E chegamos, finalmente, ao mistério, esse vau derradeiro.
Sibilino, o leitor, profere: «O mal desta merda também é os gajos que teem muita prosa mas passam o dia com o cu sentado no banquinho a falar mal de tudo e de todos». Há aqui algo de profundamente misterioso. Vou tentar, numa primeira etapa, traduzir; e, numa segunda fase, decifrar. Pelo meio, armarei o embrulho e a confusão do costume. Apertem os cintos e vamos a isto!
Ora bem, "gajos que passam o dia com o cu sentado no banquinho a falar mal de tudo e de todos", suponho que se tratem de gajos atracados num snack, cervejaria, tasca ou petisqueira. Ou então nalgumas repartições públicas. Certamente não se refere a blogadores. Pelo menos eu, quando estou sentado ao computador, a dactilografar estes humildes postais, além de não destratar tudo e todos como já lhe expliquei exuberantemente, também não falo. Estou aqui caladinho e concentrado. De resto, o meu computador é ainda mais bronco do que eu, pelo que, mesmo que eu arrazoasse com ele, não entendia nada, o palerma. Porém, admito que possam existir computadores inteligentes e, eventualmente, blogues seus derivados - pois se até bombas já há. Também não me custa aceitar que, ao jeito de escolas de boas maneiras para cachorros, possam haver por aí academias de línguas para computadores - glossopicadeiros trepidantes onde estes tamagógicos seres aprendem a fazer postais à voz do dono. Ou do cão. O meu, infelizmente, ainda não é desses: ainda não argumenta e filosofoca sozinho. Nem executa acrobacias, passerelles ou piscinas, tão pouco. Mas, vá lá, tem a vantagem de não ter que andar eu de luvinha atrás dele.
Por outro lado, também não me sento em banquinho, mas numa velha cadeira. Portanto, tudo somado, é intrigante: não tenho muita prosa, não sento o cu em banquinhos, não passo o dia nisso, piloto silencioso que nem um túmulo, logo não é a mim que o caro leitor alude. Quem será? Ou então, daí, donde me está a mirar com esses que a terra lhe há-de jantar, não só não me está a ver bem, como, diria mesmo, o subjuga tremenda alucinação ou delírio.
Também a expressão inaugural "o mal desta merda" me causa espécie. Qual merda? O país não é, certamente. Concederei que o governo é uma merda, que as elites são uma merda, que os partidos são uma merda, que o regime é uma merda, que a televisão é uma merda, que a imprensa é uma merda, que a cultura é uma merda, que a universidade é uma merda, que uma vastidão de abcessos institucionais e super-gatunos privados são uma merda, mas o país não é nem pode ser uma merda. De modo nenhum! E por uma razão muito óbvia e simples: o país padece-a, à reles e fecal substância. Sustenta-a e suporta-a. Carrega com ela, estóica e abnegadamente, pela ladeira abaixo. Mas por isso mesmo não a pode ser. Fazem dele uma merda, põem-no - pior que no faz-de-conta - no faz-de-merda, mas merda é que ele não é. Merda é apenas quem o faz fazer figuras dessas. Quem se faz passar pela merda que ele não é, nem nunca foi, nem nunca será. Porque ele é ou não é, país. Merda é que nunca.
Queixa-se então, o leitor, do mal de qual merda? - Do governo? Dos partidos? Da televisão? Dos cleptocratas com alvará e concessão? De qual exactamente? Mas, agora reparo... diz "mal da merda"... Qual mal? O mal da merda seria certamente o nosso bem e o bem do desgraçado país. Ora uma merda tão ufana, triunfante e soberba, mal é que não sofre nem experimenta, só acumula o bem, melhor dizendo, os bens. Mal?... Mal é de nós!, reféns da merda e expropriados do país.
Ou então, por especial deferência, admitamos que de facto, e apesar da caleidoscópica miragem, o leitor abespinhado, com esses "tais sentados militantes a dizerem mal de tudo e de todos", significa na verdade os blogadores impenitentes. Nesse caso, olhe, atentando bem, até faria sentido. Eu, por exemplo, até me orgulharia de ser o "mal dessa merda", isto é, dessa quinquilharia mental que vermina e desliza pegajosamente pelos corredores e vestíbulos do rapa-tacho. Digo-lhe: não me importava nada. Mesmo sabendo que toda a minha prosa seria pouca e todo o mal possível seria ínfimo. Apenas, talvez, um pouco menos insignificante do que é.
Mas se os significa a eles e a mim, ressalta, acima de todos, um enigma maior. Afinal, onde reside o problema:
Em blogarmos durante o dia? - Se fosse durante a noite já não haveria problema?
Em blogarmos sentados no banquinho? - Se fosse numa cadeira, num sofá, numa poltrona ou num caixote, seria mais aceitável?
Em blogarmos sentados? - Qual a posição que não o escandalizaria? De pé? De gatas? De cócoras? A fazer o pino? À canzana? Deveria compendiar-se um Bloga-sutra onde viriam consignadas todas as posições apropriadas, condignas, quiçá higiénicas, saudáveis, iogis, eventualmente sujeitas a fiscalização pela ASAE?...
Em blogarmos sentados com o cu? - Sugere que talvez devêssemos sentar-nos com a cabeça, pensarmos com o cu e dactilografarmos com os pés? Bem, deve ter razão. A Moda até já deve ser essa. O arcaico e obsoleto, mais uma vez, sou eu. Vendo bem, espreitando em redor, é bem provável que a maioria já faça assim.
Está o mistério resolvido.
A ti, leitor, seja lá quem fores, agradeço-te a crítica. Pois como dizia Aristóteles acerca da verdade: ninguém falha nem ninguém acerta completamente uma porta.
O mal de esta merda, sendo a merda não o País mas o mal que lhe fazem, sempre foi o desdém ao pensamento livre e liberto, a lucidez lúcida e descomprometida.
ResponderEliminarCertos anónimos consubstanciam precisamente essa estranha forma de merda castradora e limitada do pensamento-palavra alheia.
Das duas uma, ou levam com um Dragoscópio nos cornos, ou levam com um PALAVROSSAVRVS REX.
Abraço
PALAVROSSAVRVS REX
Dragão, cof cof, bom... não se ofenda, mas, se me permite, qualquer leitor médio (digamos qualquer pater familas, mesmo sem o antigo exame da terceira classe) percebe logo o que o leitor queria dizer.... Por exemplo, quando ele diz falar, entende-se (segue-se em sublinhado) falar e escrever... por aí fora. Não se ofenda, rogo-lhe.
ResponderEliminarPedro
"Certos anónimos consubstanciam precisamente essa estranha forma de merda castradora e limitada do pensamento-palavra alheia."
ResponderEliminarPois consubstanciam, concerteza. Mas não deixe que isso aconteça, não? Ninguém há-de cortar a razia ao pensamento e tal.
Pedro
Pois, pois, ó Pedro. Isso diz vossência porque, sendo esperto de nascença, não lhe custa a ganhar o pensamento. Com uma herança dessas também eu.
ResponderEliminarinventas cada uma :blogarmos à canzana
ResponderEliminar":O))))