sábado, março 01, 2008

Humor negro

Refere-se Schopenhauer como uma espécie de "pessimismo por antonomásia". Ou o pessimismo em pessoa, nemésis de Leibnitz em acção.
Pois bem, não concordo. Schopenhauer, sendo, quanto a mim, um dos raros pensadores que vale a pena ler pela vida fora, além de Platão e Aristóteles, mais que da filosofia, é um génio do humor negro. Espanta-me -ou por outro lado, nem me espanta muito, pois o gajo era um pedante insuportável - que Breton não o tenha incluído na sua Antologia do Humor Negro. Trata de lá enfileirar Sade, Lichtenberg, até Fourier, e esquece-se desse vulto majestoso que é o mestre de Nietzsche. Barda merda, o Breton!...
Citarei meia dúzia de breves exemplos em prol desta minha preclara tese. Ora oiçam:

«As outras partes dos mundo têm macacos; a Europa tem Franceses. É uma compensação.»

«(Os Americanos) são, para falar com propriedade, os plebeus do mundo inteiro. Isso pode provir em parte da constituição republicana do seu Estado, em parte, deles extraírem a sua origem duma colónia penitenciária ou de descenderem de certas pessoas que tinham razão para fugir da Europa; o clima também pode contribuir alguma coisa para isso.»

«O médico vê o homem e toda a sua fraqueza; o jurista vê-o em toda a sua malvadez; o teólogo, em toda a sua imbecilidade.»

«Na moral, a boa vontade é tudo; mas na arte não é nada.»

«É preciso tratar uma obra de arte, como se trata um alto personagem; ficar de pé diante dela e esperar pacientemente que ela se digne dirigir-nos a palavra.»

«É só no nosso século que há escritores de profissão. Dantes não havia escritores senão de vocação.»

«Este mundo, campo de carnificina onde seres ansiosos e atormentados não subsistem senão devorando-se uns aos outros, onde todo o animal de presa se torna túmulo vivo de milhares de outros, e não conserva a sua vida senão à custa de uma longa série de martírios, onde a capacidade de sofrer cresce na proporção da inteligência, e atinge por consequência no homem o seu grau mais elevado: este mundo, quiseram os optimistas acomodar ao seu sistema e demonstrar-no-lo a priori como o melhor dos mundos possíveis. O absurdo é flagrante.
Dizem-me que abra os olhos e que passeie os meus olhares sobre a beleza do mundo que o sol ilumina, que admire as suas montanhas, os seus vales, as suas torrentes, as suas plantas, os seus animais, que sei eu? Então o mundo não é mais do que uma lanterna mágica?
Com certeza que o espectáculo é esplêndido para se ver, mas desempenhar nele o seu papel é coisa muito diversa.»

«Ninguém é digno de inveja; grande número é apenas digno de lástima.»

«Na previsão da minha morte, faço esta confissão: que desprezo a nação alemã por causa da sua estupidez infinita e que me envergonho de lhe pertencer.»

15 comentários:

  1. Mudando o sujeito, certos complementos circunstanciais e muitas vezes o próprio complemento directo, começamos a amar a negrura nívea deste humor, tão luso-transponível e intemporal ela é.

    PALAVROSSAVRVS REX

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  2. Lucidez em estado puro , literàriamente servida.

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  3. Não esperes muitos comentários às tuas dirreias em forma de espanador do conhecimento.Levantas pó,e acabas por provocar nesta tristeza de comentaristas , o que se lê acima.
    Creio que ao ler-te, tb eu estarei a colaborar para que os maus-tratos numa Familia portuguesa sejam menos, e mais espaciosos.Assim, não desistas, por favor.
    Necessitas disto para o teu controle, e o controle dos que te rodeiam em casa.

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  4. «Este mundo, campo de carnificina onde seres ansiosos e atormentados não subsistem senão devorando-se uns aos outros, onde todo o animal de presa se torna túmulo vivo de milhares de outros, e não conserva a sua vida senão à custa de uma longa série de martírios, onde a capacidade de sofrer cresce na proporção da inteligência, e atinge por consequência no homem o seu grau mais elevado: este mundo, quiseram os optimistas acomodar ao seu sistema e demonstrar-no-lo a priori como o melhor dos mundos possíveis. O absurdo é flagrante.
    Dizem-me que abra os olhos e que passeie os meus olhares sobre a beleza do mundo que o sol ilumina, que admire as suas montanhas, os seus vales, as suas torrentes, as suas plantas, os seus animais, que sei eu? Então o mundo não é mais do que uma lanterna mágica?
    Com certeza que o espectáculo é esplêndido para se ver, mas desempenhar nele o seu papel é coisa muito diversa.»

    Que belo texto, que nunca me deram a ler na escola!

    É por isto que digo: o gajo tinha vergonha de ser alemão? Eu tenho vergonha de pertencer à raça humana.

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  5. O anónimo das 10:39, o das 'dirreias', além de paneleiro deve é ser burro e masoquista. Se não tem nada para dizer, não perca tempo a parecer que existe.

    Vive e deixa viver, Bimbónimo!

    PALAVROSSAVRVS REX

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  6. Discordo. O Dragao que me perdoe a rudeza -- contra as suas celestiais labaredas so me posso valer, ainda que sem esperanca de conseguir fintar a hierarquia das forcas naturais, do meu instinto telurico -- mas o Schopenhauer, com aquela cretinice budista muito sentimentaloide da negacao da vontade, e "o" filosofo que nao vale a pena ler. Para os fans de "filosofias perenes" mais vale a pena lerem directamente os textos budistas. Eu por mim, depois de uma rapida incursao, acho que e uma perda de tempo. A nao ser, claro, que se queira fazer sociologia das religioes (e das seitas misticas...) com ambicoes Weberianas. Not my cup of tea...

    Julguei mesmo por um segundo que a comparacao com o Plato ou o Aristoteles era ironica...

    Quanto ao Nietzsche, um pensador de primeira agua, depois de um breve entusiasmo de juventude, por alturas da escrita e publicacao da Origem da Tragedia, pelo Schopenhauer, passou a ser deste um votado inimigo intelectual. E dispensou-lhe alias, como era timbre do Fred, uns valentes insultos. O Schopenhauer era a grande inspiracao filosofia do Wagner, que como se sabe passou depressinha de guru para cavalgadura no cosmos Nietzscheano.

    Modernista

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  7. Caro modernista,

    pode discordar à vontade.
    Mas sem a "vontadezinha" do Schopenhauer não havia Nietzsche, pois não?
    Recordo até uma frase feliz dum historiador qualquer da filosofia: "A Razão adoeceu com Kant, recolheu à enfermaria com Schopenhauer e morreu nas mãos de Nietzsche".

    Vai ver que é capricho ou embirração seus. Deve ser como eu com Descartes, Hegel ou Husserl. Já não falando na bosta do Sartre.

    Em todo o caso, o Schopenhauer distingue, clara e honestamente, se calhar como nenhum outro, os domínios da religião e da filosofia. No domínio da religião recomenda o cristianismo/budismo para a generalidade das pessoas, como uma espécie de sedativo para doidos varridos que de outro modo desatariam, muito provavelmente, a brutalizar-se e a entredevorar-se(tipo lúcido, o Artur). Os filósofos, porém, têm outras "necessidades metafísicas". E Schopenhauer não gosta de misturas, o que só lhe fica bem. Geralmente, a mistura dá mixórdia.
    Recomendo-lhe sinceramente que o leia, com atenção, e depois falamos. Vai ver que até começa a perceber melhor o Nietzsche.
    Além do mais, é frontalmente monárquico e anti-protestante, que mais sinais de inteligência precisa o caro senhor?
    E sabe porque é que eu não ironizei com Platão e Aristóteles? Porque lá bem dentro, de Schopenhauer está Platão, assim como em Nietzsche está Aristóteles. É o sempiterno e genial quadro de Rafael. A filosofia Ocidental pouco mais reflecte que essa conversa a dois através dos séculos: ou por nota de rodapé (seja na forma de anãozinho grato ou ingrato), ou por avatar.
    Ora, eu prefiro os avatares aos anõezinhos. É por isso que estimo Schopenhauer e Nietzsche. Ou Kant. Ou Heidegger. Ou S.Tomás.

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  8. O Dragao:

    Que o Artur tinha a cabeca avariada ve-se logo pelo que vomece diz ser a prescricao religiosa que ele propos: cristianismo ou budismo! E que se ha contraste no foro espiritual e o que se estabelece entre o cristianismo e o budismo. Com a ressalva do budismo nao ser sequer uma religiao mas uma receita mistica que mais parece o conto do vigario...

    Quanto ao elogio ao Platao e ao Aristoteles, so merece o meu aplauso. Apesar de me parecer que ha um corte mais profundo entre a filosofia pre-moderna e a moderna do que a metafora da continuacao do dialogo, com notas ou avatares, deixa transparecer.

    E tambem estou do seu lado nas laudes ao Doutor Angelico, ao Fred e ao Emanuel. O Heidegger nunca li mais do que umas 50 paginas em idade muito verde, paginas essas que me traumatizaram. Mas hei-de tentar outra vez, nesta ou noutra vida.

    Modernista.

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  9. Ah, e acho-o injustissimo com o Hegel. O Hegel, como o Marx, tem que ser, em ultima analise, bruscamente rejeitado, mas vale a pena o esforco.

    E o mesmo, embora com menos veemencia, digo do Husserl e do Sartre, apesar de ter lido pouco dos dois. (E do Sartre tudo menos aquela imbecilidade do "Existencialismo e um Humanismo"). O Descartes e uma personagem de facto irritantezinha e hoje em dia leva porrada de toda a gente, mas sem ele a filosofia tinha ficado a perder. Aprendeu-se muito com a refutacao do irritante franciu.

    Modernista

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  10. O Schopenhauer achava que não. Que o cristianismo e o budismo eram parentes. Não é questão que me tire o sono. Vai ter que vosselência debater isso com ele.

    Quanto ao Martin,
    Não se meta de chofre com o "Sein und Zeit", é um conselho.
    Comece com a "Introdução à Metafísica".

    Ou se quiser ficar definitivamente traumatizado então leia a "Tese de Kant sobre o Ser". É particularmente agreste.

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  11. Ser injustíssimo com o Hegel ou com a bosta dele chamada Marx só me enche de satisfação. Crudelíssimo seria, se pudesse.

    :O))

    Mas tem lá o seu sistemazinho, o Hegel, ninguém nega. Uma espécie de Plotino para uso na caserna.
    Sabe até decerto uma coisa interessante que o Nietzsche disse acerca do Hegel: que sem ele não teria sido possível Darwin. Concordo.

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  12. O Hegel acabou de vez com a concepcao de liberdade de Locke e companhia e deixou o individualismo metodologico do Hobbes -- que foi, sem duvida, uma figura de relevo -- em muito mau estado. Ora, quem manda no mundo e uma vulgata Hobbesiana pintada de Locke e/ou de Bentham. E a cultura "liberal" do individualismo metodologico e da neutralidade moral que tanto mal faz aos homens. E se os nossos "liberais" -- esses que se situam na esfera da sub-cultura --lessem Hegel nao diziam tantos disparates... o mesmo digo do Marx, especialmente o jovem Marx. Tudo isto embora julgue que o que de jeito dizem Hegel e Marx ja esta no Aristoteles, que obviamente foi uma influencia decisiva nos dois.

    Seguirei o seu conselho se, e quando, mergulhar nas aguas turvas -- e "originarias", bem sei -- do Dasein... E olhe que ate tenho em algum lado uma traducao portuguesa da Introducao a Metafisica, julgo que do Instituto Piaget. Mas lembro-me de abrir o livro e julgar gestalticamente que a traducao e uma bosta, de modo que o melhor e ver se os anglo-saxonicos nao fizeram uma coisa menos intragavel. O original esta-me vedado: tentei uma vez ler a critica da razao pratica no original e quase fiquei em estado catatonico, pelo que me parece seguro que, por maioria de razao, o Martin e muita areia para o meu camiao.

    Cmps,
    Modernista

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  13. o Joshua lá veio outra vez com paneleirices...

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  14. Existe uma tradução em português/brasileiro do Emanuel Carneiro Leão (ed. universidade de Brasilia) que não é má de todo, descontando certos trejeitos idiomáticos.
    Fora essa, recomendo a tradução francesa da Galimard.

    Cmps.

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