quarta-feira, maio 19, 2004

NA RUA DOS BACALHOEIROS DO MEU ÓDIO...



E tu, meu rotundo e pançudo-sanguessugo,
meu desacreditado burguês apinocado
na rua dos bacalhoeiros do meu ódio
co'a Felicidade em casa a servir aos dias!
Tu tens em teu favor a glória fácil
igual à de outros tantos teus pedaços
que andam desajuntados neste mundo,
desde a invenção do mau cheiro
a estorvar o asseio geral.
Quanto mais penso em ti, mais tenho Fé e creio
que Deus perdeu de vista o Adão de Barro
e com pena fez outro de bosta de boi
por lhe faltar o barro e a inspiração!
E enquanto este Adão dormia
os ratos roeram-lhe os miolos,
e das caganitas nasceu a Eva burgueza!

O teu máximo é ser besta e ter bigodes.
A questão é estar instalado.
Se te livras de burguês e sobes a talento, a génio,
a seres alguém,
o Bem que tu fizeres é um décimo de seres fera!
E de que serve o livro e a ciência
se a experiência da vida
é que faz compreender a ciência e o livro?
Antes não ter ciências!
Antes não ter livros!
Antes não ter vida!

- José de Almada Negreiros, «A Cena do Ódio"

Só mais uma pergunta:
Donde é que importámos esta gentalha que nos (des)governa? - De Liliput?!...

Sem comentários:

Enviar um comentário

Tire senha e aguarde. Os comentários estarão abertos em horário aleatório.