quarta-feira, abril 14, 2004

O AUTOMÓVEL É UMA ARMA?...

Era no "Opinião Pública", na SIC Notícias. Debatia-se o massacre rodoviário da última Páscoa. Telefona um ilustre concidadão nosso e rompe com este belo conceito: "Um carro é uma arma".
Como marketing, funcionou. Pespeguei-lhe logo com toda a minha atenção.
O seu raciocínio não me desiludiu: a seguir à arma, veio um exército. De argumentos putativos, a hoste. Por causa da arma, dizia ele, não se devia passar licença (vulgo carta de condução) a qualquer um; se calhar, até era aconselhável criar-se uma licenciatura (quiçá um mestrado, um doutoramento honoris, porque não?, isto já era eu a meter veneno, pra com os meus botões...) Se nem todos podemos ser doutores, prosseguia ele, também não se justifica que todos possamos ter acesso à condução automóvel: mas apenas aqueles que se licenciassem na condução, ou sejam, os doutores. Por conseguinte, depreendi, nem todos podemos ser doutores e só os doutores deveriam conduzir. E assim se resolvia o problema. Imune à tautologia, pus-me a pensar...
Bem, eu não sei se um carro é uma arma. Mas que grande parte dos portugueses o usa dessa maneira - isto é, para se armar e, sobretudo, para se armar em parvo, ao pingarelho, em urso e quejandos -, tenho que confessá-lo: é um facto.
Depois, se sendo arma justifica, mais que uma licença de condução, uma licença de porte de arma, é capaz de ter lógica. Há severos indícios que, de facto, o português médio não usa o carro como meio de transporte, mas como meio de mau porte e até de passaporte. Ou seja: não é o carro que o leva, mas ele que leva o carro e, não raramente, o diabo que os leva aos dois.
Que, todavia, se deva passar da licença à licenciatura, já me parece um exagero. Na realidade, para além de ilustrar tanto uma pato-bravura impante quanto uma burrocracia atávica, tão próprias às colheitas mentais desta nossa época, não me parece que adiantasse grande coisa. Se os doutores fossem tão bons na condução de carros, como são na condução do país e dos assuntos do estado, é caso pra dizer que passávamos, seguramente, do massacre ao genocídio, da licença à licenciosidade.
Até dou de boamente a probabilidade de poderem vir a haver menos colisões entre veículos (até porque, graças ao esforço elitista, haveriam muito menos condutores na estrada). Mas, garanto-vos, já o atropelamento de peões, esse, disparava. Em vez da caça à multa, era a caça ao peão.
E, por incrível que pareça, morriam todos de causas naturais, ou lamentáveis acidentes..
Era estilo 007, acreditem: a licença para conduzir passava a licença para matar.

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