sexta-feira, junho 30, 2006

Senhora Dragão dixit

A minha distinta esposa proferiu-me o seguinte:
«Tu bates à esquerda e à direita, esmurras a torto e a direito! Mentaliza-te: não és simpático. Admira-me sinceramente como é que ainda alguém te lê!...
Digo-te mais: como queres que te entendam? Eu que sou uma mísera “dona-de-casa”, esse cúmulo da ignomínia do nosso tempo, tenho mais cultura que a maior parte dessa gente. E, pior que isso, havias de constatar se fosses à Europa: o nível cultural ainda é mais baixo! Eu, que andei por França, o melhor que lá encontrei foi uma alemã que me notificou do seguinte: “quem escolhe pensar tem um caminho solitário pela frente. Às vezes dói. Aguenta Maria!...”
A tua sociedade, as tuas conversas são com gajos que já morreram. O presente é a única dimensão do tempo que não conseguimos usufruir. É um emaranhado de instantes de que ninguém se dá conta sequer que existe. As nossas amélias sociais são cretinos que não entendem nada, fora a flatulência instantânea e efervescente dos jornais. Comentam e opinam sobre factos desgarrados de cujo sentido nem suspeitam. Que interessa o Pacheco Pereira assoberbado com dois ou três computadores a desovar, em directo e em frenesim, patranhas sobre tudo e um traque celeste. Interessante, mesmo, de facto, é saber porque raio existem Pachecos Pereiras, actuais, potenciais e virtuais. Não são agentes, são produtos, esses servos do momento.
Ao contrário de tudo isso, um pensador está à margem, como alguém que olha para um rio a passar »

Foi exactamente isto que ela me disse. Juro. O toque literário é meu, mas as ideias são exactamente as dela. Além de bonita, é inteligente. Há tipos com sorte. Na verdade, como profetizaram os antigos, “a dita protege os audazes”.
Ora, como a mim audácia não me falta...

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