quarta-feira, março 02, 2011

Macbeth ainda vive


«Macbeth é o mal fantasma. Ele não é daqueles lobos que andam, pela noite da história, dilacerando as liberdades das pátrias. Não.
É uma energia inconsciente e fatal. Um pouco mais mergulhado na sombra, seria igual a Satã. Quando a sua coroa reluz na escuridão parece que as constelações devem seguir aquele reflexo terrível, curiosas de saber que sombria aventura vai ele tentar contra o Homem. Porque é certo que ele provoca a atenção do infinito, e tem misteriosas afinidades na noite.
Ele atravessa todo aquele drama como um espectro.
(...)
Ésquilo, quando vê Prometeu pregado no Cáucaso, olha desvairado, e vendo lá em cima a serenidade de mármore dos deuses de nomes sonoros, vem, pálido, ajoelhar junto daquele rochedo ideal e santo como um altar, e apenas, sufocado, pode fazer um gesto suplicante ao velho mar, para que mande as suas oceânides consolar o vencido enorme.
Shakespeare porém quando vê Macbeth matar os reis, matar o povo, matar os homens históricos, derrubar os capacetes heráldicos, matar os instintos, matar os Macduffs, matar as crianças de olhar divino, as mulheres de seios fecundos, matar a pátria, corre desvairado, toma uma floresta e vem esmagara feroz criatura sob um desabamento da santa Natureza: e aquele castigo passa com o ruído terrível do carro da justiça.»

- Eça de Queiroz, "Prosas Bárbaras"

Duas notas breves, uma sobre o autor do texto, outra sobre o conteúdo do mesmo. 1. Como é que um tipo com um talento destes acaba a escrever romancetes para burguês ler (pior descalabro em vida só mesmo a obra de Camilo com as suas novelas a cordel)?... Nunca me cansarei de lastimar.
2. Num ponto, Shakespeare e eu concordamos na perfeição: a única revolução genuína e meritória - a única digna da nossa Esperança - é a da Natureza. Todas as restantes não passam de imitações de fancaria, arremedos e macaquações onde toda a justiça se vê usurpada e conspurcada pela mera e suja violência. As revoluções humanas jamais têm excedido o mero trampolim da velhacaria.
É por isso que eu, no meu respeito humilde, não incomodo Deus com as minhas súplicas. Em contrapartida, rezo às montanhas, aos ventos, aos oceanos, aos gelos, aos astros e meteoros porque, de algum modo, suspeito, reconheço, sei que neles habita Nemésis - a força cósmica e eterna da retribuição e do reequilíbrio.

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