Embora não pareça e não sei quantos mil jornalistas insidiem e conspirem, Portugal é um país de génios. De génios, de doutores congénitos, de crânios predestinados, é o que vos digo! A prova? Nenhuma outra região do glogo, creio mesmo que da galáxia, reune sob as suas fronteiras uma tal densidade de eruditos em Kant. É preciso dizer mais? Experimentem, numa qualquer esquina, interrogar um transeunte, um indígena avulso, mesmo uma porteira que por ali ande, de cão em trela, à espera que a alimária se alivie... perguntem-lhe, vá. “Kant? Emanuel Kant, o filósofo de Konisgsberg?! –Obsequia-vos logo, o aborígene, todo pressuroso. –Não tem nada que enganar, amigo: segue sempre em frente, vira à direita, outra vez á direita, encontra uma praça, com um jardim, é aí mesmo!” E se não vos brindar, à despedida, com um trocadilho brejeiro –do estilo: “mas cuidado não vire à esquerda na segunda direita, senão em vez de Konigsberg vai dar a Caralhisberg, uma chatice, ah-ah-ah!...” – já ides com sorte. Isto tudo se, entretanto, qualquer outro basbaque, daqueles que rondam sempre de olho atento e ouvido à escuta, não flanar nas redondezas e se aperceber da questiúncula. Porque, nesse caso, arrepiai-vos boa gente, pois haverá debate pela certa. Kant é matéria que nenhum português de gema se atreve a deixar impune. O segundo obstará de imediato ao primeiro: “Olhe que não, está a fazer confusão. Aí, na praça, é o Hegel, o filósofo da dialéctica. Kant, o Emanuel, fica dois quarteirões mais acima, logo antes da Travessa do Fichte, o amigo do Schelling”. “Você está a fazer confusão entre o filósofo e o crítico da razão, ora essa!... –retorquirá, o primeiro. –“O crítico é que mora no Largo da Transcendência, o filósofo é como eu digo!...”
Nada a fazer: muni-vos de toda a vossa santa paciência e preparai-vos para uma logomaquia das antigas. Um terceiro, um quarto, não tardarão. Parecem moscas atraídas pela bosta. Em menos de nada já é um areópago, uma assembleia, uma conferência. Cada qual –e serão muitos, garanto-vos–, tentará impingir-vos um itinerário diferente, o último sempre mais peregrino e rocambolesco que o anterior. Quando começarem a berrar alto coisas como “Leibnitz”, a vociferar “Hume” e “Wolf”, e a mandarem-se uns aos outros para o Platão que os pôs ou a socratizar-se naquela parte que vós imaginais, então, temei, fixai que é chegada a hora de sairdes pianinho, à francesa, que o caldo, depois de ferver em três tempos, vai entornar-se pela certa. Ora, se o povo avulso é assim, imaginem agora os assistentes universitários, os catedráticos, os jubilados ( já não falando nos estudantes, essa inefável classe de vermes em trânsito para mariposas). Pois, envernizai a espontaneidade popular com uma camada lustrosa de neurose obsessiva e aí tendes o quadro dos eruditos (em acto ou im-potência). Resumindo: neste raio de país, não há quem não nos explique Kant, com minúcias do arco-da-velha, escalas mirabolantes e em versões tão abstrusas e estapafúdias que nem ao diabo lembrariam, mas todas elas geniais, é claro. Aliás, quanto mais abstrusas, mais talentosas, foras-de-série. Este, de resto, é um traço essencial do carácter luso, um fundamento da sua idiossincrasia: o português não exlica, complica. Respira convicto que saber uma coisa -dominá-la até à medula dos ossos-, é complicá-la, ou seja: arrastá-la pelos cabelos a um labirinto, atomizá-la num alucinante puzzle ou triturá-la em pasta homogénea, em puré imarcescível, com a varinha mágica da sua sobrinteligência. Os portugueses alcançam mesmo o prodígio inaudito de conseguir complicar Kant. E tudo isto duma forma inata, espontânea, enciclopédica. O preço para tanta glória? Apenas uma ligeira contrariedade... Emerso em tão feéricas e prolixas tramas, o patrício nunca entende as coisas: contende com elas. (Uma bagatela, portanto, Deus o abençoe).
Nada a fazer: muni-vos de toda a vossa santa paciência e preparai-vos para uma logomaquia das antigas. Um terceiro, um quarto, não tardarão. Parecem moscas atraídas pela bosta. Em menos de nada já é um areópago, uma assembleia, uma conferência. Cada qual –e serão muitos, garanto-vos–, tentará impingir-vos um itinerário diferente, o último sempre mais peregrino e rocambolesco que o anterior. Quando começarem a berrar alto coisas como “Leibnitz”, a vociferar “Hume” e “Wolf”, e a mandarem-se uns aos outros para o Platão que os pôs ou a socratizar-se naquela parte que vós imaginais, então, temei, fixai que é chegada a hora de sairdes pianinho, à francesa, que o caldo, depois de ferver em três tempos, vai entornar-se pela certa. Ora, se o povo avulso é assim, imaginem agora os assistentes universitários, os catedráticos, os jubilados ( já não falando nos estudantes, essa inefável classe de vermes em trânsito para mariposas). Pois, envernizai a espontaneidade popular com uma camada lustrosa de neurose obsessiva e aí tendes o quadro dos eruditos (em acto ou im-potência). Resumindo: neste raio de país, não há quem não nos explique Kant, com minúcias do arco-da-velha, escalas mirabolantes e em versões tão abstrusas e estapafúdias que nem ao diabo lembrariam, mas todas elas geniais, é claro. Aliás, quanto mais abstrusas, mais talentosas, foras-de-série. Este, de resto, é um traço essencial do carácter luso, um fundamento da sua idiossincrasia: o português não exlica, complica. Respira convicto que saber uma coisa -dominá-la até à medula dos ossos-, é complicá-la, ou seja: arrastá-la pelos cabelos a um labirinto, atomizá-la num alucinante puzzle ou triturá-la em pasta homogénea, em puré imarcescível, com a varinha mágica da sua sobrinteligência. Os portugueses alcançam mesmo o prodígio inaudito de conseguir complicar Kant. E tudo isto duma forma inata, espontânea, enciclopédica. O preço para tanta glória? Apenas uma ligeira contrariedade... Emerso em tão feéricas e prolixas tramas, o patrício nunca entende as coisas: contende com elas. (Uma bagatela, portanto, Deus o abençoe).
Os portugueses derriçam Derrida à hora do almoço. E à do jantar também. Questionam tudo o que lhes aparece pela frente em forma de gente.
ResponderEliminarA pergunta mais frequente não é "o que é que fulano/a disse?" É, antes, " mas quem é este fulano/a?".
O que vale é o ter qualquer coisa: um nome; um estilo; uma pose; no limite, um emprego notável na política ou na administração ou já depois do limite, um carro ou uma casa que dê nas vistas.
Ter é a palavra! Mas um ter palpável, visível e tangível a metal sonante.
Ter razão, senso, pensamento lógico e capacidade de realização, não conta! Esse ter é uma abstracção e por isso não existe de modo visível e reconhecido.
Por isso, em relação a Kant, ficam acantonados na discussão transcendental do putativo frango do Vítor Baía e classificam, kantianamente, os árbitros como ladrões de igrejas, numa síntese solene de racionalismo e empirismo...
Os heróis do momento são kantianos notórios com nome como Pinto da Costa e L.F.Vieira. Grandes nomes da nossa modernidade!
a ideia é gira mas eu não escolhia Kant para a brincadeira. Derrida acentava-lhes mais ";O)
ResponderEliminaraté diria que os intelectuais são mais Derrida de fachada e o povo é que é kantiano ":O)))
ResponderEliminarVou ter que publicar outro postal em anexo a este, para ver se me faço explicar melhor. Em todo o caso, não me mencionem palavrões como "Derrida" ou "Deleuze", que eu zango-me!...
ResponderEliminarO Eduardo PC, hoje no Público derriça mais uma vez em Derrida, para dizer que ninguém o compreende verdadeiramente: só ele!
ResponderEliminarDe facto, a consulta a jornais amarelecidos de 74( e até antes)já o comprova. O Eduardo PC era então considerado assim a modos que um geniozinho da lâmpada de produzir discursos enrodilhados. Não mudou muito, mas mostrou o que é: por vezes, um perfeito imbecil! Como, aliás, todos somos, às vezes...
Quando o Eddy PC surgiu, vindo de Paris (donde nunca mentalmente sai), no campo das semiografias, eu lembro-me de nos rir-mos muito à conta dele. Devemos-lhe essa função social bastante útil que, nas monarquias antigas, era desempenhada pelos truões. Não o leio há muitos anos. Penso que outros bobos o superaram: Luízes Delgados ainda mais frenéticos.
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