sexta-feira, junho 18, 2004

Esquerda e Direita


As coisas, as ideias, as pessoas, estão cada vez mais distintas por fora (na fatiota e no penteado), e mais uniformes e amalgamadas por dentro (nas vísceras e no coração).
Para emblema disso, nada como a política dos nossos dias - ocupação, inerentemente, tomada de assalto por manicuristas e cabeleireiros.
Senão, reparem: O tipo de esquerda não só está piamente convicto que a Verdade existe, como, sobretudo, é possessão sua. Em contrapartida, o tipo de direita, ocupa-se obsessivamente da propriedade material, para ele, a única realidade verdadeira que existe. "A verdade é o meu pensamento", clama um; "a verdade é o que eu tenho", opõe o outro.
Bem no fundo, nenhum deles ama a Verdade. Um instrumentaliza-a; o outro compra-a. Para aquele, portanto, a infeliz não passa de unilateral masturbação; para este, resume-se a sórdida prostituta.
Fora isso, não se distinguem muito. Um já tem; o outro gostava de ter. Um já está; o outro vai a caminho.
O debate, superficialmente belicoso, nunca sai disso. Gira à volta da propriedade; nunca da verdade. Esta, bem entendido, um não a tem nem precisa dela pra nada, excepto para o capricho periódico de se aliviar nela. O outro tem-na toda e, por isso mesmo, exige a gratificação que lhe é devida por tamanha vidência, por tão útil préstimo à Humanidade.
No fim, quase sempre, encontram-se a meio caminho. O tráfico - a discreta transacção - sara as feridas da ideologia, os arrufos dos comadrios: A esquerda troca de bom grado uma boa parte da sua infinita e exclusiva verdade por um razoável quinhão da infinita e não menos exclusiva propriedade da sua rival.
A direita é só a esquerda empaturrada.
Donde, não surpreendem as manias (camufladas de estratégias): uma, a esquerda, investe na palraria; a outra, a direita, concentra-se na digestão. Acreditando, cada qual, nos poderes miraculosos e panaceicos, ou da saliva, ou do arroto.

15 comentários:

  1. só uma ligeira pergunta: estás a falar de esquerda/direita como projectos políticos? actualmente? de formas de governação? países? consegues distingui-los? és capaz de exemplificar?

    ResponderEliminar
  2. e acreditas que na tal dicotomia inventada para efeitos de luta ideológica a diferença centra-se mesmo na propriedade?

    eu, por acaso, só distingo alguns pelas fantasias...
    principalmente quando fazem questão de andar com elas na lapela ou as imaginam como coisas viscerais.

    Quando esse lado afectivo desaparece é raro encontrar grande "substrato" de diferenciação.
    Claro que, à falta de melhor, há sempre o "political compass"- receio é que não se construam sociedades à medida da matemática das percentagens a atribuída a cada teste.

    ResponderEliminar
  3. por acaso até te confesso: acho que o grande problema político (ou de mentalidade) reside na incapacidade de se saber constuir um ponto de vista dispensando as fantasias ideológicas. Pelo menos não as colocando como factor determinante. O ponto de vista é uma coisa muito mais inteligente. Pouca gente é capaz. Agarra-se à ideologia porque não tem ponto de vista ";O))

    Até apoiava o político que fosse capaz de ter teoria e ponto de vista sem essa muleta.

    ResponderEliminar
  4. Bombardeias-me de perguntas. Teria que escrever um manual para te responder devidamente a todas essas questões. Dito por alto:
    Estou a falar dos "nossos políticos actuais".
    Grosso modo, concordamos.
    Quanto à propriedade, é evidente, não é? Repara que a motivação dum político (destes agora) e duma prostituta não se distinguem. O móbil é o mesmo. Só que uma vende o seu próprio corpo, o outro vende o corpo nacional, autárquico ou o que seja, como se do seu presunto se tratasse. Uma vez que a ética se desvaneceu, campeia o oportunismo.
    Por outro lado, uma das mais interessantes perspectivas para analisar a coisa, tem a ver com um conceito: facilitação. A "facilitação" é uma das traves mestras destes novos tempos. É cada vez mais "fácil" um "anormal qualquer", um "Damasozinho", um mediocre perfeito chegar ao poder. Existem múltiplas cozinhas e receitas eficientes para o efeito. Corredores garantidos. Confundiu-se educação com facilitação. O resultado está à vista: há cada vez mais médicos, professores, juristas, economistas, o que quer que seja, mas são cada vez piores. Pior: os indivíduos com forte auto-estima natural, de espírito vincado e independente, foram filtrados, a maior parte varrida, torpedeada sem dó nem piedade. Professores medíocres, lacaios desta ou daquela capelinha, em comissão de serviço, foram tratando do assunto.
    Mas conseguiram: É uma pirâmide. Só que de patas pró ar. Confunde-se agitação epiléptica com dinamismo; e o lodo do fundo que, em consequência, sobe á superfície, com a nata da nação. Vai à janela, liga a televisão e aí os tens .

    ResponderEliminar
  5. Hummmm.. tu falavas de um político de carreira por cá e eu estava a falar da dicotomia esquerda/direita em termos mais gerais. E aí não creio que a propriedade seja a tónica. Mais propriedade e barriga cheia para direita, um pouco menos para esquerda. Como vejo as coisas ao nível da fantasia creio que em última instância ficam todos espírito. No extremo levitam. São os fanáticos ideológicos. Por isso é que a dicotomia só funciona (e mal) no mundo Ocidental, com pouco espírito. Via lá para o Islão e vê se distingues assim. Não, porque acima da ideologia têm a religião, aliás, uma e outra coincidem. Num extremo tanto a extrema direita como a extrema esquerda desligam-se do que é material. A propriedade foi uma velha história aplicável ao comunismo. E é da´ique ainda deriva a dicotomia. E é por isso que funciona tão mal...

    ResponderEliminar
  6. porque se tu dizes que a motivação de um político é apenas a da puta, então não temos dicotomia temos colegas
    ":O)))

    ResponderEliminar
  7. entre eles, salvo seja ":O))))

    ResponderEliminar
  8. o que só é verdade em parte ":O)))

    ResponderEliminar
  9. por isso é que eu até acho que a ideologia está mais no militante de agit prop e nas massas apoiantes e votantes que no político de carreira ";O)
    mas isto assim também era básico e a cena é mais complicada... há famílias, há apoios e ligações também a esse nível, a teia é complexa.

    ResponderEliminar
  10. quanto ao resto pelnamente de acordo. costumo dizer que os bárbaros tomaram o poder. São às hordas.

    ResponderEliminar
  11. Não, aí inferiste mal das minhas palavras, ou eu (o mais certo) não fui bem explícito.
    Quando eu me refiro aos "políticos actuais" englobo a seita toda -os da "carreira" e os da "agit" que fazem barulho porque ainda não estão na carreira. Depois entram e aquilo passa. São fogozidades juvenis.
    Outra coisa: é certo que nos mouros a política se submete à religião. No ocidente submete-se à economia. Qual é que é preferível?

    ResponderEliminar
  12. exactement é o que lhes digo... quando entram acalmam logo ":O)))

    quanto à segunda questão prefiro a 2, sempre, sou rabelaisiana- ou goliardesca eheheh

    ResponderEliminar
  13. Quanto à dicotomia, parece-me que estás a repetir o que eu defendi no post (ou então já não digo coisa com coisa).
    Isto é, na essência não há dicotomia nenhuma. O deus é o mesmo, só a eucaristia varia. Eu não consigo vislumbrar diferenças fundamentais entre o BE e o PP, por exemplo. No traje folclórico, sim, imensas; mas no "vira" que dançam, não.

    ResponderEliminar
  14. loooooooooooollll também acho que me baralhei ehehe e também os distingo pelo folclore. Mas olha que aí, no folclore não falha ":O)))

    ResponderEliminar
  15. o que eu queria dizer é que, folcolre à parte e carreirismo à parte, há teoria diferente. O problema na diferença da teoria é que uma já era, é causa perdida, por isso ficam todos a ter de tratar da mesma coisa com pequenas viariantes de opções. A diferença é que as apresentam como programas totalmente opostos. E digladiam-se e arregimentam à custa destas fantasias. Só que as fantasias à esquerda são maiores porque ainda vivem de "utopias" ou imaginam que as vão criar...

    ResponderEliminar

Tire senha e aguarde. Os comentários estarão abertos em horário aleatório.