quarta-feira, fevereiro 27, 2008

Correio dos Leitores - Verdade, Exagero e Mistério (3ª parte)


E chegamos, finalmente, ao mistério, esse vau derradeiro.
Sibilino, o leitor, profere: «O mal desta merda também é os gajos que teem muita prosa mas passam o dia com o cu sentado no banquinho a falar mal de tudo e de todos». Há aqui algo de profundamente misterioso. Vou tentar, numa primeira etapa, traduzir; e, numa segunda fase, decifrar. Pelo meio, armarei o embrulho e a confusão do costume. Apertem os cintos e vamos a isto!
Ora bem, "gajos que passam o dia com o cu sentado no banquinho a falar mal de tudo e de todos", suponho que se tratem de gajos atracados num snack, cervejaria, tasca ou petisqueira. Ou então nalgumas repartições públicas. Certamente não se refere a blogadores. Pelo menos eu, quando estou sentado ao computador, a dactilografar estes humildes postais, além de não destratar tudo e todos como já lhe expliquei exuberantemente, também não falo. Estou aqui caladinho e concentrado. De resto, o meu computador é ainda mais bronco do que eu, pelo que, mesmo que eu arrazoasse com ele, não entendia nada, o palerma. Porém, admito que possam existir computadores inteligentes e, eventualmente, blogues seus derivados - pois se até bombas já há. Também não me custa aceitar que, ao jeito de escolas de boas maneiras para cachorros, possam haver por aí academias de línguas para computadores - glossopicadeiros trepidantes onde estes tamagógicos seres aprendem a fazer postais à voz do dono. Ou do cão. O meu, infelizmente, ainda não é desses: ainda não argumenta e filosofoca sozinho. Nem executa acrobacias, passerelles ou piscinas, tão pouco. Mas, vá lá, tem a vantagem de não ter que andar eu de luvinha atrás dele.
Por outro lado, também não me sento em banquinho, mas numa velha cadeira. Portanto, tudo somado, é intrigante: não tenho muita prosa, não sento o cu em banquinhos, não passo o dia nisso, piloto silencioso que nem um túmulo, logo não é a mim que o caro leitor alude. Quem será? Ou então, daí, donde me está a mirar com esses que a terra lhe há-de jantar, não só não me está a ver bem, como, diria mesmo, o subjuga tremenda alucinação ou delírio.
Também a expressão inaugural "o mal desta merda" me causa espécie. Qual merda? O país não é, certamente. Concederei que o governo é uma merda, que as elites são uma merda, que os partidos são uma merda, que o regime é uma merda, que a televisão é uma merda, que a imprensa é uma merda, que a cultura é uma merda, que a universidade é uma merda, que uma vastidão de abcessos institucionais e super-gatunos privados são uma merda, mas o país não é nem pode ser uma merda. De modo nenhum! E por uma razão muito óbvia e simples: o país padece-a, à reles e fecal substância. Sustenta-a e suporta-a. Carrega com ela, estóica e abnegadamente, pela ladeira abaixo. Mas por isso mesmo não a pode ser. Fazem dele uma merda, põem-no - pior que no faz-de-conta - no faz-de-merda, mas merda é que ele não é. Merda é apenas quem o faz fazer figuras dessas. Quem se faz passar pela merda que ele não é, nem nunca foi, nem nunca será. Porque ele é ou não é, país. Merda é que nunca.
Queixa-se então, o leitor, do mal de qual merda? - Do governo? Dos partidos? Da televisão? Dos cleptocratas com alvará e concessão? De qual exactamente? Mas, agora reparo... diz "mal da merda"... Qual mal? O mal da merda seria certamente o nosso bem e o bem do desgraçado país. Ora uma merda tão ufana, triunfante e soberba, mal é que não sofre nem experimenta, só acumula o bem, melhor dizendo, os bens. Mal?... Mal é de nós!, reféns da merda e expropriados do país.
Ou então, por especial deferência, admitamos que de facto, e apesar da caleidoscópica miragem, o leitor abespinhado, com esses "tais sentados militantes a dizerem mal de tudo e de todos", significa na verdade os blogadores impenitentes. Nesse caso, olhe, atentando bem, até faria sentido. Eu, por exemplo, até me orgulharia de ser o "mal dessa merda", isto é, dessa quinquilharia mental que vermina e desliza pegajosamente pelos corredores e vestíbulos do rapa-tacho. Digo-lhe: não me importava nada. Mesmo sabendo que toda a minha prosa seria pouca e todo o mal possível seria ínfimo. Apenas, talvez, um pouco menos insignificante do que é.
Mas se os significa a eles e a mim, ressalta, acima de todos, um enigma maior. Afinal, onde reside o problema:
Em blogarmos durante o dia? - Se fosse durante a noite já não haveria problema?
Em blogarmos sentados no banquinho? - Se fosse numa cadeira, num sofá, numa poltrona ou num caixote, seria mais aceitável?
Em blogarmos sentados? - Qual a posição que não o escandalizaria? De pé? De gatas? De cócoras? A fazer o pino? À canzana? Deveria compendiar-se um Bloga-sutra onde viriam consignadas todas as posições apropriadas, condignas, quiçá higiénicas, saudáveis, iogis, eventualmente sujeitas a fiscalização pela ASAE?...
Em blogarmos sentados com o cu? - Sugere que talvez devêssemos sentar-nos com a cabeça, pensarmos com o cu e dactilografarmos com os pés? Bem, deve ter razão. A Moda até já deve ser essa. O arcaico e obsoleto, mais uma vez, sou eu. Vendo bem, espreitando em redor, é bem provável que a maioria já faça assim.
Está o mistério resolvido.
A ti, leitor, seja lá quem fores, agradeço-te a crítica. Pois como dizia Aristóteles acerca da verdade: ninguém falha nem ninguém acerta completamente uma porta.

5 comentários:

  1. O mal de esta merda, sendo a merda não o País mas o mal que lhe fazem, sempre foi o desdém ao pensamento livre e liberto, a lucidez lúcida e descomprometida.

    Certos anónimos consubstanciam precisamente essa estranha forma de merda castradora e limitada do pensamento-palavra alheia.

    Das duas uma, ou levam com um Dragoscópio nos cornos, ou levam com um PALAVROSSAVRVS REX.

    Abraço

    PALAVROSSAVRVS REX

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  2. Anónimo3:16 p.m.

    Dragão, cof cof, bom... não se ofenda, mas, se me permite, qualquer leitor médio (digamos qualquer pater familas, mesmo sem o antigo exame da terceira classe) percebe logo o que o leitor queria dizer.... Por exemplo, quando ele diz falar, entende-se (segue-se em sublinhado) falar e escrever... por aí fora. Não se ofenda, rogo-lhe.

    Pedro

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  3. Anónimo3:18 p.m.

    "Certos anónimos consubstanciam precisamente essa estranha forma de merda castradora e limitada do pensamento-palavra alheia."

    Pois consubstanciam, concerteza. Mas não deixe que isso aconteça, não? Ninguém há-de cortar a razia ao pensamento e tal.

    Pedro

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  4. Anónimo6:00 p.m.

    Pois, pois, ó Pedro. Isso diz vossência porque, sendo esperto de nascença, não lhe custa a ganhar o pensamento. Com uma herança dessas também eu.

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  5. inventas cada uma :blogarmos à canzana

    ":O))))

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