Bem, não é todos os dias que me tecem um estupendo encómio destes. No essencial, cumpre-me agradecer a amabilidade apologética e enviar daqui os antecipados (tanto quanto sinceros) votos de Feliz Natal e Próspero Ano Novo. Algumas minudências acessórias e outras pubofelpúcias circundantes, contudo, requerem umas brevíssimas e complementares notas de rodapé. Ou mão, como estiver mais a jeito.
Começo pela primeira. Provavelmente o Pedro Arroja tem uns certos e compreensíveis cíumes do João Miranda. Isto, porque, como é público e notório, a chamada posta à Mirandesa é-me irresistível. Mais que ao tempero, agora que penso nisso, creio que deve creditar-se à putreza imaculada dos ingredientes. O Pedro Arroja bem se esforça (desse acabado imbecil que lhe serve de sacristinho nos dias pares e side-conas nos ímpares e que responde pelo inenarrável epíteto de Jaquim, então, nem comento), mas não consegue. Às vezes, confesso, até me aproximo, pondero o snack, aprecio os lombos, avalio a tenrinhidade da posta, mas retiro-me invariavelmente entediado. Não duvido, em modo ou tempo algum, da guloseima garantida que o fedor abona e credita; muito menos desprezo os enfeites e rodelinhas sempre a preceito. A realidade, porém, é que nunca está suficientemente vácua, manhosa, sofista, pueril e tratante. Não é que o caro Pedro não se esfalfe e não se note esse -às vezes, titânico – esmero suado, mas deixa sempre umas costuras de senso à vista, alguns pedacinhos de verdade na mistura; uns grumos de decência aqui e ali; um resquício de portuguesismo que, apesar de serôdio, promete desde logo estragos e sobressaltos na digestão. Ora, o senso, a decência, a verdade et al, por minúsculos que sejam, torpedeiam (quando não envenenam) qualquer culinária. Arruínam qualquer sopa, salada, guisado ou simples petisco, tanto quanto desencorajam a mandíbula mais exigente e audaz. Com as postas à Jota Miranda, Deus o abençoe e no-lo guarde por muitos e bons anos, não temos problemas desses. Aquilo mana-lhe naturalmente; a trampolinice está-lhe na massa do sangue; respira falácia como qualquer humano não anfíbio respira oxigénio; é duma protérvia fanática e inefável, quase a raiar o angélico. Quase, que digo eu, a trespassá-lo mesmo, a crivá-lo a eito de ávidas e ferozes dentadas! E depois, não toscando coisa que se veja de praticamente nada, consegue debitar invariáveis e sumptuosas enormidades sobre praticamente tudo. Não é apenas, no meu imodesto entender, o maior de todos os blogueres ao cimo da Terra: é o bloguer quase perfeito. Porque a perfeição, essa, como é evidente, está reservada para a ovelha ronhosa cá da família: o meu primo do Apocalipse, pois. Portanto, estimado Arroja, aceite um conselho amigo: não perca tempo com certas emulações impossíveis. Não se exaura em metas inalcançáveis, em desidérios e refrigérios ultraviçosos e semprerectus. Não basta andar sempre a pedi-las: há também, e sobretudo, que merecê-las. Se o peditório bastasse era a falência da Santa Casa.
Avancemos para o segundo ponto. Ao passear a vista pelo seu laudatório, lembrou-me quase instantaneamente aquela entrevista que fizeram um belo dia ao Anthony Burgess, o ditoso e preclaro autor da “Clockwork Orange”. Questão manhosa, mas capital, do entrevistador: “Porque é que os seus livros versam obsessivamente sobre um mundo de sexo e violência?” Resposta do Burgess: “Mas há mais alguma coisa no mundo?!...” (Já não me recordo das palavras exactas, mas o sentido era este)...
Da mesma forma, ao lê-lo, ó caro Arroja, proclamando que gasto todo a minha vasta e cintilante constelação de virtudes, qualidades e talentos (que clara e galopantemente exagera) num exercício metódico de zombaria e escalavrura, também apetece responder: “E acha que todo este efervescente asnódromo de egos, superegos, pategos e labregos que é a blogosfera merece mais?” Ou então, pior um pouco, vai-nos dizer que milita naquela horda de gente vociferina (ora hostiofágica, ora hostiofóbica) que confunde piamente um blogue com um púlpito ou uma varanda napoleónica?...
Terceiro e não o amasso mais. Acordemos que lhe revelo a chave do mistério, a razão da odisseia. Que, afinal, até é bem simples. Tome nota: tipos com talento, maturidade, graça, imaginação e -nem sequer direi excelente, mas mediana - formação filosófica e clássica, como eu, entregam-se alegremente à destruição e ao desfrute das nano-ideias e pseudo-argumentúcias de energúmenos sem talento, nem maturidade, nem graça, nem imaginação e uma formação filosófica e clássica abaixo de zero. Chama-se a isto justiça poética. Um avatar hodierno da Nemesis ou Ate gregas.
Nemesis, já agora, deixe que lhe diga, poderia ser traduzida (entre outras) por “retribuição”. Ora, ao contrário dos tartufos esquerdóides que bramam a todas as horas por mais distribuição e contribuição, eu não creio que os problemas deste mundo residam num défice crónico de distribuição, muito menos contribuição ou coisa que o valha, mas numa aguda e escandalosa falta de retribuição. Eu sei que estou a ver a coisa a curto-prazo. É um erro típico dos humanos. Mas que quer, apesar de dragão, sou um impaciente. Deixo-me contagiar facilmente pelos indígenas.
Rematando: digamos que assim como o Cireneu ajudou o Cristo a arcar com o madeiro no passo difícil, eu vou adiantando serviço, auxiliando O Lá-de-Cima a dar com idêntica matéria vegetal devidamente aparelhada nos cornos dos sacripantas cá de baixo.
Não possuo, todavia, e como é evidente, os dotes artísticos e justiceiros do meu antepassado Vlad, mas disso, bem amarga, diária e contristadamente, me penitencio.
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