I
Em Abril de 1932, Louis Destouches deposita na editora Gallimard o manuscrito da “Voyage au bout de la nuit”. Silêncio. O silêncio costumeiro, o desdém olímpico das grandes editoras pelos alienígenas desparamentados.
Em Junho desse mesmo ano, o editor Robert Dënoel recebe igualmente o manuscrito de Destouches. Denöel “percebe” o que está ali e aceita-o de imediato.
(Outros a quem Céline terá proposto o romance:
- A Eugène Figuière (que lhe proporá, um ano mais tarde, uma edição de autor):
- Às Editions Bossard.)
Em 30 de Junho, Céline e Robert Dënoel assinam o contrato de publicação da “Viagem ao Fim da Noite”. No artigo V do referido contrato, estipula-se que o editor pagará ao autor 10% do preço de capa, a partir do quarto milhar: E reserva-se 50% nos direitos de tradução, de adptação ao cinema, de vendas em caso de edição de luxo ou popular” .
Em Junho desse mesmo ano, o editor Robert Dënoel recebe igualmente o manuscrito de Destouches. Denöel “percebe” o que está ali e aceita-o de imediato.
(Outros a quem Céline terá proposto o romance:
- A Eugène Figuière (que lhe proporá, um ano mais tarde, uma edição de autor):
- Às Editions Bossard.)
Em 30 de Junho, Céline e Robert Dënoel assinam o contrato de publicação da “Viagem ao Fim da Noite”. No artigo V do referido contrato, estipula-se que o editor pagará ao autor 10% do preço de capa, a partir do quarto milhar: E reserva-se 50% nos direitos de tradução, de adptação ao cinema, de vendas em caso de edição de luxo ou popular” .
Em Setembro, o livro entra na parte final da composição. Serão necessárias quatro provas até assentar a versão definitiva. Céline agradece a Dënoel o respeito integral pelo seu texto.
Jean Poulham, a quem Dënoel envia as provas do livro, escreverá mais tarde: “ Conheci a Viagem ao Fim da Noite através das provas que me enviou Robert Dënoel. Respondi, pelo correio, a Denöel, que o livro me parecia admirável. Pelo que Céline me agradeceu gentilmente, quando a obra saíu.»
Em 15 de Outubro, é publicada a “Viagem ao Fim da Noite”. Tiragem de 3.000 exemplares, produzidos na “Grande Imprimerie de Troyes”.
Robert Denöel distribui por vários jornais um folheto publicitário:
Em 14 de Novembro, Dënoel, Céline, Carlo Rim e o abade Mugnier almoçam em casa de Lucien Descaves. A 30 desse mesmo mês, os membros do júri Goncourt reunem-se para uma "repetição geral dos votos", no decurso da qual o prémio é virtualmente atribuído a Céline, com cinco votos - os de Lucien Descaves, Léon Daudet, Jean Ajalbert, Rosny mais novo e Rosny mais velho, presidente do júri e detentor de voto a dobrar.
Denoël retira então 10.000 exemplares de circulação e manda reimprimir novas bandas de capa onde se anuncia "29º. Prémio Goncourt".Em 6 de Dezembro, Léon Daudet consagra o romance de Céline através dum artigo memorável na primeira página de "L'Action Française".
No dia seguinte, é anunciado o prémio Goncourt. Inesperadamente, é atribuído a Guy Mazeline, por "Les Loups", à primeira votação e com seis votos. Três votos, os de Lucien Descaves, Daudet e Ajalbert, são dados a Céline; um, o que contava a dobrar, o de Rosny velho, presidente do júri, vai para Raymond Rienzi.
Perante esta reviravolta fedorenta, Lucien Descaves reage com violência. "Regressei com prazer à Academia Goncourt mas nunca pensei dever ser obrigado a chegar à sala-de-jantar passando pela cozinha!", clama, enojado.
Roland Dorgelès tenta acalmá-lo: «Descaves, não desconfie que que tenha havido combinações por debaixo da mesa, porque se enganaria redondamente." Descaves replica, antes de abandonar o lugar: "Não, eu não desconfio que tenha havido manobra, eu tenho a certeza! Passem bem, porque diabo quereis que continue aqui?"
Os jurados acusados de mudarem o respectivo voto no último minuto são dois belgas: os irmãos Boex, ditos Rosny.
Vários artigos na imprensa colocam em causa a distribuidora Hachette [que depois de 29 de Março detém a exclusividade de venda das obras das Edições Gallimard] cujas manobras de bastidores teriam impedido a vitória dum livro publicado por uma casa editora independente.
No "Le Crapouillot", Descaves, cuja cólera não abranda, declara: "Sei bem dos meios que alguns dispõem para impor a sua escolha. Sei qual a imprensa que se vendeu e quais os que estão à venda; mas não posso fazer nada."
Jean Galtier-Boissière, director do Crapouillot, escreve: "Nas semanas que antecederam a atribuição do Prémio Goncourt, um romance assinado pelo presidente do júri, Rosny mais velho, não foi ele publicado no "L'Itransigeant", o grande vespertino com tiragens de 400.000 cujo director é Léon Bailby? Um dos principais colaboradores deste chama-se precisamente Guy Mazeline."
Em 16 de março de 1933, no "Le Huron", Maurice Yvan Sicard é ainda mais directo: "Sabemos como o admirável "Viagem ao Fim da Noite" foi habilidosamente substituído pelo alfarrábio engrachado de Guy Mazeline. A coisa, mais uma vez, foi conduzida por Drogèles e os dois Rosny, dos quais um é surdo e o outro certamente idiota... Em cada ano, a voz do presidente da academia é comprada pela melhor oferta."
Entretanto, o Prémio de consolação é atribuído a Céline, que obtém dessa forma o Prémio Renaudot.
Numa carta de 16 de Dezembro de 1964, a Dominique Roux, Bernard Steele (o sócio de Dënoel na editora de Céline, "Dënoel et Steele") relata o seguinte episódio:
"Algumas semanas depois da atribuição do prémio Renaudot à "Viagem", fomos completamente surpreendidos pela visita de Gaston Gallimard, que apareceu sem entrevista marcada. Fez-se anunciar, penetrou no escritório e, após as cortesias da praxe, empoltronou-se e, no tom mais categórico que imaginar se possa, debitou-nos o seguinte discurso:
'Senhores, tendes entre mãos um sucesso certo com a "Viagem ao Fim da Noite". Infelizmente para vós, contudo, não dispondes dos meios necessários para explorar convenientemente esse sucesso. Por conseguinte, vendei-me o contrato. Será muito satifatório, tanto para vós como para o autor, pois estou disposto a pagar-vos um preço muito elevado.'
Estupefacção geral, e de seguida... recusa polida, mas muito firme. Depois de alguns segundos em silêncio, Gaston Gallimard levanta-se da poltrona, aproxima-se da secretária e diz-nos, brandindo o dedo ameaçador:
''Pois bem! Já que não quereis negociar comigo agora, ficai bem cientes, cavalheiros, que virá um dia em que terei não somente o contrato, mas também a vossa casa editora!'
Boutade dum homem despeitado e encolerizado? Ou visão profética, que não se realizaria senão após uma guerra e a seguir a um assassinato?
Curiosamente, já antes, em 1930, um dos directores da Gallimard, a propósito dos direitos de "L'Hôtel du Nord", tentara junto de Dënoel a aquisição do contrato, durante uma abordagem semelhante.
«Propõe uma verdadeira fortuna. Tentação inútil. 'Estabeleça você mesmo o preço', diz ele. Debalde. O jovem temerário recusa com um sorriso. O tom do visitante torna-se nitidamente menos doce, menos diplomático: "Irá arrepender-se!", ameaça ele, à saída. A partir desse momento, o "grande editor" tentará sistematicamente sabotar a nossa acção e subtrair os nossos autores ao sucesso. Empregará todos os meios, mas nunca alcançará os seus desígnios derradeiros enquanto Robert Dënoel for vivo.»
II
A guerra a Céline não será apenas feita pelos académicos de serviço, pelos plumitivos de aluguer e pelos eunucos de guarda ao serralho das Artes. Na verdade, subjacente a essa guerra, manipulando-a e patrocinando-a subterraneamente, urdirá sempre um outro conflito de ordem mercantil, entre o hipermercado e a pequena mercearia irreverente. Céline vai apanhar por tabela. E pela medida grande. Sitiado entre-fogos, dá consigo numa espécie de Terra de Ninguém. Que, bem vistas as coisas, é - e desconfio que será sempre -a Terra dos poetas e dos escritores autênticos de todas as épocas.
Veremos isso em detalhe aquando da publicação da "Morte a Crédito". É recebida por uma verdadeira -e previamente orquestrada - barragem de artilharia. No "tiro ao Céline" até Robert Brasillach alinha.
Espécie de Neo-Cristo literário, Céline experimenta o calvário. Enche o saco. Aguenta, com algum estoicismo, o cuspo da horda inefável e a esguicharia farisaica. Chega mesmo - aos tropeções, ungido de impropérios- até à gólgota. Mas, aí, em vez de subir mansamente na cruz, como lhe competia, reage à bruta, a pontapé e à dentada: depois dum uivo inaugural com "Mea Culpa", escreve "Bagatelles pour un Massacre". Retaliação desenfreada? Mijar no formigueiro, pura e simplesmente. A eito, a torto e a direito, à queima-roupa e por atacado. Contra-bateria em todas as direcções, para ficar com a certeza plena que acerta nos tomates da confraria.
Como eu o compreendo!...
Nota: A parte I deste postal é basicamente uma tradução minha duma cronologia francesa. No próximo sábado faremos idêntica viagem em redor da publicação de "Mort à Crédit".
Um documentário histórico. Surpreendente...
ResponderEliminarEna, ena! temos sessão histórica hoje!
ResponderEliminar"Espécie de Neo-Cristo literário, Céline experimenta o calvário. Enche o saco. Aguenta, com algum estoicismo, o cuspo da horda inefável e a esguicharia farisaica. Chega mesmo - aos tropeções, ungido de impropérios- até à gólgota. Mas, aí, em vez de subir mansamente na cruz, como lhe competia, reage à bruta, a pontapé e à dentada: depois dum uivo inaugural com "Mea Culpa", escreve "Bagatelles pour un Massacre". Retaliação desenfreada? Mijar no formigueiro, pura e simplesmente. A eito, a torto e a direito, à queima-roupa e por atacado. Contra-bateria em todas as direcções, para ficar com a certeza plena que acerta nos tomates da confraria."
ResponderEliminarNo meio de tanta merda que escreves, de vez em quando aparece uma pérola destas que me faz mijar a rir
(Falando com os meus botões:)
ResponderEliminarJá é o segundo que se liquefaz em tais propósitos...
Estou a ver que este blogue, à falta de quaisquer outras, tem propriedades diuréticas.
Qualquer dia, quem não puder ir para as termas,sempre pode optar por vir ler o "dragoscópio".