segunda-feira, junho 22, 2009

Desmagalhaecizem-se, carago!




«Não é de todo verdade - como deixa entender a leviandade dos defensores do multimedia - que a perda da cultura escrita é compensada pela aquisição de uma cultura audiovisual. Rei morto, não é dito que outro se ponha: pode-se também ficar sem rei. Uma moeda má não compensa a moeda boa: escorraça-a. E entre cultura escrita e cultura audiovisual existe só contraste. Como observa subtilmente Ferrarotti, " a leitura requer solidão, concentração na página, capacidade de apreciar a clareza e a distinção"; enquanto o homo sentiens (o equivalente ferrarottiano do meu Homo Videns) exibe características totalmente opostas (...)
A cultura audiovisual é "inculta", portanto, não é cultura.
Dizia eu que, para remediar, se deve sempre começar pela tomada de consciência. Os pais, embora como pais já não sejam grande coisa, devem assustar-se com aquilo que irá acontecer com os seus filhos: cada vez mais almas perdidas, sem rumo, anómicos, aborrecidos, a fazer psicanálise, em crise depressiva e, numa palavra, "doentes de vazio". E temos de reagir com a escola e na escola. A tendência é para encher as salas de aula com televisores e word processors. Pelo contrário, deveríamos proibi-los (mantendo-os apenas para o ensino técnico, por exemplo, para um curso de dactilografia). Na escola, as pobres crianças têm de ser "entretidas". Dessa forma, nem sequer se ensina a escrever, e o ler é o mais possível marginalizado. Assim, a escola reforça a videocriança, em vez de a contrariar. A tendência dos jornais é parecida: é a de imitar e de ir atrás da televisão, aligeirando-se de conteúdos sérios, insuflando e gritando acontecimentos emotivos, aumentando a "cor", ou cofeccionando notícias em pacotinhos de telejornal. No fim deste caminho, chega-se ao "USA Today", o mais vazio dos diários de informação do mundo. Pelo contrário, seria melhor que os jornais dedicassem todos os dias uma página às parvoíces, futilidades, trivialidades, erros, asneiras, ouvidos na televisão no dia anterior. O público divertir-se-ia, leria os jornais para "se vingar" da televisão, e talvez também a televisão melhorasse.
E a quem me diz que se trata de acções de retaguarda, respondo: e se, pelo contrário, fossem de vanguarda?»

- Giovanni Sartori, "Homo Videns"

Deixem que diga que não conheço o autor. Tenho para aqui o livro que nunca li, mas agora, um tanto atraído pelo título, desfolhei e dei com esta passagem extremamente interessante. Com a qual, aproveito para proclamar, concordo em larguíssima medida. Acho até que depois disto, vou ler o livro todo.
Comprei-o por 1.5€ (atesta-o ainda a etiqueta) - se bem me lembro, numa dessas liquidações de coisas que a ninguém interessam. Refugo de editoras. Provavelmente naquele primeiro andar da Praça da Ribeira, logo a seguir aos vinhos e defronte dos bailaricos para a terceira idade. A verdade, ou anda a monte; ou passou definitivamente à clandestinidade.
Sabem o que é underground hoje em dia? Sófocles.

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