terça-feira, julho 17, 2007

Pastar o guardanapo

Vamos a um restaurante e apresentam-nos o menu: bacalhau. Bacalhau assim, bacalhau assado, bacalhau frito e cozido. Bacalhau em filetes, omeletes, souflés e tortilhas. Bacalhau com todos e todos os dias. Até o pudim é de bacalhau. E café não há, só chá. Imaginem...pois, de bacalhau.
A primeira vez ainda achamos piada: "Olha, que giro, que original, que especialistas!..." Deve ser o dia do bacalhau. Ou o festival do bacalhau. Enfardamos, entre risadas. A bacalhauzada lá escorrega, com o tintol.
À terceira ou quarta vez, no entanto, perde completamente a graça. Carrancudos, interpelamos o serviçal:
-"Então, ouçá cá, ó criatura de Deus: é sempre bacalhau? So sabem fazer bacalhau? E um bife, um mariscozinho, uma sardinha assada, um pires de caracóis que seja, não se arranja? Quer dizer, vocês nunca variam? Não servem mais nada? É a terceira vez que cá venho e é sempre bacalhau... mas não há alternativa? Isto é um cardápio ou o Ultimato Inglês?..."
O tipo, sempre com a mesma cara de pau e um grande tom de frete, lá decreta:
-"É só o que o cozinheiro sabe fazer. Como também é o dono e somos o único restaurante autorizado no país, o cavalheiro tem muitas alternativas: "bacalhau com todos", "bacalhau à brás", "bacalhau à Gomes Sá", "bacalhau com natas", "bacalhau à Zé do Pipo", "bananada de bacalhau", "bacalhau à Narcisista", "bacalhau assado" e por aí fora. São mais de trinta alternativas. Todas elas bem confeccionadas, eloquentes, cremosas e bem temperadas. Não encontra melhor bacalhau em lado nenhum."
Passamos do carrancudo ao iracundo:
- Ouça, parece que não entendeu bem: estamos fartos de bacalhau! Queríamos comer outra coisa. É o que se espera quando se vem a um restaurante: variedade, múltiplas opções de escolha. Esta monomania já enjoa, este regime de prato único em diversas maneiras já chateia! Até por questões sanitárias: de tanto e permanente bacalhau, já está o país inteiro de caganeira. Já marchamos a crédito para a farmácia."
O criado de mesa, porém, não se apoquenta. Imperturbável, monocórdico, cínico, estipula:
-"Pois, mas aqui come-se bacalhau. É o que há. Se querem comer fora, comam bacalhau; se não querem bacalhau, comam em casa. Ou no estrangeiro, como tantos fazem. É assim, são os regulamentos. Temos alvará e é o que lá vem escrito."
Já a deitar fumo pelas narinas e chispas pelos olhos, ainda vociferamos:
-"E a merda dum livro de reclamações, ao menos, têm?!!..."
Imperturbável, aquela espécie de robot de servir às mesas apenas informa:
-"Reclamações? Somos um restaurante, ora essa; não somos uma secção de Perdidos e Achados, ou um guiché das Águas Públicas!... Aqui come e fala, mas não reclama."

Naturalmente, esta é uma alegoria das eleições -ou melhor será chamar-lhe eleicinhas, dada a estatura anã dos candidatos - em Portugal. Alguns inteligentes consideram que, como forma de protesto, o cidadão não deve ignorar nem desprezar o restaurante. Pelo contrário, deve encher-se da sua pessoa, acorrer lá sempre que possa, sentar-se à mesa e, com grande civismo e boas maneiras, de faca e garfo -aquela na direita, este na esquerda -, devorar o guardanapo. E depois sair, a transbordar da mesma dignidade com que entrou. Chamam a isso, os luminares, "voto em branco" - ou "dente em branco", para manter o léxico na metáfora.
Tenho uma recomendação a fazer-lhes... Em bom português: Vão à puta - não direi apenas - que os pariu mas, sobretudo, que os sustenta!...

12 comentários:

  1. áh, é a resposta. ehehe

    Está certíssima. Sendo que eu tenho uma ligeira alternativa: a do voto contra. Inventem o voto contra e façam as contas a quantos votos contra um melro recebeu e a ver se não há cidadania

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  2. Por exemplo. Era espantoso ouvir um discurso de maioria absoluta a explicar que tiveram o dobro ou o triplo de votos contra do que a favor.

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  3. ò Dragão: tu já viste aquela nojeira da garina do aspirador?

    http://5dias.net/2007/07/15/octogenaria-excita-blogosfera


    C'um caraças, se esta não precisava de umas palmadinhas do Engenheiro Ildefonso Caguinchas

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  4. O voto contra é o ovo de colombo da democracia.

    Se tivermos atenção, podemos reparar que as eleições são meios de legitimação do poder democrático.

    O sistema de escolha de representantes de um povo, deu pano para mangas de muitas bibliotecas de filosofia, poesia, ciências sociais (?) e humanas.

    Mesmo assim, chegamos aos sistemas conhecidos, de representação popular, com voto de quando em vez, para escolha de deputados, governantes escolhidos por estes ( ou vice-versa que é mais verdadeiro) e presidentes de república, nos países que os têm.

    A essência da democracia, reside como é sabido na soberania popular expressa livremente em eleições gerais.

    Se fosse possível convocar periodicamente e de modo fácil, o povo a pronunciar-se sobre determinadas opções políticas, mormente escolha de pessoas para os lugares, a democracia poderia funcionar melhor.

    Será isso possível? Com o advento da informática e dos meios de comunicação de massa e o acesso virtual, simples e barato ao que as pessoas querem e podem decidir, através de votação electrónica, a vida desta politicagem toda mudaria de um dia para o outro.

    Estou certo que este Costa e o outro Costa e ainda o Silva e o Pereira e o Sousa teriam que arranjar lugar noutras ocupações mais úteis à sociedade e aos seus.

    Numa palavra, a democracia electrónica, corria com esta pandilha de inúteis e parasitas ( não tenhamos medo das palavras porque são substantivos), em dois tempos: o de dois cliques.

    Agora, com a crise no PSD, já avançam dois génios em potência: o Menezes de Gaia e o Aguiar do Porto.
    Estão à espera da oportunidade como gato à espera de bofe.

    Com a democracia electrónica, poderiam esperar também. Mas sentadinhos, depois de demonstrarem que tinham ideias válidas e eram suficientemente capazes de as porem em prática proveitosa.

    Assim, arriscam-se a levar o bolo dos votos e a fazer de nós saltimbancos.

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  5. zazie, o voto "contra" levanta questoes muito serias e de dificil resolucao. A primeira e': um voto nao chega! Como e' que um tipo decide em quem votar "contra" se so' tuiver direito a um unico voto. Nao pode ser, nao da'! Um so' voto nao chega!

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  6. Este comentário foi removido pelo autor.

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  7. Mas o José deu um bom exemplo.

    O voto contra até podia não ter efeito eleitoral mas entrava com estatística- quantos votaram contra o gajo da maioria absoluta

    ahahahahah

    Digo isto há anos
    ":O)))

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  8. (queria dizer)

    mp-s,

    Eu estava a gozar, mas folgo por teres levado a sério

    ":O)))

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  9. ahahahahah

    entao tu nao percebeste que o ar solene com que compus esta frase:

    "o voto "contra" levanta questoes muito serias e de dificil resolucao."

    so' podia ser tambem para gozar?!?!?


    ahahahah estamos cada vez piores... estamos aqui, estamos de volta ao infantario! :O))

    MP-S

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  10. ahahhahahaha

    Não posso crer, acreditei que estavas a falar a sério

    ":O)))))

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  11. até pensei: estes cientistas dá-lhes logo para as raízes quadradas; o melro já está para ali a fazer contas para arrumar a minha teoria

    ahahhahahahahaha

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