O slogan do Presidente Wilson, por altura da Primeira Grande Guerra:
«The world must be safe for democracy».
Para Wilson, a Grande Guerra é, na essência, uma guerra de libertação das pequenas nações oprimidas, contra o imperaliamo e pelo direito desses povos infelizes e desvalidos à auto-determinação. Isto, pelos vistos, em nada invalidava (ou sequer inibia) a política do Big-stick, na linha do pensamento Monroe, praticada pelo mesmo Wilson e traduzida nas intervenções armadas no México, no Haiti, na República Dominicana, no Panamá (duas vezes), em Cuba, nas Filipinas, etc.
Em Março de 1947, no Congresso Americano, o Presidente harry Truman, enuncia a sua doutrina acerca do papel de policia global que a potência americana entende auto-arvorar-se (a bem da "estabilidade", proclamam): "Onde quer que uma agressão, directa ou indirecta, ameace a paz, está em jogo a segurança dos Estados Unidos; onde quer que a segurança dos Estados Unidos esteja em jogo, Washington contribuirá para restaurar a democracia". Truísmo esquisito, havemos de convir. Ou pescadinha de rabo na boca que, no fundo, significará que todas as democracias do mundo são projecções da democracia americana - o que, a limite, outra coisa não representará que o mundo inteiro como "projecto americano"; ou o planeta Terra como uma "américa em Devir", ou um "dever ser" americano. Mas que traduzido naquilo que importa àquela mentalidadezinha de réptil calvinista dará qualquer coisa como "todos nós", resto do mundo, já nascemos em dívida com a "América". Justíssimo pois que eles andem pelo mundo a cobrar. Ou extorquir, como dizem as más línguas.
Em Janeiro de 1949, o mesmo Harry Truman, na "mensagem sobre o estado da União, Point IV, perora, em êxtase benemérito:
«temos de lançar um novo programa que seja audacioso e coloque as vantagens do nosso avanço científico e do nosso avanço industrial ao serviço do progresso e do crescimento das regiões subdesenvolvidas. Mais de metade da população deste mundo vive em condições próximas da miséria. A sua alimentação é insatisfatória. São vítim,as de doenças. A sua vida económica é primitiva e estagnada. A sua pobreza constitui um óbice e uma ameaça, tanto para elas como para as regiões mais prósperas... Só ajudando os seus mebros mais desfavorecidos a ajudarem-se a si mesmos a família humana poderá concretizar a vida decente e gratificante a que toda a gente tem direito. Só a democracia pode fornecer a força vivificante capaz de mobilizar os povos do mundo para uma acção que lhes permita triunfar não só contra os seus opressores mas também contra os seus inimigos de sempre: a fome, a miséria e o desespero.»
Tradução: O far-west agora é lá fora, onde aguardam ainda inúmeras tribos índias que urge pacificar, digo, democratizar.
O mesmo tipo que diz isto, não teve qualquer pejo em constituir-se, na História, como o maior genocida instantaneo de todos os tempos, ordenando o lançamento de engenhos atómicos sobre populações civis.
Em 1920, Evguéni Zemiatine, começa a escrever, na União Soviética, e inspirado nela, a distopia "Nós". Concluído em 1921, o manuscrito vai parar imediatamente ao índex, donde só sairá em 1988, data da primeira publicação da obra em língua russa. Principia assim:
«A construção do Integral estará concluída dentro de 120 dias. Aproxima-se uma grande data histórica: aquela em que o primeiro Integral encetará o seu voo nos espaços infinitos. Há mil anos que os nossos heróicos antepassados reduziram toda a esfera terrestre ao pode do Estado único, e um feito ainda mais glorioso nos espera: a integração das imensidades do universo pelo Integral, formidável aparelho eléctrico em vidro e que expele fogo. É nossa missão submeter ao jugo benéfico da razão todos os seres desconhecidos, habitantes de outros planetas, que talvez se encontrem ainda no estado selvagem de liberdade. Se eles não entendem que nós lhes proporcionamos a felicidade matemática exacta, é nosso dever obrigá-los a serem felizes. Mas antes de qualquer outra arma, usaremos a do Verbo... Viva o Estado Único. Vivam os números. Viva o Benfeitor.»
Que o modelo socialista soviético tenha inspirado esta visão a Zemiatine não nos espanta. Todavia, que ela já na altura também se aplicasse- ipsis verbis! - a outro empreendimento bem mais dissimulado, e perdure ainda hoje, com gana e garra sempre renovada, é fenómeno que não deveria nunca deixar de nos inquietar.
Até porque já estamos cansados de saber e experimentar a dentuça e a goela que se escondem detrás do tal "Verbo".
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