terça-feira, agosto 21, 2007

O Tempo não existe

Nos meus tempos de jovem aprendiz de filósofo, lembro-me que havia uma descoberta minha que causava grande escândalo entre os meus amigos (geralmente contraditores) da área científica. Dizia-lhes eu, em tom oracular: "o tempo não existe; é uma pura construção mental nossa, apenas a forma de nos orientarmos e distribuirmos no espaço". Indignavam-se comigo. Que delirava, que não sabia o que dizia, etc. Quase eclodiam zaragatas. Grandes algazarras esventravam a noite.
Irredutível, porém, não me ficava por ali. Quando já quase os via a espumar da boca, aplicava-lhes a segunda dose: "e os números também não existem; ainda me hão-de mostrar um "número 3" na natureza". Rebentavam de fúria. Ah, aquilo ultrapassava as marcas! Rompiam em urros e brados ofendidos. Aqui o herege tinha-lhes menoscabado as divindades. Deixara-lhes os altares a pingar saliva. Por pouco, escapava de ser linchado. Não raras vezes, tive mesmo que romper cercos à patada. O que perfazia com desenvoltura mas também com perfídia premeditada, sulfatando-os com uma terceira pérola de sabedoria, a qual, bem vistas as coisas, mais não era que o corolário lógico das anteriores: "por isso mesmo, não percebo que raio de ciência é a vossa, sempre a armar ao pingarelho da super-objectividade, quando passa a vida a medir uma coisa que não existe na realidade com entidades que não existem na natureza".
Desatavam a uivar e a arrancar cabelos, dando pontapés furibundos a quantos caixotes incautos por ali houvessem. Ballet troglodita, esse, que eu entendia como altura oportuna para me pôr ao fresco. Uma vez iniciada, a licantropia, nunca sabemos como acabará. Se bem que, de longe, ainda lhes gritasse: "metafísicos do Cara***!..."
Durante toda a minha adolescência, que terminou, mais ou menos, por volta dos quarenta anos de idade, devo ter dito duas ou três coisas acertadas (e pensado aí umas cinco). Estas, do tempo e dos números, Deus as abençoe, foram duas delas.
O tempo de facto não existe. Existe apenas como teia que todos vamos tecendo e entretecendo. E, à medida que tecemos e fiamos, que segregamos essa vasta armadilha, vamo-nos transformando em moscas - pobres insectos aprisionados na própria teia. Esta, entretanto, enquanto trama colectiva, adquire a forma duma imensa aranha. A que chamamos Tempo.
A Margarida, o Bruno, o Manuel e o Pedro ainda acreditam nessa ilusão. Que perfizeram 4 anos nos blogues respectivos, andaram por aí a anunciar, submissos ao calendário, vergados ao relógio, convertidos à contabilística cronológica do tempo pesado ao minuto. Como se este mundo, depois da mercearia de Iahvé, fosse agora a Loja dos trezentos de Deus.
Permito-me convocar os velhos gregos, de Homero e Sófocles, em prol da minha exposição. Eram gente mais sábia que nós. Houve até um medieval honesto que reconheceu (como aliás lhe competia): "somos anões aos ombros de gigantes" (os gigantes, claro está, eram os gregos). Nós, em contrapartida, do alto deste século XXI, bem podemos proclamar: "somos piolhos na cabeça de anões aos ombros de gigantes". Pelo que temos alguma dificuldade em vislumbrar os gigantes. E é pena. Mas tentemos.
Diziam então eles, esses promontórios ancestrais da clarividência: "o homem não passa dum efémero". Significa "efémero - epi ( "durante, cerca de) + emeros ( dia)-, qualquer coisa como "durante um dia". E tinham toda a razão. A nossa vida dura um dia e nada mais que um dia. Um dia que retorna e se retoma todas as manhãs, um dia que se regenera todas as noites. Somos o eterno retorno desse dia na parte que nos compete. Até ao crepúsculo pessoal e derradeiro da tarde última, que é quando os olhos se fecham e o nosso dia acaba. Efemérides são, assim, ultra-redundâncias. Parabéns não fazem sentido.
Prefiro, pois, dar-vos a estima e o reconhecimento, ó compatriotas. Por conseguinte, minha senhora, rapazes, bem hajam por existirem nesse vosso dia e que ele dure, pelo menos, mais do que o meu. Aqui. Sempre. E em toda a parte.






PS: Por seu turno, o Miguel anunciou 2 anos, imagine-se a proeza, e já ameaça encerrar o púlpito. Porque vai não sei para onde. Deveremos intuir que se dirige a um qualquer mosteiro, numa região remota e inóspita, onde nem sequer existe ligação à net?... Ora, deixe-se de fitas. Indeferido! Quando eu julgava que o tinha visto já debitar todos os disparates possíveis e imaginários, eis que emite o maior, o campeão de todos eles.

PS2: Além do mais mitolágico, o dragão é igualmente o animal mais manhoso e solerte da Criação: consegue matar cinco coelhos com uma cajadada só. Quer dizer, na realidade não consegue: porque o número 5 não existe fora da nossa imaginação. Portanto, não sendo o mais manhoso objectivamente, é, não obstante, o mais manhoso subjectivamente.

5 comentários:

  1. Vejo.me, sempre obrigada a não concordar consigo....
    O tempo existe pois!!!!... é o que todos nós, temos de realmente intímo e único , " de só nosso " , o meu tempo, não é o seu tempo, nem o tempo dele dele, é meu e pronto!!!

    Goste do post scriptum.. extremamente filosófico.

    :-)))

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  2. Cara Ailéh,

    Então, desculpar-me-á, mas concordamos. O que eu acabo de dizer é precisamente que o tempo é subjectivo. Cada qual tem o seu...dia.
    Mas há depois aquele tempo imposto, artificial, contabilístico; pelo qual pagamos taxa, prestação e imposto.

    Dragão

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. eu sei, estava só areinar consigo.
    sabe tbm sou muito adepta das entrelinhas (línguas)

    :-)))

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  5. O tempo e' subjectivo- grande descoberta!!

    Ja' o Einstein dizia o mesmo: cinco minutos sentado em cima do fogao duram muito mais do que sentados ao colo de uma rapariga simpatica.

    (os teus amigos cientificos nao percebiam era nada de miudas... :O))

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