Um dos sinais evidentes da puericultura predominante no nosso tempo é a zaragata e o chinfrim, verdadeiramente fetichistas, em redor da existência (ou desistência) de Deus. Crentes e descrentes, quais bandos de pardais à solta, trocam pedradas e mimoseios dignos de qualquer recreio de jardim-escola.
Ora, Deus não é objecto de conhecimento, nem, tão pouco, de crença. Quer isto dizer, logo à partida, que não pode haver uma “ciência de Deus”, nem um “feiticismo de Deus”. Isto, apesar de ser isso o que por aí, e desde tempos imemoriais, sobremaneira abunda e efervesce. Um ídolo, mais ou menos perverso, que oscila entre o totemismo da Razão e o totemismo da Tribo. E, pior que tudo isso, um fetichismo a querer fazer-se passar por ciência, e uma ciência a querer tornar-se fetichismo.
Todavia, Deus não se acredita, nem se calcula: celebra-se. Respira-se. Vive-se. Muito mais que convicção, é acção. Não me imagino a calcular, contabilizar e catalogar as batidas do meu coração. Nem me imagino a proclamar a cada minuto que tenho fé, que rezo, que rogo ao Além para que ele não páre no minuto seguinte.
Suspeito que a questão fundamental não é se “eu acredito em Deus”. Acreditar é “dar crédito” – quem sou eu, um ser efémero que vive por empréstimo, para conceder crédito a Algo que me transcende? Haverá maior acto luciferino que proclamar “eu dou crédito a Deus”? Significa fazer de Deus um devedor meu: Alguém que tem dívidas e deveres para comigo. Não raramente, obrigações. Pervertidamente, é inverter e perverter a Ordem Cósmica: fazer da criatura, credor. Fazer do facto, fazedor. É transformar a própria Vida – e toda a metafísica que nela habita – numa mera relação contratual. Num agiotismo espertalhão. Num Fundo obrigacionista. Em que mercearia forjaram um "deus" destes?
Desenganemo-nos: a questão fundamental não é se eu acredito em Deus, mas, isso sim, se Deus ainda acredita em mim. Se eu, reles e mísero humano, cada vez mais longe do meu coração, cada vez mais afastado e disperso da minha própria raiz e da minha Palavra, ainda sou digno de crédito. Se ando perdido na confusão à procura do caminho para casa; ou se, viciado e embrutecido no caos, me tornei habitante dele. Se ainda procuro alguma verdade, ou se, pura e simplesmente, me tornei toxicodependente da mentira. Só uma cegueira veemente, uma estupidez grosseira pode transportar-nos a essa ideia peregrina de que me compete acreditar em Deus, como se ele precisasse do meu crédito para alguma coisa. Obrigar alguém a uma crença é negar Deus, é proclamar o seu contrário. Um Deus obrigatório é um Deus obrigado, convertido, sujeito dum contrato, em suma, proto-estado providência e, simultaneamente, super-agência de interesses. Porque, disso pelo menos não me resta qualquer dúvida, a crença em Deus deu origem à crença na liberdade, ou à crença na democracia, ou na salvação do mundo por obra e graça duma qualquer crença.
Não espanta – e constitui evidência ubíqua ao longo da nossa vida: quem mais perdido anda, é quem mais enche a boca de salvação; quem mais escravo age, é quem mais atafulha a boca de liberdade; quem mais totalitário e intolerante arfa, é quem mais atesta a bocarra de democracia; quem mais idolatra o próprio umbigo (pessoal e clubista), é quem mais proclama o seu amor assolapado ao outro, à humanidade. Confundem fé em Deus com bajulação a Deus. E celebração com suborno.
Ora, Deus não é objecto de conhecimento, nem, tão pouco, de crença. Quer isto dizer, logo à partida, que não pode haver uma “ciência de Deus”, nem um “feiticismo de Deus”. Isto, apesar de ser isso o que por aí, e desde tempos imemoriais, sobremaneira abunda e efervesce. Um ídolo, mais ou menos perverso, que oscila entre o totemismo da Razão e o totemismo da Tribo. E, pior que tudo isso, um fetichismo a querer fazer-se passar por ciência, e uma ciência a querer tornar-se fetichismo.
Todavia, Deus não se acredita, nem se calcula: celebra-se. Respira-se. Vive-se. Muito mais que convicção, é acção. Não me imagino a calcular, contabilizar e catalogar as batidas do meu coração. Nem me imagino a proclamar a cada minuto que tenho fé, que rezo, que rogo ao Além para que ele não páre no minuto seguinte.
Suspeito que a questão fundamental não é se “eu acredito em Deus”. Acreditar é “dar crédito” – quem sou eu, um ser efémero que vive por empréstimo, para conceder crédito a Algo que me transcende? Haverá maior acto luciferino que proclamar “eu dou crédito a Deus”? Significa fazer de Deus um devedor meu: Alguém que tem dívidas e deveres para comigo. Não raramente, obrigações. Pervertidamente, é inverter e perverter a Ordem Cósmica: fazer da criatura, credor. Fazer do facto, fazedor. É transformar a própria Vida – e toda a metafísica que nela habita – numa mera relação contratual. Num agiotismo espertalhão. Num Fundo obrigacionista. Em que mercearia forjaram um "deus" destes?
Desenganemo-nos: a questão fundamental não é se eu acredito em Deus, mas, isso sim, se Deus ainda acredita em mim. Se eu, reles e mísero humano, cada vez mais longe do meu coração, cada vez mais afastado e disperso da minha própria raiz e da minha Palavra, ainda sou digno de crédito. Se ando perdido na confusão à procura do caminho para casa; ou se, viciado e embrutecido no caos, me tornei habitante dele. Se ainda procuro alguma verdade, ou se, pura e simplesmente, me tornei toxicodependente da mentira. Só uma cegueira veemente, uma estupidez grosseira pode transportar-nos a essa ideia peregrina de que me compete acreditar em Deus, como se ele precisasse do meu crédito para alguma coisa. Obrigar alguém a uma crença é negar Deus, é proclamar o seu contrário. Um Deus obrigatório é um Deus obrigado, convertido, sujeito dum contrato, em suma, proto-estado providência e, simultaneamente, super-agência de interesses. Porque, disso pelo menos não me resta qualquer dúvida, a crença em Deus deu origem à crença na liberdade, ou à crença na democracia, ou na salvação do mundo por obra e graça duma qualquer crença.
Não espanta – e constitui evidência ubíqua ao longo da nossa vida: quem mais perdido anda, é quem mais enche a boca de salvação; quem mais escravo age, é quem mais atafulha a boca de liberdade; quem mais totalitário e intolerante arfa, é quem mais atesta a bocarra de democracia; quem mais idolatra o próprio umbigo (pessoal e clubista), é quem mais proclama o seu amor assolapado ao outro, à humanidade. Confundem fé em Deus com bajulação a Deus. E celebração com suborno.
É de tudo isto que nasce um aforismo que há muito tempo me persegue – “eu acredito em Deus; Ele é que, desconfio, não acredita em mim.” -, e que hoje (não me peçam para explicar como, porque não sei) finalmente compreendi.
Meu Caro Dragão,
ResponderEliminarse a impssibilidade e o contra-senso de abarcar o Númeno são evidentes, não me parece de desdenhar o grau de conhecimento presente na Revelação, na exegese da respectiva Mensagem, quer se encontre ou não Nela a Manifestação do Divino.
E onde a Salvação me parece incomparável a democracias e outras abstrusas aspirações é em ser uma Tonalidade de Esperança para um Plano Superior ao da humanidade que conhecemos, enquanto que a deificação dos votos, quer dizer, das próprias excrescências, não vai além do onanismo menos apto.
Abraço
Feliz Natal para si, Dragão!
ResponderEliminar"Em que mercearia forjaram um "deus" destes?"
ResponderEliminarNa mercearia da Igreja Católica, caro Dragão. Mais textos como o seu e talvez muitos ateus e agnósticos que por aí andam tivessem compreendido o significado verdadeiro do significado de Deus.
Ou então, que a Igreja tivesse abandonado há mais tempo o conceito da "mercearia", como o está a fazer agora.
E fez-se satori.
ResponderEliminarAbençoado...
Cumprimentos
Um xi-coração muito apertado de uma perdida na confusão à procura do caminho para casa.
ResponderEliminarDe outras vozes religiosas esclarecidas também já me tinha chegado que não é importante que se acredite em Deus mas que Deus acredite em nós. Outra achega, a fé não é tanto crença mas mais confiança.
ResponderEliminarCaríssima Terpsichore, e outro igualmente estrafegante deste seu companheiro de busca.
ResponderEliminarCaro Mário,
isso é exactamente o que deixo implícito: que a genuína fé é confiança.
Aproveito para desejar um óptimo 2007 a ambos.
"Deus não se acredita, nem se calcula: celebra-se. Respira-se. Vive-se. Muito mais que convicção, é acção."
ResponderEliminarSó celebra, respira e vive (em acção) se acredita, de outro modo torna-se incapaz de senti-Lo.
“eu acredito em Deus; Ele é que, desconfio, não acredita em mim.”
Deus é, por princípio, um crente. Logo, acredita em todos, incluindo no Dragão, mas concede-nos total liberdade de acção. E por via desta exige-nos responsabilidade. É só.
Sinceras as suas palavras Sr. Dragão, por isso mesmo é que Deus se fez homem, descendo à condição humana morrendo e vencendo a morte, para nos ganhar pra Ele através de Jesus Cristo, Aquele que os judeus negam.
ResponderEliminar"Porque Deus amou o mundo de tal maneira, que deu o seu Filho unigénito, para que todo aquele que nele crê não pereça mas tenha a vida eterna"
João 3: 16
p.s.--- O ateísmo só faz sentido num mundo onde Deus existe. Então se para um ateu Deus não existe qual é a sua necessidade de provar a sua inexistência?
alguém que acredita