropófago com ténia,
A máquina da Felicidade ao contrário
academia de carrascos em vénia;
Agrilhoado à morgue-escola
um cadáver repetente,
Um oceano de coca-cola
um esgoto presidente...
Três caixões ortopédicos
um suicídio por contrato,
mil conselhos médicos
sobre a autópsia-parto;
Uma retrete-manjedoura
um esqueleto de bikini,
burocratas em salmoura
vermes com pedigree...
Um trono-patíbulo
um cancro benigno,
capelas de prostíbulo
um genocídio por signo;
Um cemitério climatizado
universidades da putrefacção,
um eunuco apaixonado
chatos de elite e estimação...
Uma hóstia-supositório
mumias com nervos em franja,
Férias pagas no purgatório
arsénico com sabor a laranja;
O homem autónomo perfeito
parafusos, cabos e canos
uma bomba eléctrica no peito
a boca fundida ao ânus.
Répteis de sangue quente
A puta que Deus não pariu...
Um deserto de gente
A realidade a sangue frio.
Faltará apenas acrescentar que, na sua qualidade de letra de canção, o poema tinha inicialmente refrões entre as estrofes. O último rezava assim:
Última estação
este país promete...
Podem aterrizar
- Benvindos a Inferno 87!...
Pois agora que finalmente aterrámos, já podemos todos conferir o resultado das promessas... E não é exactamente o paraíso, a "terra do ouro e do mel prometida", pois não?
Há algum prazer ou glória em ver as coisas antes de tempo? Bem pelo contrário: há apenas o desprazer e a angústia multiplicados de quem assiste impotente aos desfiles da fatalidade, a que os gregos chamavam Moira, e nós conhecemos por Destino.
As catástrofes não acontecem apenas aos indivíduos: visitam também os povos e nações.
Um poema tremendo de realismo. Tão verdadeiro! Exemplo da cidade abandonada por Deus. A mesma cidade que expulsou Deus. E há-de chegar o momento em que os ultimos a fugirem serão apodados de responsáveis. Talvez crucificados! Nem dragões nem interregnos hão-de escapar à voragem.
ResponderEliminarAbraço e aplauso, quanto mais não seja pela Resistência!
Abraço, JSM.
ResponderEliminarSempre bom revê-lo!...
Digníssimo Dragão
ResponderEliminarQual a sua opinião sobre a televisão?
Deve ser pública ou privada?
Caro Faroleiro,
ResponderEliminara minha opinião sobre a televisão é conhecida em praticamente todos os continentes... Nem pública, nem privada: extinta!
já que a coisa está tipo "discos pedidos"(...)
ResponderEliminarDistinto réptil,
qual a sua opinião sobre a prestação cívica do sr. Viriato Marques?
AHAHAHAHHAHA
ResponderEliminarEu defendo o mesmo- extinta toda ela. Isso é que era verdadeiro serviço público.
não acabem com a 2, tv ou rádio, please...
ResponderEliminarQuem é o ser Viriato Marques? Embora contrariando os hábitos e costumes de toda a blogosfera em geral e da lusolândia em particular, não consigo ter opinião sobre algo que desconheço.
ResponderEliminarPS: entretanto, e aqui imitando os meus congéneres, vou ver ao google.
Ah, espere lá, minto. Caso se refira ao Dr. Viriato Soromenho Marques... Ah, esse conheço, pessoalmente. Cá em casa, eu a srª Dragão, quando o vemos na pantalha, exclamamos: olha, lá está o Soromenho. O viriato e o Marques jamais nos ocorreriam.
ResponderEliminarBem, mas vamos à questão. O tipo tem prestações cívicas, é? Olhe, antes cívicas que bancárias. Nisso já leva alguma vantagem em relação à generalidade da malta. A maior parte das pessoas não tem tempo (nem antena) para prestações cívicas porque está atolada em prestações bancárias. Neste país, aliás, há mesmo essas duas classes distintas de cidadãos: os que têm e ostentamm prestações cívicas e os que são possuídos por prestações bancárias. Comenta-se, cada vez menos em surdina, que a existência (cada vez mais dramática) destes é consequência directa das prestações daqueles, ou seja, a prestação cívica duns tem redundado, ano após ano, na prestação onzeneira (já transnacional) de outros. Não me admirava nada.
Na verdade, não tenho acompanhado com muita atenção a fulgurante carreira do Soromenho. Enfim, civilidades à parte, a ideia que dele tenho é a de uma pessoa suporífera, com o brilho e a densidade duma pedra-pomes. Também não surpreende, se tivermos em conta que o chamado "pensamento de esquerda" em mais não consiste que numa forma de esterilização mental, donde resulta, regra geral, uma disfunção eréctil do espírito crónica.
ehehehe
ResponderEliminarMas é uma pedra-pomes ecológica
":O)))))
inodora e insalubre
ResponderEliminarsempre sagaz, estimado réptil...
ResponderEliminarGrato pela opinião. O regime multiplica-se em faces, apesar da redundância de conteúdos.
Abraço
Longe vão os tempos em que Pimentas e Agostinhos nos deliciavam em fugazes aparições televisivas... isso é que era gente de estatura imensurável...
ResponderEliminarO J Pimenta? Julguei que esse era mais prédios... Aliás, um ilustre precursor, um intrépido pioneiro dos rutilantes tempos que se seguiriam. Agora o J Agostinho, esse sim, esse era fugaz apenas na medida em que era rápido, não descansava enquanto não se punha em fuga e pedalava levado de seiscentos diabos, Deus o guarde!... Nunca mais tivemos outro igual, com um coração daqueles!...
ResponderEliminaro dragão devia escrver posts com os comentários que escreve e (algumas vezes) em vez de alguns posts que escreve metê-los nos comentários (ou metê-los na saniata depois de terem exercido o seu papel)
ResponderEliminarOptimismo seu, ó caro faroleiro!
ResponderEliminarSou de opinião, aliás convicção reflectida, que são todos, isso sim, dignos da retrete. De resto, nem imagina a trabalheira que é ir com monitor, atrás de monitor, para o troninho. A trabalheira e o dispêndio, reconheça-se. Mas mesmo assim, graças à racionalidade supimpa dessa coisa santa chamada capitalismo, sempre me fica mais barato que comprar tinteiros.
Pode até calcular o contributo que não tem sido o meu para a dívida nacional. Ele é Samsungs, Fujitsus, HPs, LGs, e até Sonys - sim, até Sonys! -, atrás de Samsungs, Fujitsus, HPs, LGs e Sonys, pasme bem. E, ainda por cima, tudo comprado na candonga, furtado aos impostos, como manda o ministro.
eu também
ResponderEliminarfelizmente que a tecnologia dá nisto
fode o capitalismo e liberta os oprimidos
Se eu foder o capitalismo, dado que ele está fornicar ininterruptamente os oprimidos, redunda assim tudo numa espécie de comboio, uma mariquice pegada, não é?
ResponderEliminarNão me excita o capitalismo. Eu é mais senhoras, altas de preferência.
Por outro lado, os oprimidos levam muito a mal que se lhes tire o capitalismo de cima. Reagem mesmo com brutalidade. Não, com casais sado-masoquistas é que eu não me meto!...
Há até aquele ditado popular: "entre marido e mulher ninguém meta a colher".
ResponderEliminar":O))))))))
ResponderEliminarPor outro lado, os oprimidos levam muito a mal que se lhes tire o capitalismo de cima. Reagem mesmo com brutalidade.
ResponderEliminarLOL LOL LOL