Nos dias que correm, podem estar certos: qualquer pessoa que visite uma repartição de finanças sem ser com intenções sérias de assalto ou estudo antropológico, vai responder por isso, em julgamento, às portas do Céu. E corre sérios riscos de ir parar directo ao inferno, sem atenuantes que lhe valham nem testemunhas abonatórias que o aliviem!
Aqueles a quem as armas não atraem, (não sabem o que perdem) experimentem o segundo caso.
A primeira coisa que vão ver são magotes e filas de zombies, deambulando dum lado para o outro, de guiché para guiché, com ar patibular, sorumbático, de sonâmbulos post-mortem em peregrinação contrafeita. Exibem papéis e documentos quase sempre insuficientes; fixam um vazio qualquer alhures, na orfandade resignada dum Deus inútil; vão e vêm, entregues à perpétua danação. Enfim: querem passar o rio , mas o barqueiro não os leva (confiram na descida aos infernos de Ulisses, na "Odisseia"); comparem com destroços numa praia ao sabor da maré: são iguais. A estes chamam "os cidadãos", corrijo: "os contribuintes" - cidadãos no estado cadavérico à mercê dum Estado necrófago; cadáveres adiados que pagam.
Mas não são estes o mais interessante. Não, o mais fascinante e, ao mesmo tempo, tenebroso, encontra-se para lá dos balcões, de plantão aos guichés, bocejando pelas secretárias. Chamam-lhes "os funcionários", Neste regime de "burrocracia" que é o nosso são eles os burros que celebram, que oficiam, que fustigam...os outros burros, os tais burros contribuintes, pseudo-cidadãos que por lá desaguam. É a exploração, a opressão do burro pelo burro; é o burrus lupus burrum - o burro lobo do burro!
Contemplai-os com cuidado, à distância conveniente...
Para lá dos olhos inexpressivos, indiferentes, ao fundo das caras esverdeadas, lúgubres, avista-se o imenso espaço dos buracos negros e dos vórtices, onde rodopia, sem sentido nem ordem, o ballet absurdo da anti-matéria e dos neutrilhões gelados. A forma como se movem, essa, lembra qualquer coisa intermédia entre a lesma e a sanguessuga. Não andam: deslizam, escorregam; avançam ao jeito dum grude peganhento...
Não, não é impressão vossa: são mesmo assim.
Mas, para lá desse panorama desolador, arrepiante, às vezes, ocorre-nos uma questão ( a mim, pelo menos, ocorreu-me): Donde virão estas criaturas medonhas? Como chegaram ali? Porque vias umbrosas ou canais secretos, se insinuaram e esgueiraram para ali vir dar?...
Pra mim, isso, é um autêntico mistério: ressuma a esotérico, hermético, proselítico. Imagino rituais medonhos de invocação, encantações mágicas, danças vudus, missas negras e sacrifícios humanos! Desconfio de monstruosidades loverkraftianas, conspirações vampirescas e inseminações extra-terrestres!... Subitamente, invadem-me pânicos petrificantes e delírios claustrofóbicos!...
Não, não sei, nem quero saber!...Só quero sair dali o mais depressa possível...respirar, acreditar que não há uma tampa fechada e 10 toneladas de bosta de burro por cima!...
Nunca conheci ninguém humano que se tivesse tornado funcionário das finanças...Nunca conheci alguém humano que aspirasse sequer a tal!...
Para terem chegado ali, imagino somente o labirinto, o beija-mão, a seita, a degradação das degradações!...Muito mais fácil será, seguramente, entrar prá maçonaria, prás Confrarias da Cabala, prá Cosa Nostra, prá Opus-day!... Até porque, algo na intuição mo garante, é só depois de selectivos esforços e treinos aí, nesses antros de ordálio propedêutico, que eles conseguem ascender ao supra-sumo, à quintessência, à mais secreta das sociedades de Portugal: as Finanças!...
Deve ter sido algo semelhante que inspirou o inferno segundo Kafka. E o conduziu à loucura.
PS: Entretanto, alguns leitores enviaram-me o seguinte comentário chistoso: "Não te sabíamos antropólogo, ó Dragão, eh-eh!..."
Pois, e também nunca ouviram falar em "reconhecimento", pois não, ó cavalgaduras?!!...
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