O contrário do burguês, nada de confusões, não é o operário, o camponês, o insecto urbano. Esse, nos dias que correm, e nos que já correram também, não passa, na maior parte dos casos, dum burguês embrionário, em gestação, em fila de espera, à cata de boleia ou oportunidade. A sua grande fantasia existencial é que, senão ele, pelo menos os filhos dele se tornem burgueses. Ou os netos, alguém, enfim, que o represente. Não é um desejo de justiça o que o anima, mas de vingança, de desforra. A fome que o tortura, como dizia Pessoa, não é de pão, mas de sobremesa; não é de vida, mas de luxúria macaca e porcina. Tanto quanto odiar o patrão, odeia-se a si mesmo por não ser patrão. Por não refocilar nos recreios e desfrutes do outro.
Não, o contrário do burguês é bípede, na carne e na alma, de postura erecta, vertebrado, dotado de inteligência mais que de razão, omnívoro de corpo mas não de espírito, com os pés na terra e os olhos no horizonte, coragem mais que cálculo, riso, criança, leão, patíbulo, luz, caminho, ponte, deserto, abismo – espelho e tabuleiro onde o divino se vem espiar.
Nietzsche chamou-lhe "ubermensch". Talvez o mesmo que Cristo, quase dois milénios antes, personificara: o Homem Bem-aventurado. E de Boa Vontade.
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