É curioso como a mendicidade clássica desapareceu das ruas do nosso país. As classes mais desfavorecidas, tudo o indica, parecem ter desenvolvido uma espécie de pudor insuperável à indigência pública. Preferem roubar, arrumar carros ou vender pensos e bugigangas, arriscar a vida ou passar fome, a ter que virem expor-se, indignamente, ao olhar repugnado e depreciativo dos outros. Escondem em segredo a infâmia da sua penúria; tentam encobri-la, como à pior das lepras.
Em contrapartida, a mendicidade pós-moderna tem experimentado um incremento inaudito nestes últimos anos. De norte a sul do país, elites e privilegiados, acólitos e copistas, praticam-na duma forma sistemática e exaustiva. Sem qualquer pejo ou escrúpulo. Pelo contrário, com o maior dos descaros e petulâncias. Com uma insolência que raia por vezes o insulto. Pavoneiam-se, cobertos de andrajos de marca, caríssimos, ao volante de grandes máquinas. Açambarcam cargos e mordomias, embarcam para turnés e campanhas. Com a jactância pura da toleima, arrotam postas e opiniões, cada qual mais embrutecida e esfarrapada que a anterior. É uma mendicidade ufana, jactante, triunfal, a destes pobres de espírito! E quanto mais pobres, lazarentos, miseráveis, melhor!...
Mas, mais espantoso, anacrónico, inexplicável que tudo isto, é que quanto mais se afundam na total indigência, quanto mais fuçam e escarvam na penúria mais sórdida, mais dinheiro e esmola todos lhes dão. Da Comunidade Europeia às fundações, dos contribuintes à Fazenda, é uma farturinha!...
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