sábado, setembro 29, 2012

A Funda Cinha




Só oiço falar numa tal de Funda Ção... Parece que são milhares de gajos a aviarem-se e milhões  de euros em subsídios e ajudas de custo aos cumensais.  Não conheço e tenho pena. Fundas, mesmo, só conheço a Cinha, a Célia e a Cici (isto, só para falar na letra C). Da Funda Cinha, da Funda Célia e da Funda Cici, todavia, só tenho a dizer bem. Um tipo afunda-se lá sem problemas, nem temores de contusão nem esfolianço. Escarépio também nunca me constou, pelo menos entre a malta consumidora cá do bairro, que alguém apanhasse. Mas essa tal de Funda São deixa-me com água na boca, salvo seja, e se exceptuarmos aquela com que o Armindo baptiza as pipas. Dizem que é mesmo funda, abissal, capaz até de engolir um estado inteiro, com todas as gorduras e nervuras adjacentes. Só pode ser africana, penso cá com os meus botões. E lá se vai a tesão... Pretas são boas pra trolhas e bimbos viciados em ovelhas e cabras. Os tipos quando descobrem as pretas experimentam aquele salto evolutivo que é passar do quadrúpede ao bípede. Para gajos que mentalmente ainda residem na era miriápode do girinássico inferior a coisa até nem estará mal. Mas para um lisboeta congénito tem tanto interesse com entalar os colhões na porta do frigorifico na ânsia duvidosa (e alucinada) de enrabar um peru congelado. Quer dizer, se eu tomasse LSD, não digo que não fosse capaz duma coisa dessas, mas, felizmente, não tomo. Químicos, nem vê-los! Isso e agulhas são coisas mais próprias de gado hipocondríaco em auto-medicação do que de  pessoas nobres, masculinas e de erecção fácil como eu..
Portanto, compatriotas, o dinheirame que esbanjam, derretem e torrefactam nesta tal Ultra Funda São parece-me dinheiro mal gasto que bem melhor podia ser utilizado numa coisa urgente, altamente necessária, louvável e utilíssima como, por exemplo, um Serviço Nacional de Putas. Como é que temos um SNS e não temos um SNP? Porque é que as putas hão-de ser só para quem tem dinheiro dos contribuintes? Porque raio hão-de os contribuintes entregar os seu dinheirinho a gajos aboletados no estado para depois estes se banquetearem em putas, quando os próprios contribuintes, coitados, nem dinheiro têm para sequer petiscarem uma punhetasita assistida que seja . Pior, porque é que o Estado está apinhado de putas gratuitas, subsidiadas também elas pelos contribuintes, de que os altos funcionários do estado se servem lauta e indiscriminadamente? Mas que puta de democracia é esta? Em que o povo paga a puta e o estado é que a come?
Isto deixa-me tão furioso e iracundo que é melhor ficar por aqui. Assaltam-me já ímpetos de bombas e luta armada. Vou acalmar-me ali na Cinha.  Mas nada de confusões: não é a Jardim. Essa, toda a gente sabe, não tem fundo. E esta ainda é capaz de foder por amor... ou a crédito. Como é o meu caso.

sexta-feira, setembro 28, 2012

Sacrifício, sim, mas em condições!...




Cuspinhou pr'aí um mânfio que agora anda no ataque pró Zédu que o governo precisa de mais gente com cabelo branco.
Foda-se, cabelo branco lembra-me logo o Cunhal! Vá de retrete, figas!. Além de que o cabelo branco é muito mais perigosos que o cabelo preto: infiltra-se na sopa e o cumensal (ou até mesmo o cussemanal) não dá por ela. Pouca cônfia ao cabelo branco, digo-vos eu! Nada de múmias, bruxas ou megeras!
O que o governo precisa mesmo, e urgentemente, é de gente com pentelheira loura. Pentelheira e vulva, bem entendido. Mas loura genuína, nada destas imitações tugas, oxigenadas, a armar à xunga-beta. Pentelheiras das lojas dos trezentos ou da feira de carcavelos  são pentelheiras de contrafacção. A Asae devia meter os olhos nisso. Abreviando: o governo devia ser ocupado por stripers germânicas e escandinoivas, isso é que era!... Pronto, por alma da troika, até podiam andar de cabedal negro e chicote. À falta de maná, era chuva dourada na clientela leviatoina, ou leviatansa, ou mansa, ou lá o que é (eles até se pelam)... mas umas boas pentelheiras avulvantajadas no governo sempre conferiam algum sentido e probidade à função. Já que vamos ser fodidos e refodidos até ao tutano das alminhas, ao menos que retirássemos algum prazer -ainda que visual  (oftalmorrágico?)- disso. Diante dum boa cona há algum homem que queira dar parte de fraco, meter baixa ou largar às choradeiras? Pelo contráro, clama e proclama imediatamente é por mais castigo Em verdade vos digo, irmãos, nada como a visão duma boa cona para nos endurecer. Tornai-vos, duros, dizia o tal  N.. (aquele do grande bigode ferrabrás - mas não confundam com o Braz e Braz, ouviram?). E queria significar isso mesmo: atentai devidamente nessas santas e maravilhosas conas que tudo abençoam e miraculam. A cona é que perde,  (por exemplo no caso dos actuais filhos da puta que nos desgovernam bem como dos anteriores, antecessores, previosores e respectivos assessores, a cona da mãe deles perdeu uma grande oportunidade de estar fechada e lacrada a sete chaves na hora em que os contraiu e, ainda mais, os despejou neste desgraçado mundo, para nosso desconsolo e flagelo), mas também é a cona que salva. Dispenso-me, neste caso, de ullteriores eloucubrações maiores sob pena dos papa-hóstias me rogarem uma montanha alta de pragas e anantenas (se não assim que se diz, corrijam-me sff, que o Dino hoje anda muito ocupado com a cunhada do Armindo Taberneiro ).


PS: As strippers governamentais, pontualmente, até podiam usar o caralho de borracha XXL. Mas isso era só para os que apreciam muito a troika e confundem a intervenção estranjeira com uma acção benemérita dum misto delicodoce de exército de salvação com uma runa académica de anjos celestes. 

PS2: Vão obdejectar que "ah, isso não é praticável, ó Engenheiro Caguinchas, está a ver, já temos a vaca da Merkl a telefender-nos à canzana, não resta grande espaço de manobra!..."  Pois, mas isto nada obstava que a vaca da Merkl vos telefendesse na mesma, como vocês tanto porfiaram por merecer e arcar. Apenas e simplesqualmente passava era a ter entre nós umas dignas, admiráveis e bem mais eficazes representantes. 

quinta-feira, setembro 27, 2012
















Pois, incumbe-me informar que o Dragão está ali prostrado entre as tetas da ucraniana a debulhar-se em lágrimas. Parece que descobriu que afinal é um optimista.
"Eu, um optimista!"... Brama em altos brados. A ucraniana lá o cobre de beijos e tenta consolá-lo, mas em vão. Ele prossegue: "Anos e anos a vaticinar que estes gajos perpetravam o mal e afinal o que os tipos refinavam, com alambiques, era o péssimo!..." Nunca mais, nunca mais! Ouviste, Caguinchas? Juro aqui solenemente: nunca mais vaticinarei, analisarei ou por qualquer outra forma sarrabiscarei o futuro, o passado ou sequer o presente deste antro!..."
E é assim, ó coisinhos. O tipo descobriu o assassino que procurava. O outro arrancou os olhos; este repeliu a pena.
Tem destas coisas, a vida. Agora, se estais à espera que seja eu a salvar a honra do convento, tirai o cavalinho da chuva. É certo que  estou cá dentro, especialmente concentrado nas noviças. Mas não é exactamente a honra do estabelecimento aquilo que me inflama.



PS: ah, e a bandeirinha acima nada tem que ver com ideologias. É a dos piratas, a vermelha. Aquela que eles içavam quando queriam significar: "No prisioners! No mercy!"

terça-feira, setembro 25, 2012

No fundo ele queria era um Air-bus


«Romney indignado porque janelas dos aviões não abrem»


Quem é o conselheiro de aeronáutica deste gajo - o João Miranda?... Na volta, deve acumular com a assessoria económica ao Vitor Gaspar.
Eu sempre disse que a escassez de emprego nuns resulta do açambarcamento do mesmo por outros.

Pornografismos shitcore




«J.K. Rowling 'dedica-se' ao crime»


O título da notícia é altamente enganador. Dir-se-ia que a carreira criminosa da criatura se iniciava agora. Ora, não tem feito outra coisa em toda a famigerada vidinha adulta senão segregar e traficar droga. E droga particularmente pedófaga.  A pornografia mais perigosa é aquela que não exibe mulheres nuas - diz o Caguinchas, e está coberto de razão. Por outro lado, tão grave e hediondo quanto a  pedofilia não será, seguramente, o psico-pedocídio?... Aliás, em matéria de molestadores de crianças, alguém me explique qual a lei bizarra porque são justamente encarcerados os físicos, mas, em contrapartida, arrecadam altas recompensas, prémios e honrarias os mentais!...


domingo, setembro 23, 2012

Liquidação geral II - A Zombilândia



Leio por aí verdadeiros atestados de óbito passados por elementos do PSD ao actual governo. É claramente um acto de optimismo descomedido. Isto, meus senhores, é uma república zombie. A última coisa que uma república zombie, ainda mais calejada por trinta e muitos anos de exercício, permitiria era um governo vivo. Portanto, questões de vida e de morte não são para aqui chamadas. Os governos zombie não morrem: revezam-se. Saiu o anterior, entrou este. Estatela-se este, repolha logo outro qualquer da mesma igualha. É um regime de mortos-vivos? Ou um povo de nados-e nédios-mortos, vá-se lá escolher. Resistem as árvores, resistem os montes, resistem os animais bravios, as silvas e as pedras, porque esta gente há muito desistiu da própria alma e da própria coluna. Mais concretamente: vende-a a patacos ao primeiro bufarinheiro garrido que apareça. Estão em luta? Mentira: estão em saldos, perdão, em promoções. De liquidação geral.

PS: Aproveito até para relembrar algo que aqui escrevi em 2007:

Como é que se distingue um "português moderno" dum "português obsoleto"?
- O moderno é aquele que traz um letreiro pendurado ao pescoço a dizer "Vende-se".

Como é que se distingue um "português moderno da elite" dum "português moderno vulgar"?
- O das elites é o que traz o mesmo letreiro "vende-se", mas escrito em várias línguas.

sábado, setembro 22, 2012

Conselho de Estrago




Reuniu-se finalmente o Conselho de Estrago.
Vamos à descrição...
"A reunião do Conselho de Estado começou às 17.15, tendo sido ouvido primeiro as explicações do ministro das Finanças, Vítor Gaspar ."  Cinco minutos depois, os últimos conselheiros adormeciam profundamente. Apenas Mário Soares cochilava. Jorge Sampaio, após uma breves lágrimas protocolares, rompera num ressonar entorpecente que, adicionado ao ronronar tecno-analgésico do ministro, quebrara as últimas e estóicas resistências. Só Eanes não fechara os olhos, mas apenas porque, no auto-imperativo de homem-estátua, treinava a catalepsia perpétua. Embora no seu espírito indómito tremulasse a eterna dúvida: se à falta de automável, não deveria trepar para cima da mesa.
O primeiro a acordar, talvez porque apenas cochilasse, foi Mário Soares. Apercebendo-se que já não havia ministro e, não querendo perturbar o remanso dos restantes, saiu por volta das 20  ( um pouco antes, em bom rigor, se quisermos fazer fé nos relatos da imprensa). Abandonou a sessão cabisbaixo e um tanto ou quanto assustado com o olhar fixo e perfunctório do homem-estátua (seu ancestral inimigo, recorde-se). Seguiram-se, por ordem alfabética, todos os restantes, a espaços variáveis. Excepto Vitor bento, que continuou anichado debaixo da mesa, em prostração pós-orgástica; e, naturalmente, Cavaco Silva, o único que,em boa verdade, não dormira, porque o limbo zombie onde paira  (vazio etéreo entre a vida e a morte, que é como quem diz, entre a vigília passageira e o sono eterno) o imuniza contra esse precalço tanto quanto o dispensa dessa provação.

Passemos agora ao assunto...
O Conselho de Estrago considerou, como que lhe competia, que "Portugal depende muito do exterior para o financiamento do Estado e da sua economia".  Financiamento externo do Estado e da economia do Estado, e está na essência tudo dito. O resto é paleio para dourar esta pílula. Ou supositório descomunal, melhor dizendo, se levarmos em conta o orifício de Portugal por onde pretendem admiti-lo. "O Estado e  a sua  enonomia" representa isso mesmo: esse conglomerado de bancos, construtoras, monopólios energéticos e escritórios de advogados (notários e cozinheiros legais comissionados pelos anteriores) que se servem do Estado quando este se serve da Nação. O financiamento externo é para eles, como os fundos comunitários também foram. O buraco nas contas públicas também é essencialmente obra deles, mas esse vai ser coberto com financiamento interno, por via da rapina de bolsos do cadáver por atropelamento da economia real.

E,  por fim, as reacções populares:

«Manifestantes gritaram "gatunos" à saída dos conselheiros»

A lucidez nunca privilegiou as multidões. Tão pouco a justiça. O ápodo "gatuno" para os figurões em questão, embora não absolutamente descabido, parece-me bastante impreciso. Até porque Dias Loureiro e José Sócrates, esses dois promontórios da arte, já não estavam presentes. Qual o termo apropriado, então?
A caverna da reunião em tudo emula a do Ali Babá, mas os hemi-quarenta  em congresso - até pelo traje de nojo a servir de moldura ao rosto patibular se reconhece -, compareceram na qualidade de coveiros, cangalheiros e agentes mortuários da nacinha. Essa, de facto, é a sua justa dignitas; o caso de pilharem as sepulturas é so um fenómeno acessório, um expediente lateral para compor o salário.Mas lá está, o povo ressente-se sempre com mais ardor de quem lhe vai ao bolso do que de quem lhe vai à alma. E agora, quando verifica que ladrões de sepulturas lhe roubaram o futuro, de certa forma, tem o que merece: ninguém o manda ter deitado a esperança em urnas!...

quinta-feira, setembro 20, 2012

Sacrifício de dama



Quando um determinado Estado exorbita as suas dimensões coloca em perigo a própria existência da Nação que é suposto e natural servir. É claro que a dele próprio, uma vez aquela em risco, também fica ameaçada. Acontece (no nosso particular e presente caso) que, sob rogação do Estado, entidades estrangeiras, animadas de turvas intençoes,  acorrem a resgatar o conjunto. A condição que colocam, todavia, tem a forma de dilema, ou mais exactamente, de alternativa diabólica... Entregam o dinheiro ao Estado e estipulam: um dos dois vai ter que ser sacrificado. Imaginem quem é que o Estado escolhe...

Exactamente, os plutocratas não nos apontam nenhuma arma (como já por aí li algures, entre os adeptos estrídulos da submissão esclarecida). Colocaram, isso sim, uma arma na mão do Estado. E ele está a usá-la de acordo ao seu exclusivo interesse. Que, não por acaso, coincide integralmente com o interesse das entidades estrangeiras.

A tese de que se agora dermos o rabinho e abdicarmos da vazelina importada, mais tarde eles largam-nos e vivemos todos muito felizes e competitivos não preenche exactamente o meu conceito de patriotismo. Essa mentalidade, aliás, embora campeie, frondosa e cacarejante, entre nós, tem um nome infinitamente menos digno. Eu chamo-lhe mentalidade "casa Pia". Segrega, pelos vistos, uma espécie de patriotismo do cuspo, que lembra muito a oração entre os fariseus e que, no fundo, mais não estadeia que um histrionismo para basbaque ver e mais não dissimula que o afã  - torpe e frouxo - da auto-lubrificação.






Tecniquices da demo-ménage a três






Daqui vão também os meus extasiados agradecimentos à fada madrinha. E agora notícias do surreal quotidiano que nos sitia...


A Comichão Política do PSD comunica hoje à sua congénere coligada (escutei há pouco na TSF) que o mais importante é proteger o país da crise política. O goverrno deve, pois, concentrar-se e confirmar-se naquilo que claramente domina e persegue: mergulhar o país numa crise económica de contornos mega-devastadores. São absolutamente desaconselháveis movimentos bruscos ou antecipações ásperas e inconsequentes. A crise socio-política, fatalmente, virá por arrasto. E fricção.  Dispensa, de todo, detonadores (e, sobretudo, ejaculações) precoces. Nada de pressas nem sobrexcitações, cum raio. Método, camaradas, método!... Senão,  lá se dessincronizam os orgasmos!...

quarta-feira, setembro 19, 2012

Estado da Nacinha

Mergulhada numa profunda crise depressiva, depois do auto-governo de vários primeiros-ministros, a nacinha  aguenta agora com um governo sem primeiro-ministro, numa república sem presidente, sob a ditamole dum ministro das finanças muito apreciado na Alemanha. É obra. Está à espera de quê, o Guiness?...

terça-feira, setembro 18, 2012

Os Burrocratas da Sabedorreia (r)



A propósito duma curiosa pergunta feita por um leitor, e em complemento à resposta na caixa de comentários, faz todo o sentido recordar este postal de 2004. A surpresa está no fim...

...// ...

« -Ah, tu vens de Paris?! E não quedará mal perguntar em que é que os senhores estudantes de Paris levam o tempo? 

- Transcruzamos a Sequana ao dilúculo e aos crepúsculo; deambulamos pelas compitas e quadrívias da urbe; despumamos a verbocinação lacial e, como veros amorabundos, captamos a benevolência do omnijuiz, omniforme e omnigénio sexo feminino. Em certas diéculas, vamos aos lupanares e em êxtase venérica, inculcamos as uretras nos penitíssimos recessos vaginais das meretrículas amicabilíssimas. Depois, caponizamo-nos nas tascas meritórias, com espátulas vervecinas, perfumadas com salsis e hortelanus. E se nossas barjuletas carecem de metal ferruginoso, para pagar a conta contorum, deixamos as sebentas e as véstias de penhor, até que nos chegue a mesada dos penates e lares do nosso paternal. 
Arregalaram-se os olhos a Pantagruel:- Que raio de falar é este? És herético, pela certa!...» 
- Rabelais, “Pantagruel”. 

Já vai para quinhentos anos que Rabelais ridicularizou, justa e irremediavelmente, os sorbonículas, ou sejam, todos aqueles que mascaram a maior vulgaridade de espírito sob os rococós do paleio abstruso. E, não obstante, a praga continua, a epidemia não só alastrou como se multiplicou à enésima potência. Quem enche a boca a toda a hora com parangonas como “progresso” e “evolução” bem melhor será que repense a higiene da mesma. 



Oiçamos um jovem assistente universitário, pelo ano da graça de 1981, numa alocução ao “Colóquio Kant”, numa Universidade cá do burgo: 
«O debate em volta da concepção kantiana de história, e particularmente sobre a natureza e latitude do conceito de progresso, progride em uníssono com as próprias brechas causadas nos instrumentos de análise teórica do objecto histórico, pelo desenvolvimento frio e anónimo dos acontecimentos que consubstanciam o presente colectivo nas suas múltiplas dimensões, da economia à situação político-militar. Mas esse vértice de actualidade, com todos os seus convites à fuga para a frente ou à doutrinação da espera e do impasse, não ocupa todo o espaço de motivações capaz de explicar o interesse e a vivacidade polémica sugerida pelo estudo dos textos históricos de Kant.» Bla-bla-bla, e por aí fora. 



Perceberam? Naturalmente, não é para perceber. O estudante sorbonícula de Rabelais ocupava o seu tempo, como diz o povo, em putas e vinho-verde. O jovem estudante cá do burgo, recentemente promovido a assistente pelos idos de 81 (actualmente, está quase catedrático), mais valia que o fizesse, pois nem esse mérito social alcança: limita-se a um onanismo verborreico, malabarismo palavroso perante uma assembleia tribal de saltimbancos académicos. 
Não tenho dúvida que, assim como a religião tem sido estropiada pelos sacerdotes de todas as latitudes, também a filosofia tem sofrido as piores sevícias às garras dos escolastas de ontem, de hoje, e de sempre –universitários de toda a espécie. Lembram pirilampos armados em estrelas, fazem do papagaio o totem sagrado da tribo e praticam uma coscuvilhice de comadres mascarada de erudição rupestre. Colocar a sabedorreia no altar da sabedoria, esgota, de resto, as funções destes burrocratas do conceito. 
Ao fim de um quarto de século de repugnadas e perplexas observações, acho que, finalmente, me aproximei duma definição. 

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Pois bem, querem saber quem é o autor do textículo debitado no tal  Colóquio de Kant? Nem mais: o Viriato Soromenho Marques.

De índole idêntica aos depoimentos sorbonícolas anteriores - rilhafolesca, portanto -, e sempre que neles medito, só me ocorre um outro que guardei na memória desde a minha juventude (e guardarei por muitos anos que viva) . Constitui uma espécie de paradigma imortal. Servi-me até dele aqui há anos, para responder ao camarada Psiquiatra Proletário (um dos mais intrépidos e veneráveis leitores deste blogue, diga-se). Reza assim.
«Em nome do orgasmo, que é o centro secreto da libertação, temos de realizar uma operação específica - temos de destruir os nossos pobres cérebros envenenados, decapitando-nos a nós próprios, o que, finalmente, nos levará de volta a uma vida perdida - e, depois, para a frente.(...)
Temos de descobrir um ideal de orangotangos. (...) O orangotango é uma realidade permanentemente oculta dentro de nós. Temos de lançar para o mundo esse nosso interior oculto, através de um haraquiri existencial - e permanecermos vivos.»
O texto é de David Cooper. O termo "orgasmo" é, claramente, uma benevolência minha. Na realidade, a coisa nunca excede o nível da punheta. A grilos. Cada figurinha daquelas pensa-se, de facto & de jure, um novo Punheteu Agriloado. Ou abriloado, vá lá o diabo distingui-los.


domingo, setembro 16, 2012

Última Estação






O poema que se segue foi aqui postado em 2005, sob o título "A sangue frio". Mas a verdade é que foi escrito em 1987, constituindo então a letra duma canção intitulada "Inferno 87". Na altura, "Inferno 87" transmitia aquela que era a minha visão, assaz sombria, do fenómeno principal da época cá na paróquia: a nossa fresca adesão à CEE. Respiravam-se então os entusiasmos primaveris da recente lua de mel. A mim, todavia, o futuro não me parecia nada brilhante, nem o presente desse tempo nada auspicioso. Mandam histórias antigas que se desconfie dos presentes oferecidos por estrangeiros - e se o cavalinho de pau de cada homem é coisas sagrada, já os cavalos de pau gigantes nunca foram hipismo recomendável.  
  

Filhos da campa-berço
a caminho da masmorra ginásio
Olhos virados do avesso
sistema de rega por naufrágio;
Bar-restaurante de venenos
a dentadura-bisturi
O feto-camisa de Vénus
máquinas de suplício ao Ralenti...

Um açougue-infantário
um antropófago com ténia,
A máquina da Felicidade ao contrário
academia de carrascos em vénia;
Agrilhoado à morgue-escola
um cadáver repetente,
Um oceano de coca-cola
um esgoto presidente...

Três caixões ortopédicos
um suicídio por contrato,
mil conselhos médicos
sobre a autópsia-parto;
Uma retrete-manjedoura
um esqueleto de bikini,
burocratas em salmoura
vermes com pedigree...

Um trono-patíbulo
um cancro benigno,
capelas de prostíbulo
um genocídio por signo;
Um cemitério climatizado
universidades da putrefacção,
um eunuco apaixonado
chatos de elite e estimação...

Uma hóstia-supositório
mumias com nervos em franja,
Férias pagas no purgatório
arsénico com sabor a laranja;
O homem autónomo perfeito
parafusos, cabos e canos
uma bomba eléctrica no peito
a boca fundida ao ânus.

Répteis de sangue quente
A puta que Deus não pariu...
Um deserto de gente
A realidade a sangue frio.



Faltará apenas acrescentar que, na sua qualidade de letra de canção, o poema tinha inicialmente refrões entre as estrofes. O último rezava assim:

   Última estação
   este país promete...
   Podem aterrizar
 - Benvindos a Inferno 87!...


Pois agora que finalmente aterrámos, já podemos todos conferir o resultado das promessas... E não é exactamente o paraíso, a "terra do ouro e do mel prometida", pois não?  
Há algum prazer ou glória em ver as coisas antes de tempo? Bem pelo contrário: há apenas o desprazer e a angústia multiplicados de quem assiste impotente aos desfiles da fatalidade, a que os gregos chamavam Moira, e nós conhecemos por  Destino.
As catástrofes não acontecem apenas aos indivíduos: visitam também os povos e nações.




sábado, setembro 15, 2012

Palimpsesto do Labirinto






Não sei onde residia o mistério. Num país saturado e atravancado de impostos, crivado de rendas, cripto-corveias e outros neofeudalismos que tais, qualquer aumento no fardo resultaria em colapso da besta de carga, vulgo contribuinte. Se foi por causa do fast-money, através do crédito desenfreado, que o país chegou à situação que chegou, não será certamente através de fast-money, através do saque maluco, que o governo conseguirá extrai-lo dela. Pelo contrário, vai submergi-lo cada vez mais. Vai estrangulá-lo até ao esqueleto.  Está-se assim perante o estéril  reforçado com o indigesto: nem aumenta a receita, nem diminui a despesa. Resume-se então o caravançará ao fruste espalhafato dum bando de facínoras, canalhas e desalmados, a agredir gratuitamente algo que não compreende e, bem no fundo, apenas detesta. Desconfio que até  os macacos do Zoológico já perceberam que não passa tudo dum Neo-Prec. Muitos, os junkies rebarbados e impenitentes do costume, com aquela liberdade de espírito característica que os albarda, já clamam por um novo 25 de Abril. Estão a tê-lo, em dose última e mascarada, e ainda não perceberam isso.   A economia (o que resta dela) está a ser destruída alarve e gratuitamente. Não apenas se perdeu a independência, já de si ténue e enfezada nos últimos séculos, como se penhora freneticamente qualquer hipótese de recuperá-la. O Neo-Prec está a tratar de completar o serviço que o Prec e o Pré-Prec deixara a meio e o pós-Prec não mais deixou de untar na forma com levedura e fermento. Em suma, da decapitação política, passando pelo vácuo pensante, alcança-se finalmente,   a sinarquia dos Espantalhos.
Vão dizer-me que a actual sumidade que preside às Finanças não sabia que o aumento de impostos era basicamente estúpido e conduziria fatalmente à diminuição da receita e à frustração do défice?!... Então, o país tem à frente dos negócios públicos um cromo polidiplomado e sobredotado (presumo) que percebe menos de economia do que eu (que entendo muito pouco)?...
Incompetência grosseira ou crime contumaz e premeditado? Mas o problema eram as importações que faziam disparar o défice? O problema é o Mega-estado a cavalo na Nacinha, já toda a gente sabe isso, mesmo as alforrecas do oceanário, mas é sobretudo a falta de genuíno mercado interno, isto é, de transacções internas - troca e fornecimento de bens, matérias e produtos nacionais para colmatar as necessidades nacionais. Isso é o essencial na economia de qualquer país; porque isso é que consolida o próprio país (como a ausência disso o transporta à dependência, à ruína, à corrupção e, cúmulo de tudo isso, à desagregação social).  Nacional não é nenhum palavrão: significa apenas, para estes efeitos comezinhos, menor exposição à dívida. Se nenhuma empresa funciona de portas abertas, porque raio há-de um país funcionar? E se um país não é o mais digno dos empreendimentos, então é o quê? - Um mero pretexto para contrair dívida e vociferar dislates, asnorreias e taras ideológicas?  Nós não temos que desatar a abastecer freneticamente não sei quem na Patagónia ou no Bangla-Sobe:  temos que começar por ter (ou recuperar) a higiene económica básica de nos abastecermos a nós próprios. Só depois de garantido o necessário é que nos podemos dar ao luxo de vender o supérfluo. A globalização não era apenas uma fatalidade: foi-o de facto e no sentido calamitoso do termo. Mas, no nosso caso, a globalização constituíu apenas o desenlace lógico da internacionalização que a nossa estúpida (e criminosa) entrada para a CEE (e pior ainda, para o Euro) encetou.  Ora, nunca a catástrofe constituiu bom alicerce para morada humana. E isso não se resolve com a destruição do que resta do aparelho produtivo e da rede de serviços indígena, a pretexto dum qualquer delírio tremendista orçamental. nem com a interrupção furiosa e animalesca do fluxo monetário interno. Todavia, os mesmos que davam vivas à globalização e à chinezice planetárias, e que celebravam a liquidação da autonomia com grandes urros tribais e hossanas ao Alá dos Mercados, babam-se agora em volúpia austeritária. Lá está, são os neo-comunas, os novos marchantes-linguareiros, no Neo-Prec. As quintas colunas à solta na destruição da realidade em nome dum qualquer amanhã, já nem chilreante, mas apenas gemebundo. Para eles, hoje e sempre, quanto pior, melhor. O culminar da bebedeira é a ressaca; e das revolucinhas a resignação e a sujeição decuplicada.
Mas voltam os desculpabilistas de plantão, a cavalo na retoricazinha de conveniência: Ah, não foi ele, o Gasparcoiso, não foram eles, coitados, estes montes de palha manhosamente eleitos que nos pastoreiam... Foi a Troika! A Troika é que é a culpada , não são os troika-tintas - os mandarinetes de vão-de-escada!... Então, mas chegam aqui uns tipos e decretam: "quereis drog..., digo, dinheiro, então pegai lá nesta pistola e dai um tiro nos miolos! Ou então tomai lá estes macetes e toca de quebrar as articulações, todinhas, à bela maneira dos suplícios legais do antanho!....Sim, porque o vosso foi um crime de regicídio - de atentado ao Deus Mercado na pessoa do seu representante  na Terra: o Rei-Finança!..."
Isto é aceitável? Pior, não só é aceitável, como devém imperativo categórico, desígnio nacional? Dinheiro a troco do suicídio colectivo!... A última coisa que um povo arruinado precisa é que a agressão estrangeira, sob a capa do resgate, seja, mais ainda que capitaneada, ampliada pela cumplicidade, a conivência e a insídia dos seus governantes. Há um nome muito concreto para isto: alta-traição, e merece justamente pena de morte.  Mas mesmo que um bando de castrados políticos supinamente traidores e placidamente velhacos o aceitasse, como é que todo um povo pode aceitar, resignar-se a ser levado para a nulidade existencial e conduzido, que nem gado bovino, ao matadouro da esperança?  Mas são os quê, estes auto-proclamados portugueses actuais: homens ou larvas?  
Dito com franqueza, nem é a pena deles que me transporta à indignação (e à insurrecção, não tarda muito): é o nojo!... Porque contra a ruína económica não é difícil combater e o trabalho, quando bem direccionado pelo ânimo, até resolve. Agora contra a ruína moral, contra a caquexia de alma e o império dos bandulhos roncantes, sinceramente, por mais que me me esforce, não vislumbro cura - apenas um preço bem mais alto que a estrita insolvência: a dissolvência.
Este beco não tem saída.





quinta-feira, setembro 13, 2012

Terceira Lei de Newton




Acção:

Obama não recebe o primeiro-Ministro israeloiso (e manda o chefe de estado maior general puxar as orelhas ao "Anãozinho megalómano" do Médio-oriente (em matérias políticas),  ou Extrema-Europa (em questões desportivas e festivaleiras).

Reacção:

 O Embaixador americano na Líbia é abatido.


Moral da História: Todos estamos cansados de saber onde conduz a Hubris.



PS: Para os menos entendidos nas matérias científicas, poupo-lhes a viagem ao google e à wikipédica... 3ªLei de Newton: A toda a acção há sempre uma reacção oposta de igual intensidade.

quarta-feira, setembro 12, 2012

Acerca da crise




Quando Dante escreveu a sua Divina Comédia, colocou a conhecida expressão "Abandonai toda a esperança, vós que aqui entrais!" a servir de dístico aos portais do Inferno. Pois bem, há sete séculos isso fazia imenso sentido. Mas se fosse hoje, Dante, forçado pelos ditames da época, provavelmente, escolheria outro rótulo mais de acordo aos costumes dominantes. E assim, em vez do "abandonai toda a esperança", se bem o conheço, teríamos, quase de certeza: "Democracia consolidada".

Ironias do destino, ou Do Tal que escreve direito por linhas tortas...

Nada como o envenenador provar do próprio veneno, ou quem lança a peste cair vitimado por ela, para nos reconciliar, ainda que momentaneamente, com a existência.

«Embaixador norte-americano na Líbia morre em atentado»


Enfim, a "democracia a martelo" a morder a própria língua.


Sabedoria de vida

Um tipo tem que cometer umas loucuras de vez em quando... senão ainda dá em maluco.

domingo, setembro 09, 2012

Mais medidas é que não!...

Ainda eu mal me tinha sentado à mesa, onde o Engenheiro-Arquitecto Ildefonso Caguinchas massacrava uns caracóis ao mesmo tempo que votava imperiais à devastação, e já o gajo, com aquele olhar arguto que o distingue e caracteriza, me inquiria de chofre:
- E tu, Dragão, diz lá: que medidas urgentes achas que o Primeiro-Ministro devia tomar a bem da salvação nacional?
Já que ele nem me deixava pousar, tratei de responder sem deixar cair a bola no chão...
- "Medidas, Caguinchas... Medidas, nenhumas. Não são medidas, nem urgentes nem de qualquer  outra espécie, que o país precisa que ele tome. Ele, mais os ministros todos, e os deputados, e o PR, e o PGR, e Presidente do Supremo, do Ínfimo e do Assim-assim!..."
-"Olha-me este! Q'a ganda nimlista! - Estrilhou o meu interlocutor, ingurgitando mais um gastrópode com fezes e tudo. - Estás feito mais um daqueles que não diz nem não nem sim: nim! Atão se o palhadino, ou palhaçano,ou palhacéfalo ou lá o que é não toma medidas, há-de tomar o quê?
- Veneno,  Caguinchas, veneno! Arsénico, estricnina, 605 Forte. Bem forte!!...



sexta-feira, setembro 07, 2012

Vista da porta da minha caverna,




As árvores (fora os eucaliptos), plantei-as eu, bebezinhas...

domingo, setembro 02, 2012

Das cleptocracias de conveniência





Se não lesse nos jornais, não acreditava: o MPLA ganhou as eleições em Angola. Que surpreendente! Até porque ninguém esperava... 
Por falar em ficções: eleições em Angola é como boutique de saladas em aldeia de canibais.
E o Super-Soba lá se perpetua...   Acho que é a diferença abissal entre as "armas de destruição maciça" e as "armas de destruição macia". Por outro lado, são as sempiternas afinidades electivas: entre o money business e o monkey-business.

sábado, setembro 01, 2012

Lipo-Conspiração (r)





Íamos os dois, eu mais o Caguinchas, pela rua acima, com o frio a serrar-nos as orelhas. Seguíamos, como deveis calcular, em peregrinação devota a um bordel, coisa fina, coisa de classe, que um qualquer safardana das relações dele lhe havia apregoado como vaza-testículos do outro-mundo.
-"Ó Dragão, aquilo, disse-me o gajo, nem é mudar o óleo: é subir ao sétimo céu!..." – Bradara-me o Caguinchas, excitado, quase a babar-se, meia hora antes.
Envolto num tal chantilly metafísico, de fenómeno transcendente, lá acedi em acompanhá-lo ao interessante estabelecimento, não sem que antes ele me garantisse e jurasse a pés juntos, por alma da mãe, pelo menos umas vinte vezes, que o tabernáculo estaria apinhado de beldades exóticas, cada qual mais formidável que a anterior. Mas não julguem que me ia entregar ao deboche e ao adultério. Não; desta vez não. Desta vez eu era só mais um peão numa estratégia que seria maquiavélica, se não fosse Caguinchiana.
De facto, o Caguinchas engendrara um plano, um plano caviloso e mirabolante. Não sei que idílios putafágicos o outro lhe pintara, que delícias e volúpias estonteantes lhe descrevera. O que é certo é que ele, incendiado nos apetites, metera na cabeça uma daquelas ideias estapafúrdias que traz sempre engatilhadas e prontas para abater, sem dó nem piedade, qualquer esboço de sensatez. Esta não perdia para nenhuma das precedentes. Resumia-se ao seguinte: desta vez, nada de petiscos; destas vez tinha que ser um banquete. Traduzindo: o Caguinchas, assaltado por megalomania fornicadora, não se contentaria com uma das funcionárias: tinha que as comer a todas. E em simultâneo. Em suma: Cismara de açambarcar as putas.
De caminho, para melhor me convencer a secundá-lo e a assessorá-lo na empresa, ia apresentando razões eloquentes para o seu desvairado projecto de monopólio sexual:
-" Um gajo, ó Dragão, tem que mergulhar num mar de mulheres, pelo menos uma vez na vida. Senão não vai daqui baptizado..."
Para que aquele golfinho de bordel não encalhasse irrecuperavelmente nos baixios da heresia, eu contrabalancei com uma ondulação ligeiramente mais filosófica:
-"E há quem sustente, ó Caguinchas, que quem dominar as putas, dominará o mundo!"
-"Dominasse eu as putas e queria lá saber do mundo!..." –Atalhou ele, entre o alucinado e o visionário, qualquer um deles a transbordar de sinceridade.
Percebi que já nenhuma força humana poderia pará-lo. O destino servia-se dele e ele, insuflado pelo Destino, ardia por se servir das putas.
Lá fomos. Ou melhor, lá íamos, como eu principiei por dizer. Faltará talvez acrescentar, a bem da literatura, que palmilhava ele o empedrado tipicamente luso da calçada vestido de Sheik Árabe (pelo menos, ia convencido disso) e acompanhava-o eu mascarado de intérprete. Na complexa, mas todavia singela, lógica do Caguinchas, essa era, sem dúvida, a forma de melhor açambarcar as putas sem contradição. Em primeiro lugar, porque os árabes funcionam ancestralmente com haréns, ninguém lhes estranha por isso o capricho; e em segundo lugar, razão de ser do primeiro, porque são podres de ricos. A pretexto do harém, explicava ele, convocavam-se e açambarcavam-se as putas; a pretexto da riqueza, enganavam-se os donos ou donas delas. Claro está que o Caguinchas pretendia banquetear-se e sair, como sói dizer-se, à francesa. O seu lema predilecto, de resto, enunciava-o sem subterfúgios: "Foder à portuguesa e sair à francesa" (que traduzido dá: "foder e não pagar"). A minha missão naquele previsível embróglio (que só Deus sabe como iria acabar), era argumentar e negociar tudo isso com as indígenas e alcoviteiras, assim que chegássemos ao local do festim.
Entretanto, enquanto íamos andando, ele, debaixo do lençol branco, ia rosnando qualquer coisa.
-"O quê?!...", perguntei eu, sem entender.
-"Estou a ensaiar o árabe." – explicou-me ele.
-"Mas, que diabo, tu não sabes falar árabe!..." – Admoestei-o.
-"E tu, sabes?..." –Ripostou ele, sibilino.
-"Não..." –Tive que reconhecer.
-"Então como é que sabes que eu não sei? – Atirou-me, em triunfo. E desatou numa algaraviada abstrusa, verdadeiramente compenetrado. Arengava pelos cotovelos e gesticulava com eloquência, para dar mais ênfase ao discurso.
Ultrapassando uma breve perplexidade, decidi contra-atacar.
-"Ouve lá, ó Caguinchas: se eu não sei esse árabe que tu falas como é que traduzo o que tu dizes?"
Interrompeu-se, subitamente, a pensar. Mas não pensou muito, pois em menos de nada já me dizia:
-"Porra, ó Dragão, fazes como eu: inventas!"
"Este gajo deve andar a tomar coisas", pensei para com os meus botões. "Estarei a sonhar?..."
Mas não estava. Caminhava, isso sim, em bom ritmo, pela rua acima, direito a "Nãovosdigoonde". Um autocarro amarelo passou por nós e recolheu dois velhotes mais adiante. O Caguinchas continuava a palrar um árabe imaginário e eu, para não lhe ficar atrás, decidi experimentar o japonês de improviso. Ensaiava até, naquele ronco gutural característico, um "ó filho da puta, ainda falta muito?", e ia ele responder-me, presumo, naquele linguajar ululante, um "aguenta lá os cavais, está quase!", quando, ao cruzar-se com o placard publicitário da paragem do autocarro, onde uma Fernanda Serrano horripilantemente prenha se exibia em promoção a não sei que usurário, o Caguinchas estacou, perfilou-se muito sério, embasbacado e, pior que tudo isso, inexplicavelmente silencioso. Tirou mesmo os óculos escuros e pôs-se a mirar e remirar a futura mãe com a maior das atenções.
Eu, que já o conheço, temi. Temi e preparei-me. Pressenti que não ia brotar dali nada de bom. O ar aterrado com que ele se voltou para mim não tardou a confirmar os meus sombrios presságios. Com um misto de angústia e solércia a devassarem-lhe o olhar, o Caguinchas deixou bem claro que estava em vias de ir proferir qualquer prodígio. Eu segurei-me ao chão o melhor que pude e mentalizei-me para a catástrofe. Não em árabe imaginário, mas em portugês de Alfama, as palavras brotaram-lhe, por fim, geladas, abominatórias:
-"Ó Dragão, esta mulher...esta mulher está deformada! Macacos me mordam se esta mulher não foi alvo duma lipo-conspiração!..."
Fiz o melhor que pude para tentar recuperá-lo de volta à órbita terrestre.
-"É a Fernanda Serrano, pá: Está grávida."
Mas o Caguinchas já ia para lá de Júpiter, a caminho de Saturno. Atropelava satélites e pontapeava sondas. Apontando veementemente o infausto placard publicitário, quase vociferava:
-"Não brinques comigo! Eu ainda sei o que é uma mulher grávida. Uma mulher grávida é uma paisagem tranquila, reconfortante, tem luz nos olhos! Esta desgraçada não tem nada disso. Está deformada, exibe-se num estado grotesco. Foi vítima duma monstruosidade qualquer, caralho, difícil de imaginar!..."
-"Lá estás tu, ó Caguinchas!... –Tentei acalmá-lo. – Não vês que as mulheres engordam quando estão grávidas, desatam a enfardar que nem debulhadoras!?...São coisas do caralho, decerto, mas não é caso para um alarme desses!...Irra!"
-"Não me fodas, pá!... Ribombou, indignado, cada vez mais fora de si e quase a evadir-se da Via Láctea. – Não me atires areia prós olhos! Eu bem que desconfiava que andas a ficar nazi: olhas para uma desumanidade destas e achas normal, normalíssimo, trigo limpo farinha amparo!..."
-"Desumanidade?! – Enfureci-me com o exagero. – Então a rapariga toda contente, numa figura toda ufana, a embolsar uma pipa de massa e tu vens-me com desumanidades?!..."
-"Caralho! Foda-se! –Clamou, iracundo. –Olha-me bem para ela! Vá, assesta-me bem essas miras nesta infeliz: quem quer que a desfigurou a este ponto, a este monte de banhas caóticas, horrendas, não pode ser humano!...Isto só pode ser obra de extra-terrestres, alienígenas tarados, emprenhadores vindos de outra galáxia!...Um raio me parta se esta desgraçada, em vez de bebé, não carrega um "passageiro" dentro dela!..."
Esta teoria Caguinchiana da predação intrauterina e intergaláctica não era nova. Pacientemente, ele passava a vida numa espécie de recolhimento laboratorial, a aperfeiçoá-la, a reunir provas, a pesquisar notícias. Para ver se saíamos daquele impasse e ele se calava de vez, lá me dei ao trabalho de contemplar o putativo aleijão com todas as minúcias que me eram requeridas. Antes não o tivesse feito.
Olhando bem para a rapariga, absolutamente irreconhecível de facto, uma certa repulsa começou a entranhar-se-me no espírito. A beldade de outrora, com que a memória paliava a realidade actual, cedia lugar a um doloroso estafermo. Para meu grande espanto, a teoria do Caguinchas já nem me parecia tão absurda quanto isso. Lembrei-me então do anormal - do trondão alvar - com quem a moça casara. Resignado, tive que admitir:
-"Pronto, pá. O país e o planeta, realmente, estão cada vez mais infestado de extra-terrestres. És capaz de ter razão. Talvez tenha sido mais um caso daquilo a que os especialistas chamam "alien-abduction e tu classificas como "lipo-conspiração"!...Satisfeito?"
Só que uma imensa tristeza instalara-se no Caguinchas. Uma tristeza que nem o triunfo científico sem precedentes amenizava.
-"Isto dá-me arrepios." – Murmurou, soturno.
-" Pois, mas adiante! – Tentei animá-lo. – Deixa lá isso; as putas estão à nossa espera!..."
Mas debalde. O Caguinchas ficara mesmo impressionado com o desastre. Com um luto magoado na voz, pouco mais conseguiu que gemer:
-"Eh pá, Dragão... vamos deixar as putas pra outro dia. Isto até me tirou a tesão!..."

Só espero que não venha a sofrer de stress pós-traumático.