quarta-feira, junho 23, 2004

DA NECROFAGIA



E agora mais uma pitada de Cioran, que se os apóstolos são o sal do mundo, os filósofos são a pimenta.

«Quem aspira à liberdade completa só a alcança para regressar ao seu ponto de partida, à sua sujeição inicial. De onde a vulnerabilidade das sociedades evoluídas, massas amorfas, sem ídolos nem ideias, perigosamente desprovidas de fanatismo, privadas de ligações orgânicas, e tão desamparadas no meio dos seus caprichos ou das suas convulsões, que apostam -e trata-se do único sonho de que são ainda capazes - na segurança e nos dogmas do jugo. Inaptas para assumirem por mais tempo a responsabilidade dos seus destinos, conspiram, mais ainda do que as sociedades grosseiras, pelo advento do despotismo, a fim de que este as liberte dos últimos restos de um apetite de poder sobrecarregado, vazio e inutilmente obsidiante.
Um mundo sem tiranos seria tão fastidioso como um jardim zoológico sem hienas. O senhor que esperamos no nosso terror será justamente um apreciador de podridão, na presença do qual todos faremos figura de carcassas mortas. Que venha ele e nos cheire, que venha e se espoje nas nossas exalações! Já um odor novo paira sobre o universo.»
-E.M. Cioran, "Na Escola dos Tiranos"

Este Emile é tão provocador quão sibilino. Atira-nos com estas diatribes às trombas, e nós que nos aguentemos. Os nossos liberais, não extenuassem a mente com o preço das batatas, haviam de pensar...Haviam de pensar nestes enigmas, quero eu dizer. É que depois dos seus caprichos e folias, quando a lua surge no céu e vem envolver a savana numa claridade fantasmagórica, aparecem sempre as hienas. Algo as atrai, é fatal. Cioran diz que são as exalações... Há realmente um aroma nauseabundo na atmosfera. Paira, insinua-se, infiltra-se pelos mosquiteiros. Espero que sejam apenas as batatas. O pior é se é também a lógica delas.

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