«Os agiotas da Bolsa esganiçam-se agora a filosofar acerca da humanidade..., que para muitos deles não passa de um negócio. Porque, na realidade, sem a guerra, pode acontecer que se derramasse ainda mais sangue. Acreditai-me, em não poucos casos, se não em todos, - prescindindo das guerras civis -, é a guerra um meio de alcançar com um mínimo de efusão de sangue, de dor e de rasgos de energias a paz internacional e de estabelecer, quanto mais não fosse aproximadamente, relações normais entre os povos. Claro que é triste que assim seja; mas assim é. Mais vale acabar de uma vez à espada que sofrer dores intermináveis. E em que é preferível à guerra a paz actual entre as nações civilizadas? Pelo contrário, muito mais do que a guerra, animaliza o homem a paz duradoura, tornando-o cruel. Porque uma longa paz gera sempre vulgaridade, cobardia, um egoísmo cru e ácido e sobretudo... inércia espiritual. Nas épocas de prolongada paz só engordam os exploradores do povo. É crença geral que a paz produz riqueza... Mas isso apenas para a décima parte dos mortais. E essa décima parte, que não tarda a contagiar-se das enfermidades da riqueza, comunica-lhes, naturalmente, essas doenças às nove partes restantes, claro que sem a riqueza. Mas adoece de corrupção e de cinismo. Como resultado de a riqueza se acumular nas mãos de alguns poucos, os sentimentos desses embotam-se até raiar pela estupidez. O sentimento de distinção converte-se em manifestações de anormal ousadia e de anormalidades caprichosas. A voluptuosidade gera crueldade e cobardia. A alma grosseira e ébria do voluptuoso é mais cruel que a do próprio vicioso. Voluptuoso que desmaia diante de um dedo cortado é capaz de não perdoar a um pobre diabo uma dívida insignificante, pondo-o, tranquilamente, à sombra. Mas a crueldade gera uma preocupação meticulosa, cobarde, com a segurança própria, que, com o tempo, numa paz duradoura, se converte em angústia quase mórbida, a qual acaba por penetrar em todas as camadas sociais, provocando a mais tremenda ambição do dinheiro.»
- Dostoievski, "Diário de um escritor"
Dizia Nietzsche que "a guerra é a higiene dos povos". Nos últimos séculos, porém, tornou-se uma negociata suja de agiotas, um autêntico jacuzzi de pocilga. Pelo que, num sentido íntimo, actualmente, nem se diferenciará muito da paz. Ambas servem os mesmos interesses, ambas ordenham a mesma gadeza repugnantemente horizontal e suinocéfala. Que lhes faça bom proveito. Por mim, continuo imune às subtilezas destes progressos agro-pecuários. Permaneço um nostálgico incurável e empedernido duma boa guerrazinha à moda antiga. De um daqueles ginásios daquilo que os gregos apelidavam - com infinita justeza - de "andros". Ou seja, o viril.
A esta transumância burgueza, a toque de mamon, façam-me um favor: não lhe chamem civilização. Soa obsceno. Chamem-lhe castração & esterilização Inc. Do corpo, do espírito e dos sonhos.
E das duas uma: ou tomamos banho, ou ficamos à espera que nos varram daqui. Pois num tempo em que cada vez mais nos adestramos na separação do lixo e em que cada vez menos nos separamos e distinguimos dele, este, temo bem, será, mais dia menos dia, o destino fatal.
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