Não digo que a questão tenha voltado à ordem do dia, porque, pelos vistos, não sai é dela. Os Possidónimos, sobretudo os que vertem croniquetas pelos pasquins, vivem atormentados com a impertinência dos anónimos. Hoje estou sem tempo. O mais tardar amanhã, conto escalpelizar e tosquiar de novo tão cabeludo assunto. Até lá deixo-vos umas pretéritas considerações, dum já longínquo Janeiro de 2005, aqui desbaratadas, num daqueles dias em que acordei particularmente maquiavélico...
Dei comigo a pensar. É um distúrbio mental que ocasionalmente me visita e desinquieta. Nada de muito grave, tranquilizai-vos. Nada sequer que ponha em risco a minha sobrevivência ou a harmonia mortuária que urbanamente nos abençoa.
Num momento de ócio, lembrei-me desses grandes nomes da nossa blogosfera, e da cultura em geral, essas poderosas chancelas –os Mexias, os Pereira Coutinho e outros que tais -, e dei comigo –como já referi- a pensar. A matutar, melhor dizendo. Não sobre o seu –deles- talento ou genialidade, que são por certo descomunais e merecedores de todos os encómios deste mundo, nem, muito menos, sobre as obras-primas que produzem, pois também essas, quais tapetes mágicos donde os autores acenam longínquas esmolas a maltrapilhos mentais, me sobrevoam a grande altitude. Não; é coisa mais brejeira, mais ao nível subterrâneo dum biltre vandalizador da língua pátria como eu. Dum escrevinhador de vão de escada, enfim. Refiro-me ao “pedigree” daqueles anjos. Ou por outras palavras, e avançando-vos desde já, de chofre, com uma sinopse: a sua, deles, genialidade será paragénita – irrompeu-lhes um belo dia, cérebro a fora, como a acne nos rostos dos adolescentes menos dotados-, ou, pelo contrário, será congénita e herdada de linhagens insignes, pejadas de atributos e qualificações igualmente ofuscantes. O Mexia, por exemplo, é alguma coisa àquele senhor, todo ele inteligência, a escorrer argúcia, que é ministro? O Pereira Coutinho, de igual modo, partilhará laços de sangue com aqueloutro cavalheiro, superlativo empresário, a pingar riqueza, que até tem helicóptero e uma ilha privada na costa brasileira?Há muitos outros e haverá, mesmo nestes, outras questões importantes –se além do génio, também tiveram acne? Ou bexigas doidas, ou pé chato, etc? Se, tendo helicóptero, o putativo parente, é ele que o conduz ou tem motorista? – mas não nos dispersemos. Contentava-me com a resposta à questão singela do pedigree. Têm-no ou não? São adquiridos ou congénitos? É dom divino, milagre pessoal, ou legado dum bando de espermatozóides excelentíssimo?
Cada vez mais estrangeiro no meu próprio país, ignoro com quantos neurónios tenho estes detalhes, estas ninharias. Estou certo que alguma alma benemérita - qualquer porteira, cabeleireira ou vendedora de peixe - cá do burgo saberá esclarecer-me sobre este assunto e resgatar-me às garras desta vexante ignorância.
Entretanto, depois de me cocegar por breves instantes, o pensamento evade-se, em espirais etéreas, pelos campos elísios da fantasia. Vislumbro-me, num delírio caleidoscópico de cores, sabores e aromas, ataviado dum apelido todo-viçoso, gazua desferrolhante ds mais renitentes portas. Dou comigo transportado num turbilhão de ideias, todas elas sublimes, elevadas, culminantes, a galope por vales de cornucópias. Num ápice, de olímpica empreitada, escrevo romances, contos, novelas, poemas, ensaios, artigos, decretos, livros de culinária, breviários, anedotas, cada qual mais sumptuosa que a precedente. Sinto-me implacável, sobrepujam-me relâmpagos e pirotecnias celestes em prelúdio de hiantes partos cósmicos. O prelo e os escaparates arfam e resfolegam, desejosos das minhas tiragens. Editores disputam-me, nem sempre civilizadamente, às vezes com tumultos. Faminto de posteridade rápida, atiro-me a ela à dentada, em braçadas de mariposa haurifegante. Um fulgor convulsivo e compulsivo invade-me, encharca-me, atesta-me de superpoderes. O universo inteiro sustem a respiração na iminência duma vírgula minha. Será vírgula? Será ponto e vírgula? Serão reticências?... Nada me escapa; não é apenas o écran do monitor: são paredes, azulejos de WC, papelões, cortinados, toalhas, vestidos, guardanapos. Escrevo e assino. Por onde quer que passe, deixo um rasto inconfundível, uma baba, um monco genial, único, demiúrgico. Interrompo apenas para recobrar fôlego, para confabular com as musas. Mas o talento extravasante, a energia artística efervescente, aos borbotões, não me dão tréguas. Propulsionam-me para mais grandiosos voos. Também os blogs –os sites, os fóruns, as play stations- não deixo impunes. Nada de Dragoscópios, Pinóquios, Solilóquios ou anonimatos que tais. Agora há toda uma família que me catapulta, todo um apelido luzidio que urge ostentar. Não é uma criatura qualquer que me transporta. Não é um mija-na-escada avulso que serve de invólucro a tamanho espírito. É uma criatura de marca. Uma embalagem personalizada. No topo, à entrada, já entrevejo até, em letras flamejantes, magnéticas, poderosas, o título radioso, atracção irresistível: “Estratosfera –um blogue de Fulano de Tal”. Debaixo, servindo de passadeira ao meu triunfo, num charco de saliva desbordante, as massas prostram-se, subjugadas, avassaladas, tomadas dum deslumbramento inaudito. É o “Fulano de Tal” que as atrai, que as mergulha num torpor vizinho do êxtase vegetal. O resto, poupemo-nos a trabalhos, é irrelevante.
(Isto, bem entendido, dilucida sobre o conceito de "nome". De seguida, o mais breve que possa, elucubrarei sobre o conceito de "cara".)
Por uma questão de coerência higiénica, decido postar também aqui e agora, o comentário que então lá pousei.
ResponderEliminarQuanto ao Mexia, melhorei a opinião. O gajo não se dá ares, como alguns podem pensar.
O JPC continua na mesma. Já nem leio o que escreve, ao contrário do Mexia que até gosto de ler.
Ora tomem lã, aqui da tosquia:
"Pá, Dragão! Não te exasperes tanto nessa contemplação umbilical do talento em alinhar letras em parágrafos. Tens jeito, disso não resta dúvida nem o teu umbigo te engana! Mas...jeito, não chega para sustentar blasonaria. É preciso mais para o sítio não estiolar- e, na verdade, não tem faltado aqui o que mingua noutros sítios, em qualidade de escrita e ideias atentas.
Mas queres saber qual a razão por que regresso aqui, à leitura atenta dos postais?
Não uma , mas duas razões: uso da palavra escrita e surpresa no tema! O estímulo ao espírito vagabundo é garantido.
De vez em quando, há um bónus suplementar na qualidade já de si em patamar alto: por exemplo, o postal a rebater argumentos de monarquias virtuais, avessas a iconoclastias.
Agora, regressando a esses dois cronistas de canto de jornal. O Mexia é filho de um Bigotte Chorão. Gosto da genealogia imaginária...e para além disso, o gajo parece-me um tanto ou quanto produto de leituras e mais leituras e ainda mais leituras. Só leituras. Sendo leituras a mais, até me espanta como escreve tão bem- e escreve mesmo! Estéril, mas de escrita escorreita e de leitura bem fácil. Mas esgota-se numa crónica semanal. Não dá para mais, parece-me bem, e espero estar enganado.
O JPC é vinho de outra pipa. É um palerma- pelo que escreve e só por isso que não tenho categoria para andar aqui a apodar pessoas em sentido figurado. Todavia, é isso que penso do tipo. O que escreve só muito raramente transpõe o limiar que é imposto aos cretinos da escrita para se notabilizarem:irritarem quem os lê.
Dali, pouca ideia original sai. E nada entra de experimentado. Parece-me tudo enlatado ou cintado,a chegar pelo correio, em embalagens da Amazon ou, agora, nos Favoritos do browser da net. Não percebo a razão do convite para escriba de cantinho no Expresso e ainda no Folha de S. Paulo ( é verdade!).
Pensando bem, percebo: mainstream, é a palavra. E novidade, "jovens turcos" ( honni soit...)e renovação o conceito. Errado e falhado, quanto a mim.
Mas há outros, caro Dragão! Há outro(a)s que nem vale a pena mencionar, pela confrangedora pobreza que tudo aconselharia a que ficassem pela escrita em blogs confessionais e se atrevem a avançar com artigos e crónicas sobre sei lá o quê!Gatos, por exemplo!
Que tristeza vil e apagada, pá..."
Parabéns, mesmo que não goste de os receber, pelo "possidónimo". Nada como as derivas semânticas com graça para nos atirarmos aos tubarões de caras. Pôs a tónica num dos pontos que tem que ser salientados - mais do que uma crise de ideias, crónica na lusitânia, há uma crise de estilo. Claro que l'une ne va pas sans l`autre mas o seu cérebro depredado da Ideia (cito-o, leio nas suas Confessions de São Draco exposto aos subFenícios da Ibéria Beta), parece estar bem fornido de estilo. Também me inspira o Fialho, âs vezes. E seria suicida escrever sem estar todo enfarinhado no truculento Camilo, que dá boa verrina. Quanto ao Eçita, passa, como o acne. Fica o monóculo. Que bem usado - já viu como era bom restabelecermos duelos civilizados e sangrentos, senão qual era a piada?, de florete, de monóculo? - desvenda segredos na perruca bem composta do Indignado de serviço. (já estou a sofrer as suas influências capilares.)
ResponderEliminarSofrendo ser seu porteiro na inquirição genealógica que o perturba nâo lhe sei dizer o pedigree do Mexia. Estou afastado das menageries, das capelas, das seitas, até dos bordéis, imagine! (que são sempre o mais dificil a largar, bem como o alcool. Esses tretas com as difculdades em largar a coca, ou a heroína. Dificil, e blasfemo, é largar o vinho que é droga santa, mesmo antes de Dyonisos lhe ter cuspido a sua benção por cima. Perdoe-me a digressão mas hoje é Dia pagão, disfarçado de Santo Prático, com bom sufixo para rima fácil). Quanto ao Pereira Coutinho, o ricaço, é dos bons. Vem mesmo na trama primária genealógica do Marechal Coutinho medieval e dos Pereiras de Vermuiz Forjaz, os únicos Pereiras. O resto é vilanagem.
Claro que um joli nom - não é só cá - é meio caminho andado. Basta olhar para mim, para o apelido digo. Tenho Aladino a meu serviço. As portas abrem-se. Passadeiras estendem-se. Cheira a bom perfume daquele que só se evapora, em matizes subtis que o Patrik Suskind tão bem explorou, onde há muito money. Além disso,dão gosto uma ou outra das graças esotéricas, como o luxo, ah o luxo cheio dessa calma paz e volúpia que tão poucos conhecem e muitos menos ainda apreciam.
Mas afastei-me do ponto. Deixe-me beber um pouco mais de rum com pólvora nesta noite de São Martinho, e enquanto trinco descuidado, umas ostras que vieram da Ilha de Moçambique (contrastes pois, tenho ao mesmo tempo gostos de pirata e de nababo, e há que satisfazer com elegância os dois).
Pois então tínhamos os hipernónimos contra os anónimos. Cá para mim o Pacheco Pereira é um autarca da Monarquia das Letras. Li hoje o blog do menino. Que Indignância, temperada, diluída, moderada por himself, apoiada em communication theories updatetadíssimas! Vou passar a ler os seus briefings, poupa ler preclaros tijolos escritos por aquela gente anglo-prática, avessa â fantasia, incapaz das volúpias barrocas de se deixar ir na digressão infinita. Enfim o homem dá lições. Nâo seria mau se o fizesse na sua Universidade, deve ser nas privadas, que dão mais, mas extravasa para a blogsofera, espalha-se pelo Jornal, também está professoral na TV. Nem um instante larga a máscara do catedrático. Tem que catedratizar em tudo. Imagine-o na sanita, com a Summa Theologica ao lado. Deve perorar e dar uma lição de pulchrum exitum â própria caganita.
Freud, e o netinho Lacan explicam muita coisa sobre tiques literários, redundâncias, figuras de estilo e claro, lamentavelmente tem tendência para reduzir tudo ao anal. Ó jurisprudência! Portugal que antes de ser freudiano, minhoto-freudiano para ser mais justo, é um país de Péricles. E então neste abenzorrado cantinho (obrigado ó Mia) o escriba tem que ser estadista, dar conselhos de ética, brandir a Regra! trazer com uma fúria calma, desdramatizada, o cabelo penteado, os Dez mandamentos que foi buscar â serra de Sintra. Sem, sem -lamente~se - ter visto o Lord Byron acocorado por cima de uma caveira, (pela qual bebera um Collares) agarrado à tripa, a rir-se, baixo satanazim anglo.
Ele P.P. talvez devesse saber que por acaso até há uns leitores de hiper~élite e começar a escrever para eles, em vez de estar a gastar dúbio latim com as massas. Mas terá capacidade? Já sabemos que enxertou uma biblioteca no lobo lá do cérebro que tem paciência para isso (o Damásio, formiguinha, explicará onde é) e que portanto está em princípio armado para o que der e vier. Nâo andou ele com o Pachecoscópio enfiado no PCP, a espiolhar a seita ao pormenor?
Agora declarou que a esfera bloga é o Monstro. São Pacheco em Patmos, de facto, esqueceu-se que ele é uma das cabecitas da Hidra, visto que tem um blog de nome conotativamente interesting - a força bruta, ou coisa que o valha.
Se calhar fantasia-se um dos 4 Cavaleiros. A Cátedra Osmótica e Massiva em que se instalou, de facto anda para aí em grandes cavalgadas . chamando tudo ao ponderado, ao sério, ao professoral semixanax, de verrinita moderada, de picadelas só nas canelas registo em que convive bem, como o meu caro, bem disse, as outras Nobrezas, os outros opinion mecos que cá nos vão civilizando, haja gratidão.
PS - só para complementar o excelente comentador que me precedeu, o verso do Camões de facto é
- austera, vil e apagada tristeza- Luís percebeu a depressâo colectiva que por cá se viva na altura, e que pelos vistos, ainda perdura noutro filme, com os mesmos actores ou com outros actores no mesmo filme? Mas eu cá, bastardo interminado de Mefisto, grau Zero em Pirofosfato, cá me vou rindo. Um outro exile in his own land. He he he riso pré~ictérico do quinto copo de Rum com Pólvora a que acabo de juntar um zest de noz moscada.
:) :) :)
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