quinta-feira, março 18, 2010

Fedor mortis

Se é certo que temos um Primeiro-Ministro verdadeiramente inenarrável, não é menos certo que isso já não nos deveria causar qualquer espécie de urticária ou espanto. Afinal, longe de constituir caso excepcional, súbita anomalia, antes estadeia uma regra recorrente, uma excrescência típica (que nem chega a epifenómeno) dessa fermentação catita a que os cómicos e afectados de serviço estimam de chamar regime democrático. Visto friamente, Sócrates, à sua maneira desajeitada de tosco mal envernizado, apenas comete aquilo que a impunidade e a rotina dos seus predecessores, tanto quanto a quadrupedia mental dum povo adestrado e embrutecido no alombar tanso de elites rasteiras e parasitárias, facilitam, lubrificam e promovem.
Quanto ao regime, sendo de alterne, não possibilita, todavia, qualquer espécie de alternativa, ou variação mínima. Os partidos sucedem-se, se tanto, nos úberes do erário público, mas não se distinguem. Os dois principais geminam-se e competem nas desqualificações. A haver um resquício de justiça ou mera lógica mais depressa alcatrariam as penitenciárias do que os parlamentos ou ministérios. Os restantes, à medida da vigarice e do capricho eleiçoeiro, lá pastam pelas manjedouras adjacentes, entre sindicatos, autarquias, academias, pasquins, redacções e lobis (dou de barato os blogues). Todos juntos, corporizam o cancro que vai minando e carcomendo o país, injustamente cognominad0 de partidocracia, porquanto é na verdade duma autêntica e retinta partidofagia que se trata.
Não estamos diante dum problema que aguarde solução, ou sequer perante uma nódoa à espera de remoção, como dizia o outro. Isto já não vai lá com matemáticas, nem existe benzina capaz de absterger tamanha quantidade de estrume encardido. A própria cor do tecido social há muito que desapareceu sob uma capa gordurenta de surro lustroso. Uma mancha negra e pestilenta que, aos poucos, tem coberto a educação, a cultura e a justiça. Não que elas já valessem grande coisa na véspera, mas decerto dispensariam todo este despenhamento num minhocário abaixo de cloaca.
Também gradualmente, este "pseudo-regime" da maioria soberana vai-se marimbando cada vez mais despudoradamente para essa maioria lorpa e meramente folclórica. O rincão vai ficando cada vez mais inóspito para os maioritários (ou normais portugueses) e cada vez mais aprazível para os minoritários (ou portugueses especiais). O importante agora é mimar as minorias. Apaparicá-las até à medula, ao esfíncter. Lamber e relamber até à exaustão. À náusea!... Mas sempre com volúpia espalhafatosa, exibicionista. E não são já apenas os ricalhaços, os plutocoisos e respectivos avatares. Dir-se-ia até que vagamos, espectralmente, num nazismo de patas para o ar. Os mesmos que outrora eram conduzidos ao campo de concentração, agora são levados em colo ao Olimpo. Não é só o crime que compensa: é sobretudo a aberração. E a cobardia, a histeria e a hipocrisia também.
O desígnio nacional? É bem evidente e há muito que se tornou realidade concreta. Deveio mesmo compulsão colectiva... Annilingus em toda a sua desapoteose! Annilingus ao poder e à força, seja em acto (ou governo), seja em potência (ou oposição), seja em superpotência ou infra a cavalo na super. Dispenso-me de enunciar os nomes destes mega-ídolos de toda uma caterva de línguas devotas e veneradoras. Assim como me poupo a desejar-lhes bom proveito, porque presumo que, no seu protozoário entender, o retiram às carradas e assim, na mais pimpona e gratificada das imundícies, se auto-gloriolam e justificam!

Enfim, não sei para que serve.
Mas tudo isto existe
tudo isto é triste
e nem chega a fado: apenas fede.


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