quarta-feira, janeiro 07, 2004

EPÍLOGO NATALÍCIO

Também aqui na tasca, aliás Ciber-tasca, o Natal não passa despercebido. Todos os anos o Armindo manda a mulher montar uma árvore de natal e um presépio, num dos cantos do balcão, ao lado do telefone.
Hoje, o Caguinchas, já bem encharcado, cismou de ir telefonar a não sei que lambisgóia arrendada, com intuitos de pernoita. Desconfio que sacou o número duma daquelas páginas da "Capital" ou do "Correio da Manhã", onde polulam meninas prestáveis e caritativas, sempre prontas para as mais miraculosas massagens.
Só que, pelos vistos, estava ocupada, porque ele ficou pra lá que tempos ao telefone; marcava e tornava a marcar; e não se escutou nenhuma alarvidade nem palavrão no entretanto. Só um ou outro "foda-se!", aqui e ali, que interpretámos como de impaciência e desilusão.
Ora, durante todo esse tempo parece que, por inerência geográfica, esteve a mirar o presépio, singelo, mas tocante no seu menino nu nas palhinhas, com a vaca e o burro, mais meia dúzia de ovelhas à volta. Ah, e a estrela no topo da árvore, já me ia esquecendo...Mirou e tornou a remirar.
O que se passou entre ele e o presépio, que milagre natalício ou troca alquímica se processaram, por obra e graça de quem, não sei. Não faço mesmo a mínima ideia. Mas o que é certo é que, poisado de vez o telefone, voltou prá mesa com a mesma narsa com que a tinha deixado, mas agora com um brilho estranho no olhar. Sentou-se, muito selecto e empertigado, a fitar não sei que prodígio na Austrália e, subitamente, de chofre, mas com uma calma anormal, saíu-se com esta:
"Vocês já repararam bem?...Estive ali a contemplar as figurinhas e veio-me à ideia aqui a nossa terrinha...Digam lá se Portugal não faz lembrar mesmo um bebezinho nu e indefeso, na penúria e nas palhas deitado; com a mãe Europa (que jura ter emprenhado por obra e graça) dum lado, e o padrasto americano cornudo de Deus, de cacete na mão, no outro; a levar c'o mau hálito dum primeiro-ministro burro e da vaca duma ministra das finanças; e velado por uma cambada de carneirinhos...Foda-se, sabem o que vos digo? - Esta merda não é um país: é um presépio!"

Agora digam lá que Deus não existe e que os milagres não acontecem!...

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